Por que a moeda do futuro não está na sua carteira?
Bancos centrais estão desenvolvendo moedas digitais soberanas porque transações eficientes, seguras e de baixo custo giram a economia
O desenvolvimento das criptomoedas, que decolaram nos anos de juros baixos, se baseava em 3 grandes atrativos: baixo custo, segurança (via registros em blockchain) e não intervenção governamental.
Com o tempo, porém, surgiram as stablecoins. Elas fazem a ligação entres as moedas soberanas (normalmente o dólar) e as moedas digitais e, com os recentes acontecimentos, trouxeram para o centro do debate as principais preocupações de qualquer banqueiro central no que diz respeito à solidez do sistema financeiro e de seus participantes, visto se tratar de uma engrenagem fundamental da economia.
Bank for International Settlements (BIS)
Para vislumbrar o que seria o futuro do dinheiro digital, nada melhor do que procurar diretamente na fonte.
O Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), também conhecido como o “banco central dos bancos centrais”, recebe contribuições do mundo todo sobre as moedas soberanas digitais (internacionalmente chamadas de Central Bank Digital Currencies – CDBCs).
O objetivo de se aglutinar ideias em um único lugar tem um objetivo bastante prático: desenvolver uma infraestrutura de pagamentos mundial mais ágil e acessível, incorporando algumas regras básicas de tecnologia, regulamentação e tributação.
Adicionalmente, a iniciativa visa endereçar algumas questões, como um eventual papel do dólar digital nesse novo arranjo. Uma das grandes críticas ao sistema financeiro internacional é que ele gira em torno do dólar, fazendo com que boa parte do mundo esteja exposta à política monetária dos EUA.
El Salvador e as moedas digitais
El Salvador não poderia ser um “case” mais oportuno para qualquer discussão sobre CDBCs. Além de ter dolarizado a sua economia em 2001, o país foi o primeiro a adotar o bitcoin como moeda corrente para o pagamentos de bens, serviços, dívidas e impostos.
Entre os objetivos para o uso indiscriminado da criptomoeda estão:
- Facilitar o envio de remessas - recursos de imigrantes são responsáveis por 20% do PIB;
- Promover a inclusão financeira;
- Atrair investimentos estrangeiros.
Passados alguns meses, a população de um modo geral ainda não entende como o bitcoin funciona. Diferentemente do dólar, ele depende de uma carteira digital cujo valor está exposto a uma enorme volatilidade.
Além disso, excluindo-se a frustração por parte daqueles que não conseguem pagar com bitcoins, os estabelecimentos que os aceitam os convertem para o dólar logo em seguida, dado que a criptomoeda não atende ao terceiro requisito de uma moeda convencional (ser uma reserva de valor).
Não por outro motivo, a enorme ressalva feita pela comunidade financeira internacional para a lei que permitiu que impostos fossem pagos via carteiras de criptos. A volatilidade na arrecadação do governo anula toda e qualquer credibilidade que uma economia latina e dolarizada em tese deveria ter dado o histórico de calotes na região.
Com boa parte das transações sendo feitas por estrangeiros, é difícil dizer se esse experimento macroeconômico atenderá aos seus propósitos.
Real digital
Por mais emergente e latino que seja, o Brasil se sai melhor nesse sentido, incorporando uma moeda digital de sua própria emissão, apoiada em alguns conceitos fundamentais:
- Coibir corridas bancárias;
- Oferecer incentivos para que a população a adote.
Entre as regras estudadas, muitas já são conhecidas, como os limites para operações financeiras, o que evitaria qualquer rejeição inicial.
Um outro recurso foi adaptado das próprias bolsas de valores. Um “circuit breaker”, que interrompe as negociações, será utilizado quando alguma instituição fica sujeita a um grande volume de saques, por exemplo.
Simplicidade das moedas digitais
No modelo brasileiro, tal como ocorre com o papel moeda, o banco central não tem a intenção de pagar qualquer remuneração, deixando aos bancos a tarefa de captar recursos junto à população.
Entretanto, diferentemente dos países europeus, o Brasil não pretende usar a moeda digital para fazer política monetária. Na zona do euro, trata-se de um recurso que visa evitar os transtornos enfrentados pelos bancos quando os juros ficaram abaixo de zero pela primeira vez.
Para aqueles que não se lembram do episódio, os correntistas passaram a sacar suas economias e a guardar o dinheiro em casa. Não por outro motivo, o Banco Central Europeu (BCE) deixou de imprimir as notas de 500 euros.
Inovação
O real digital seria o próximo passo de um sistema de pagamentos que funciona muito bem e é amplamente usado (o Pix).
A verdade é que o Brasil sempre investiu muito em tecnologia bancária, uma “vantagem competitiva” decorrente dos anos de hiperinflação que exigiam que o dinheiro se movimentasse rapidamente entre os agentes.
Com essa mentalidade aberta para a inovação, há o natural interesse em se adotar soluções desenvolvidas em blockchain, como os contratos inteligentes, por exemplo.
Parceria
A grosso modo, cada um teria uma conta junto ao BC, que seria custodiada em uma instituição financeira. Caberia então a ela oferecer produtos e serviços na forma de tokens (uma representação digital de um ativo).
Isso elimina uma série de ineficiências do sistema, permitindo que dinheiro e ativos troquem de mãos de forma segura, independentemente de ser um ativo financeiro (títulos e ações) ou imobiliário, que exige registro em cartório.
Como muitas funções já estão disponíveis no mercado, caberia à autoridade monetária permitir uma maior concorrência, além de dar o respaldo legal para questões que a tecnologia ainda não consegue resolver, como é o caso das criptomoedas de emissão privada.
Conclusão sobre moedas digitais
Transações eficientes, seguras e de baixo custo fazem a economia girar. Os banqueiros centrais entendem essa dinâmica, motivo pelo qual estão desenvolvendo as moedas digitais soberanas.
No radar das autoridades monetárias mundo afora, os requisitos para se interligar sistemas existentes e futuros, o impacto no desenvolvimento econômico, a segurança jurídica e o adequado tratamento de dados se somam às questões de estabilidade financeira, as mudanças climáticas, as transações entre fronteiras e a inclusão.
No caso do Brasil, que sempre recebeu a inovação financeira de braços abertos, a estrutura em estudo contempla os vários agentes que fazem parte dele, visto que atendem às normas bancárias nacionais, além das exigências internacionais no que diz respeito ao combate à lavagem de dinheiro e outras atividades ilícitas.
A especulação em torno das criptomoedas, e todo o dinheiro que de alguma passou por esse ecossistema, serviu para que se buscasse algo melhor, mas que ainda não está na carteira de ninguém.