O que está por trás dos protestos de investidores chineses
Nos últimos 15 anos, valorização foi de mais de 10% nas grandes cidades chinesas
A veiculação de imagens de protestos é algo que as autoridades chinesas evitam a todo custo.
Porém, com as dificuldades enfrentadas por construtoras como a Evergrande, ficou difícil
esconder uma constatação óbvia: os altos preços dos imóveis na China.
Nos últimos 15 anos, a valorização foi de mais de 10% ao ano nas principais cidades do país.
Para entender esse fenômeno de crescimento de dois dígitos, é preciso voltar ao ano de 1994,
quando o governo chinês reformulou o seu sistema tributário.
Banco de terrenos
Com a perda de boa parte de suas receitas e incapacitados de emitir dívida, os governos locais
tiveram que recorrer à venda de terrenos para cumprir as metas de crescimento exigidas por
Pequim.
Não por outro motivo, nos anos que antecederam a crise de 2008, muitas regiões rurais foram
transformadas em zonas urbanas que, uma vez vendidas para as incorporadoras, passaram a
representar mais de 70% de tudo que os cofres públicos arrecadavam.
Portanto, fazer essa roda girar sempre foi importante para a China.
Ativos imobiliários
A população chinesa de um modo geral possui apreço pelo mercado imobiliário. Na
composição de uma carteira tradicional de investimentos, o imóvel detém uma parcela muito
próxima de 60% do total de ativos. Por conta disso, grande parte do endividamento está
atrelado ao financiamento imobiliário.
Com a alavancagem limitada pelas autoridades chinesas, muitas construtoras passaram a
depender das pré-vendas, negociações em que os interessados pagam à vista por imóveis
ainda na planta. Assim, na iminência de uma falência de grandes proporções, espera-se que o
governo tome uma atitude.
A política de “prosperidade comum” de Xi Jinping tem por objetivo endereçar essa questão. O
segredo é se desfazer dos excessos sem desacelerar a economia, que já enfrenta a caótica
implementação de outras políticas públicas, como o golpe enfrentado pelas empresas de
internet, em um momento que o país também sofre uma crise energética.
Plebiscito
O caso de Berlim ilustra o quanto a moradia se tornou inacessível nos grandes centros
urbanos. No dia 26 de setembro, realizou-se um plebiscito juntamente com as eleições para
decidir se a cidade deveria desapropriar aproximadamente 240.000 imóveis detidos por
grandes empresas imobiliárias.
Apesar de não vinculante (sem efeito), o resultado (56,4% a favor) deixou muitos investidores
institucionais como fundos imobiliários, seguradoras e fundos de pensão tensos. Para eles,
que gerem recursos de longo prazo, o mercado de locação residencial sempre funcionou como
um investimento rentável e seguro.
Descompasso
Tal como se observa em outras partes do mundo, é fato que os imóveis se valorizaram
bastante na última década, de forma que os salários deixaram de acompanhar o valor dos
aluguéis.
Por conta disso, apenas arranjos financeiros minimamente organizados conseguem levantar os
recursos para comprar e gerir essas propriedades, o que inevitavelmente faz deles os vilões do
aumento do custo de vida.
Despejo
Começando pela crise de 2008, quando algumas instituições financeiras investiram
pesadamente na aquisição de casas retomadas por falta de pagamento. Com o passar do
tempo, o que era um nicho de atuação foi desmembrado em novos negócios (spin-offs), se
transformando em empresas imobiliárias de capital aberto.
Com os bolsos cheios, compraram nas áreas mais valorizadas. Para as construtoras, trata-se
de uma clientela que garante um pipeline de lançamentos de empreendimentos. O problema
é com os demais que, mesmo com financiamentos milionários, não conseguem acesso a uma
unidade sequer.
A verdade é que a especulação imobiliária nunca termina bem. Ao mesmo tempo que um
mercado com propriedades mais caras traz mais investidores, ele também se expõe a medidas
intervencionistas por parte das autoridades.
Tiro no pé
Políticas que tentam trazer uma solução, limitando os preços de locações por exemplo,
dificilmente funcionam. Em uma cidade espanhola que tentou esse expediente, o resultado foi
que o mercado como um todo diminuiu, sendo que os preços se mantiveram no mesmo
patamar.
Voltando ao exemplo de Berlim, que inclusive já testou um modelo de congelamento de
aluguéis, o número de propriedades disponíveis para locação se reduziu.
Regras macroprudenciais
Seria então o caso de se adotar medidas macroprudenciais? Apesar de visarem a
estabilidade do sistema financeiro, argumenta-se que elas poderiam também frear o aumento
dos preços dos imóveis, ao limitar os níveis de endividamento.
Ao contrário da política monetária, que possui apenas a calibragem dos juros para tornar os
financiamentos mais caros, nas regras macroprudenciais existe uma flexibilidade maior, seja
para fixar a proporção do financiamento em relação ao valor do imóvel (“loan-to-value”), seja
para definir a proporção do financiamento em relação à renda (“loan-to-income”).
A desvantagem está nos seus efeitos indesejados. Mesmo que o mercado residencial se
valorize a um ritmo menor, o crédito se torna muito mais escasso, visto que menos instituições
participantes se mostram dispostas a emprestar.