O aumento de juros nos Estados Unidos vai mexer com as principais economias do mundo; saiba os impactos
Elevação pode representar o fim de um ciclo de crescimento econômico que se estendeu por bastante tempo
Com os EUA enfrentando índices de inflação mais altos, o momento de se elevar os juros pode estar bem próximo. Mas qual será o impacto do aumento dos juros nos Estados Unidos?
Ainda que sofram com os desarranjos causados pela pandemia, alguns elementos prevalecem no que diz respeito à política monetária:
- Exige-se um certo tempo para que seus efeitos sejam observados na economia;
- Os preços de combustíveis fósseis pressionam os índices, dado que a transição energética avança a passos lentos;
- É melhor o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estar à frente da curva, elevando a taxa gradualmente, para não ter que ser mais agressivo no futuro;
- Manter as taxas baixas por mais tempo favorece a especulação, prejudicando demasiadamente os investidores de varejo.
O problema é que esse movimento não afeta apenas a economia norte-americana. Elevar a taxa de remuneração de depósitos atrelados a uma moeda amplamente aceita e representativa de uma economia sólida funciona como um imã gigante para capitais que atravessam fronteiras.
Outros tempos
Não se trata de uma taxa nominal de juros de 20%, como a vigente durante o início da década de 80, ocasião em que os EUA combatiam a estagflação. Porém, pode representar o fim de um ciclo de crescimento econômico que se estendeu por bastante tempo, o que inevitavelmente criou algumas distorções.
QE versus QT: veja a diferença
Uma delas diz respeito ao afrouxamento quantitativo (“quantitative easing” ou “QE”, em inglês), mecanismo pelo qual o banco central “cria” dinheiro para comprar títulos públicos (dívida do governo) de vários vencimentos, reduzindo assim as suas respectivas taxas (quanto maior o preço do papel, menor a sua remuneração).
Sua vantagem reside no fato de que, do ponto de vista fiscal, é muito mais barato o governo se financiar pagando os juros cobrados sobre as reservas junto ao banco central do que nos vários leilões realizados a taxas de mercado.
Apesar de ser uma ferramenta bastante útil para se estimular a economia quando há pouca margem para se reduzir os juros, acredita-se que o QE coloca a dívida pública à mercê das taxas de curto prazo conforme é revertido (processo conhecido como “quantitative tightening” ou “QT”), aumentando os seus custos de financiamento. Dito de outra forma, eleva-se o risco da rolagem dessa dívida, o que por si só traz novos problemas.
A verdade é que situações artificiais só funcionam quando possuem um caráter temporário, motivo pelo qual o Fed já discute com qual brevidade começará a reduzir o seu balanço patrimonial.
Escala de risco
Antes da pandemia, os ativos de um modo geral já se encontravam em patamares elevados, propiciando um mercado bastante assimétrico e com poucas chances de ganhos adicionais.
Agora, com a racionalidade imposta pela postura mais vigilante do Fed, espera-se algum ajuste nos preços. Isso se deve ao fato desses ativos, com exceção do ouro e das criptomoedas, possuírem um fluxo futuro que precisa ser trazido a valor presente mediante o desconto de uma nova taxa, superior à anterior. Assim, a partir do momento em que o denominador aumenta, o resultado final (preço) é um valor menor.
Ações de alto crescimento
As ações de alto crescimento são as primeiras a sofrer quando o mercado financeiro vira a chave para a posição “risk-off” (fuga do risco). Nesse caso, não há estimativa ambiciosa que se sustente quando o custo de se bancar empresas com contas ainda no vermelho aumenta.
Olhando para o mercado de ações global, se sairão melhor companhias que conseguem crescer independentemente do PIB, são competitivas e possuem equipes que se adaptam às mais diversas condições, de forma que tenham aptidão suficiente para construir o seu próprio futuro.
Mercados emergentes captam recursos no exterior com juros baixos
Dadas as suas limitações, é fato que muitos emergentes captam recursos no exterior quando os juros estão mais baixos. Um bom exemplo disso é a Turquia. Altamente endividado e com baixas receitas de exportação, o país agora se vê com muitas dificuldades.
As economias emergentes, amplamente falando, possuem falhas próprias (o que aumenta a taxa pelo qual seus ativos são descontados) e dificilmente estão sincronizadas com os EUA no que diz respeito a ciclos econômicos.
A atratividade desse grupo ao capital internacional está mais atrelada ao ambiente regulatório e às características de seus mercados, determinando o que pode ser negociado, como também por quais participantes.
Inevitavelmente, essas economias sofrem um processo de desvalorização cambial, gerando novas elevações de juros, o que penaliza a atividade econômica via menos investimentos e mais desemprego.
Mercado imobiliário
A grande dúvida é sobre o mercado imobiliário em um ambiente de taxas mais altas, visto que a pandemia gerou novas demandas, como o home office e espaços maiores.
Mundo afora, destaca-se como ponto a favor dos altos preços os financiamentos concedidos a pessoas em melhores condições financeiras (um dos grandes aprendizados da crise de 2008, o que evitou que muitas casas fossem retomadas).
No caso do Brasil especificamente, outros fatores entram na equação:
- A busca pela segurança de um imóvel nos períodos de alta inflação;
- A isenção de imposto de renda (IR) aplicável aos rendimentos mensais distribuídos pelos fundos imobiliários;
- As carteiras imobiliárias compostas por Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), cuja rentabilidade acompanha a Selic, que tende a continuar subindo.
Conclusão
Não existe banco central norte-americano sem credibilidade. Para o Fed, pode ter chegado o momento de começar a agir, dado que a inflação é a mais alta de todos os tempos e o desemprego é menor que em muitas partes do mundo.
Considerando que a última década foi de pujança nos mercados, tudo o que se quer evitar é um pânico de grandes proporções, principalmente quando se leva em conta a enorme quantidade de pequenos investidores que deles participam.
O mundo de uma certa forma já aprendeu a conviver com a pandemia, o que quer dizer que já está mais do que na hora de atacar, ainda que gradualmente, os efeitos secundários de tantas políticas de estímulo.
Apesar de termos desenvolvido novos instrumentos para evitar recessões tão graves como a grande depressão de 1929, ainda estamos muito longe de corrigir os excessos financeiros que persistentemente surgem quando taxas de juros baixas são mantidas por mais tempo.
Como os próprios norte-americanos costumam lembrar, “o dólar é nosso, mas o problema é seu”.
*Este artigo não representa necessariamente a opinião do Portal Mais Retorno.