A Turquia e o seu experimento macroeconômico, de consequências desastrosas
População turca tem poupança em dólar ou em criptomoedas
Preços altos e uma moeda desvalorizada colocam qualquer governo em risco. É o caso da Turquia.
Ao contrário do que muita gente pensa, a Turquia não faz parte do grupo de países que utiliza o euro e, não por outro motivo, tem adotado políticas que fogem do receituário tradicional de crescimento econômico.
Diferentemente de seus pares, o banco central do país reduziu os juros em 2% no dia 21 de outubro de 2021, pouco depois do presidente Erdogan demitir três membros de seu comitê de política monetária. Como resultado, a taxa de juros ficou mais baixa que a inflação, impondo um juro negativo.
Expediente usado por algumas economias desenvolvidas para gerar mais crescimento, ele deixa de funcionar quando se trata de uma grande economia emergente, como pode-se ver na sequência.
Transição
Recep Erdogan era primeiro ministro em 2003, o que lhe garantiu que chegasse à presidência da Turquia durante a década em que o país enriqueceu. Desde então, sua forma de fazer a economia funcionar tem patinado.
Dados oficiais chancelam o retrocesso vivido pela população. O PIB per capita, em dólar, está no mesmo patamar de 2009, ano em que a economia mundial ainda sofria os impactos da crise do subprime.
Parte do problema está na falta de autonomia de seu banco central, dada à dança das cadeiras no principal cargo na autoridade monetária do país.
Naci Agbal
Pessoas competentes não são um privilégio de países desenvolvidos. Naci Agbal é um dos banqueiros centrais mais respeitados do mundo e ainda assim foi demitido por Erdogan por tentar frear a inflação via juros mais altos.
A verdade é que o governo da Turquia contava com algumas premissas para continuar crescendo. Tal como a China, fomentou a construção civil, altamente dependente de crédito barato.
Porém, ao contrário da China, que incrementou as suas reservas internacionais, a Turquia se financiou com recursos externos. Algo em torno de 80% do PIB é a ordem de grandeza que governo, empresas e instituições financeiras devem ao mundo.
Na ausência de um aumento de juros, visando não prejudicar o setor de construção, desequilibrou-se os fundamentos econômicos do país, alimentando a desvalorização cambial e a inflação.
Com os vários choques de oferta que ocorreram em 2021, esse problema se agravou.
US$ 128 bilhões
Como qualquer outro país emergente, a Turquia já sofreu com uma inflação descontrolada, o que lhe custou 30 anos para que atingisse o patamar de um dígito.
Em circunstâncias tão adversas como as decorrentes de uma pandemia, defender uma moeda pode custar caro. Apesar de não haver dados oficiais, estima-se que a Turquia utilizou US$ 128 bilhões de suas reservas cambiais desde 2019, ano em que começou a atuar mais agressivamente.
A lira turca perdeu mais de um terço do seu valor, sendo os estragos mais abrangentes. No modelo adotado pelo país, as reservas foram trocadas por moeda local junto aos bancos estatais. Mesmo tendo o intuito de atenuar a depreciação cambial, essas operações geraram perdas da ordem de 4% do PIB às instituições financeiras participantes.
Sem reservas ou credibilidade para insistir nessa estratégia, o governo partiu para outras alternativas, como a redução dos juros.
Alternativas
Com o poder de compra corroído, a população turca passou a poupar em dólar. Isso seria totalmente previsível não fosse por um detalhe: parte dessa poupança dolarizada foi revertida em criptomoedas.
Dada à especulação desenfreada no mundo cripto, o resultado não poderia ter sido pior. O banco central vetou as criptomoedas como meio de pagamento, acarretando na quebra de duas exchanges locais.
O fundador de uma delas fugiu do país, deixando um prejuízo de US$ 2 bilhões.
Improviso
Para um presidente que defende a redução dos juros como forma de se combater a inflação, resta-lhe apenas o improviso.
Contra a pobreza generalizada, anunciou duas medidas: um aumento de mais de 50% no valor do salário mínimo e uma compensação. Caberá ao governo turco, ou melhor, aos contribuintes, pagar a diferença entre a desvalorização cambial e os juros oferecidos pelos bancos.
Dito de outra forma, se a moeda sofre nova desvalorização da ordem de 40% e o juro se situa nos 14%, caberá ao tesouro turco pagar os 26% restantes. Tudo para se evitar uma corrida bancária, conforme se perde a confiança no sistema financeiro local.
Percebe-se que a situação só se deteriora. Não havendo nenhuma reversão, a depreciação continua, elevando o endividamento público e retroalimentando o processo com novas rodadas de desvalorização cambial e inflação.
Conclusão
Há pouca margem para erros, principalmente quando se trata de economias emergentes.
Há quatro anos que a Turquia enfrenta uma inflação de dois dígitos em função de fatores como abundância de crédito, uma política monetária pouco convencional, além de uma crise cambial.
Na tentativa de se consertar a situação, novas atuações no câmbio, reduzindo as reservas internacionais de um país cujo setor de turismo ainda não se recuperou. Para aliviar o peso do seu alto endividamento externo, conta apenas com o impulso das exportações.
Política fiscal
Mesmo quando há a presença de um banco central mais firme no combate da inflação, como é o caso do Brasil, o importante é não descuidar das contas públicas pois, a partir de um determinado patamar de juros, o governo encontra dificuldade para pagar as suas dívidas, o que gera mais desvalorização cambial e pobreza.
A Argentina, que já deu calote nove vezes, ilustra bem como as coisas podem sair do controle. No país vizinho, o dinheiro em circulação aumenta 50% a cada ano, dado que não há outra forma do país funcionar que não seja via a impressão de dinheiro.
Conforme os países lidam com o endividamento decorrente da pandemia e enfrentam uma pressão maior da sociedade por políticas redistributivas de renda, é fato que alguns podem tentar conduzir a política macroeconômica à sua maneira.
Na Turquia, ela se chama Erdoganomia. Com parte das principais economias do mundo indicando que elevarão os juros para combater as pressões inflacionárias que se mostraram mais persistentes que inicialmente previsto, é pouco provável que ela vingará.