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Economia

E-moeda: uma revolução na circulação do dinheiro, entre banco central, bancos e pessoas

Notícia de jornal, destaque de rede social, roteiro de série do Netflix.  A verdade é que todo mundo fala, de uma forma ou de outra, da…

Data de publicação:24/05/2021 às 05:00 -
Atualizado 3 anos atrás
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Notícia de jornal, destaque de rede social, roteiro de série do Netflix.  A verdade é que todo mundo fala, de uma forma ou de outra, da mesma coisa: o bitcoin.  Recentemente, a mais famosa moeda virtual perdeu mais da metade do seu valor, em pouco mais de 30 dias. 

Para mostrar o que isso significa em termos de valor de mercado, são US$ 365,26 bilhões a menos nas carteiras digitais.  Justificativas para explicar a queda não faltam:

Foto: Arquivo
Bitcoin alcançou a mínima de US$ 65 mil na quarta-feira
  • As sinalizações do Federal Reserve (Fed) para a política monetária;
  • O aperto por parte das autoridades chinesas;
  • As declarações de Elon Musk;
  • O pânico causado pela sensação de déjà-vu (“já visto”, em francês) dos vários pequenos investidores que, alavancados, pegaram carona no movimento desde que os governos passaram a distribuir benefícios em dinheiro como forma de combater os efeitos econômicos da pandemia. 

Exchanges de criptomoedas sofreram o baque, em uma situação muito parecida com o caso Gamestop

Porém, pouquíssima gente se atentou para a revolução silenciosa que está em andamento.  A mudança é nos bastidores, no nada empolgante sistema que faz o dinheiro circular na economia.

Govcoins

Como qualquer estudante de economia sabe bem, o dinheiro, inevitavelmente, precisa cumprir 3 requisitos:

  1. Meio de troca: forma de se pagar por bens e serviços;
  2. Unidade de conta: a representação numérica de uma transação;
  3. Reserva de valor: instrumento de formação de riqueza.

No auge da crise de 2008, com o sistema financeiro em frangalhos, chegou-se a cogitar que o bitcoin poderia ser um substituto para as moedas nacionais, dado que havia uma crença generalizada que os governos assumiriam riscos inflacionários ao tentar endereçar as consequências da alavancagem excessiva dos bancos.

Esses riscos não se concretizaram e o mundo mudou.  Avanços possibilitados pela internet mantiveram a inflação em níveis insistentemente baixos.  Sem a necessidade de se aumentar os juros, os preços dos ativos foram ajustados para cima e sobrou pouca oportunidade para se explorar.

Por mais que o bitcoin tenha se consolidado em função de sua tecnologia e de sua escassez, sua volatilidade até hoje impede que ele cumpra o requisito de reserva de valor de uma moeda.  De todas as moedas mais transacionadas e seguras do mundo, nenhuma delas oscila tanto quanto o bitcoin.  Não por outro motivo, as autoridades monetárias decidiram embarcar em iniciativas próprias, lançando as govcoins (moedas digitais de governos).

Sem banco

Nenhum sistema financeiro sobrevive se não for minimamente estável e, para que isso ocorra,  existe a necessidade de um maior controle, desde que não se mate a inovação tão comum do mundo digital.

Pensando um pouco além, dados os recursos disponíveis hoje, esse sistema também poderia ser mais simples, de forma que todos pudessem usá-lo nas suas transações diárias. Sem os inconvenientes da rede bancária, como funcionários empurrando produtos financeiros ou serviços que deixam a desejar. 

É justamente com essas características que estão nascendo as “e-moedas”.

e-moeda

A largada foi dada há alguns anos, quando a China começou a desenvolver a sua própria moeda digital.  Desde então, 50 países têm se dedicado a isso, incluindo jurisdições minúsculas como as Bahamas.  Mas, ao contrário do sistema financeiro tradicional, onde o dólar norte-americano predomina, nas govcoins o jogo é bastante equilibrado.

