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Economia

Guerra Fria 2.0 e seus desdobramentos econômicos

Enquanto o Fed deve acelerar alta dos juros, a Europa lida com energia cara e China está fechada para negócios

Data de publicação:12/04/2022 às 00:30 -
Atualizado 3 anos atrás
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Na última semana, as notícias sobre a guerra na Ucrânia se concentraram nas imagens de sua brutalidade.

Mais do que a imposição de novas sanções, governos agora se veem com uma outra tarefa, igualmente importante: redigir políticas que incentivem empresas a investir em energia limpa enquanto avaliam os riscos geopolíticos de países fornecedores de gás, insumo fundamental para garantir o suprimento de energia de fontes intermitentes.

Nesse ínterim, altos índices de inflação já se espalharam pelo mundo.

guerra 2.0
Economias têm dificuldades para coordenar e conectar novas infraestruturas de energia e financeiras que estão surgindo

Resposta do Fed

Uma mudança de -0,25% para mais de 2,5% nos juros básicos em um único ano, podendo ultrapassar 3% em 2023. Além disso, o anúncio do início da redução do seu balanço já no mês de maio.

A percepção de qualquer pessoa que acompanhe a economia dos EUA é que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) acordou para a dinâmica inflacionária perversa de preços 8% mais altos em dólar. É fato que a invasão da Ucrânia teve a sua contribuição, mas os norte-americanos já estavam em uma situação atípica antes mesmo da invasão.

No mercado de trabalho, existe o dobro de posições abertas para cada desempregado. Se antes a negociação sobre salários era feita em função da disputa por funcionários, hoje o tema predominante é o rápido aumento no custo de vida.

Ainda que a meta de inflação pudesse ultrapassar os 2%, dada a transitoriedade de determinados fatores observados nos últimos 2 anos, o histórico do Fed para um “soft landing” (“pouso suave” da economia) não é dos melhores.

Em apenas 3 ocasiões, em um período aproximado de 80 anos, ele foi capaz de ajustar o cenário macroeconômico sem causar estragos (como uma recessão).

Redução do balanço

Afrouxamento quantitativo (ou “QE”, na sigla em inglês) era uma novidade logo após a crise de 2008 mas, desde então, tornou-se tão rotineiro que teve o seu uso turbinado no início da pandemia, dados os seus objetivos:

• Manter os juros baixos, inclusive os de longo prazo;
• Dar liquidez aos mercados, permitindo que funcionassem bem mesmo em condições adversas.

Ao longo de uma década, o QE inflacionou o valor dos ativos, causando a tão conhecida distinção entre “Main Street” e “Wall Street”. Até mesmo as criptomoedas de emissão privada se valorizaram, ainda que não possuam fundamentos para se mensurar o seu valor.

Considerando os altos níveis de inflação que afligem o planeta, chegou o momento de se tentar o processo inverso. Houve apenas uma única ocasião em que isso foi tentado antes: em 2019, ano em que o Fed deixou de reinvestir os bonds conforme venciam, efetivamente reduzindo o seu estoque de ativos.

Tudo indica que isso será acelerado agora, o que promete ter resultados mais rápidos e intensos no combate à alta nos preços. Entretanto, enquanto a definição dos juros pelo Fed tem os seus efeitos conhecidos, pouco se sabe sobre os efeitos da redução do seu balanço nas taxas de longo prazo.

Para alguns economistas do Massachussetts Institute of Technology (MIT), ao se girar a engrenagem na direção contrária, o impacto na economia pode ser maior do que uma série de altas de juros definidas pelo Federal Open Market Committee (FOMC).

CDBC

Em tese, dilemas como esse poderiam ser endereçados por meio das moedas centralizadas, emitidas por bancos centrais (CBDC, na sigla em inglês).

Ao longo da história, a forma como o dinheiro circula na economia se alternou entre dois modelos:

• Centralizado, sob controle de um banco central;
• Descentralizado, por meio da infraestrutura desenvolvida por bancos e instituições financeiras.

Apesar do primeiro modelo ter predominado, é pouco provável que se vá para o outro extremo após anos de estímulo monetário. As moedas digitais emitidas por governos terão ainda uma grande importância, com outras, também reguladas, circulando ao seu redor.

Esse modelo híbrido seria passível de alguns riscos, a depender das escolhas sobre:

• A tecnologia a ser empregada;
• O nível de segurança dos dados individuais.

A credibilidade dos bancos centrais continuaria imprescindível, independentemente de a moeda ser física ou digital. Porém, a forma como farão isso se refletirá nos indicadores de crescimento, emprego e inflação.

A título de exemplo, estímulos em períodos recessivos, tais como taxas de juros negativas, mudariam o seu modus operandi. Ao invés dos bancos sofrerem com saques conforme os saldos dos correntistas diminuem, o próprio banco central induziria o comportamento desejado, fazendo com que as pessoas gastassem mais.

Com essa relação direta entre banco central e pessoas, os bancos comerciais, meros intermediários entre poupadores e devedores, teriam os seus modelos de negócios alterados.

Poderiam eles manter os recursos acima de um determinado patamar? Seriam eles responsáveis pela implementação de um sistema com dois tipos de contas (CBDC e conta bancária convencional), explorando os dados digitais fornecidos pela primeira para oferecer serviços financeiros por meio da segunda?

Gestão de risco

Independentemente do papel dos bancos, alguns reguladores mundo afora estão contemplando a possibilidade de se utilizar a tecnologia do blockchain para aperfeiçoar a gestão de riscos dentro do sistema financeiro internacional.

Visto que a negociação de criptoativos ocorre ininterruptamente, toda a infraestrutura por trás dela é automatizada.

Isso permite um acompanhamento em tempo real dos riscos, o que teoricamente reduziria as chances dos participantes do mercado serem pegos no “day after” de uma explosão financeira como o da Archegos Capital Management ou de um ataque semelhante ao feito pela Rússia a um país vizinho (relação entre China e Taiwan).

Conclusão

As consequências da guerra na Ucrânia são percebidas por todos os lados e o conflito está longe de acabar. Enquanto diplomatas russos são expulsos em série, existem rumores de que a Finlândia, país que divide a sua fronteira com a Rússia, pedirá a adesão à OTAN.

O Fed vai acelerar o passo em relação aos aumentos de juros enquanto a Europa lida com os transtornos de preços de energia muito mais caros, em um contexto em que a China ainda está fechada para negócios.

Foi-se o tempo em que as economias agiam de forma sincronizada, o que pode dificultar o trabalho de coordenação internacional necessário para implementar e conectar as novas infraestruturas de energia e de finanças que estão surgindo.

Essa é a Guerra Fria do século XXI.

*Este artigo não reproduz necessariamente a opinião do portal Mais Retorno.

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.