Essa corrida tem a sua lógica.  Bancos centrais exercem um papel primordial na condução da política monetária como o ano de 2020 bem mostrou.  Ao se permitir o desenvolvimento de sistemas paralelos por empresas de tecnologia, o quão aptos estariam para estabilizar as condições econômicas de um país? 

Será que Mark Zuckerberg se entenderia com Jerome Powell (presidente do Fed) ou Janet Yellen (Secretária do Tesouro) caso tivessem que discutir uma nova rodada de auxílio emergencial ou um novo programa de compra de ativos?

Além disso, a implementação de moedas digitais governamentais eliminaria uma série de custos do sistema financeiro, seja porque é o que existe no momento, seja porque todo mundo depende dele.  Na urgência de se consertar várias coisas que ficaram ultrapassadas, um mecanismo onde o próprio banco central oferece uma conta digital, com toda a conveniência.

Cara ou coroa

A outra face da e-moeda, porém, diz respeito aos limites sobre a liberdade financeira de cada um.  A exemplo do projeto piloto conduzido na China, pessoas que receberam recursos emergenciais tinham um prazo para gastá-los, num esforço para estimular a economia quando, receosa com o futuro, a sociedade de um modo geral prefere guardar.

Algumas hipóteses vão além, sugerindo que esse sistema de contas junto ao banco central facilitaria a retenção por governos de impostos não pagos ou o bloqueio de recursos de atividades ilícitas.  Em situações extremas, essas contas poderiam inclusive evitar a fuga de capitais, situação enfrentada por economias emergentes nas várias ocasiões em que o cenário econômico mundial se reverteu.   

Conclusão

A forma como o dinheiro circula na economia está em vias de sofrer uma das maiores transformações de todos os tempos.  Dentro da nova engrenagem financeira, os bancos perderão parte do status que possuem, passando a ter uma presença menor.  Eu seu lugar, bancos centrais atuando mais diretamente na vida das pessoas, com todas as implicações que isso pode ter.

Isso exigirá mudanças na regulamentação da movimentação do dinheiro físico, virtual (e-moedas) e de tudo que transita na grande rede de transferências financeiras que não vemos, mas que confiamos. 

Conhecidas tecnicamente como Central Bank Digital Currencies (CBDC), as govcoins vieram para ficar, independentemente do que Mark Zuckerberg ou Jack Ma estejam fazendo.  O tema, obviamente, envolve outras questões que fogem do escopo desse artigo, como a segurança cibernética, por exemplo.

Aos países, não sobrou outra alternativa.  Pior do que ter a sua soberania ameaçada por empresas com faturamentos superiores a muitos PIBs nacionais, é saber que a sua moeda pode ser substituída por outra que ainda está para ser criada.

Nova moeda vai definir hábitos das pessoas

Para as pessoas de um modo geral, isso vai definir seus hábitos e a sua vida nos seus detalhes mais mundanos.  O que comprar, quando e em que moeda serão decisões que poderão, ou não, ser definidas por alguém tão distante da realidade de todos como um presidente de um banco central.   

Com as baixas taxas de juros que predominaram durante boa parte da última década, os bancos deixaram de contar apenas com a intermediação financeira (spread) e partiram para outras linhas de negócios, geradoras de receitas mais recorrentes, como a gestão de recursos e os seguros. 

Percebe-se que essa revolução não virá de nenhum visionário do Vale do Silício, mas de banqueiros centrais, desconhecidos e incompreendidos pelo grande público.  Basta agora torcer para que usem mais a engenhosidade das finanças do que a tradição.  Excluir as figuras de ex-presidentes, ditadores e sheikhs, tal como ocorre nas cédulas, já seria um bom começo.

“Money, it’s a crime, share it fairly but don’t take a slice of my pie.”

“Money” de autoria do Pink Floyd

*Este artigo não expressa necessariamente a opinião do portal Mais Retorno

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.