Ataques cibernéticos e limbo jurídico: o lado oculto do bitcoin
O mercado de criptomoedas cresceu exponencialmente nos últimos dois anos
O mercado de criptomoedas negociou algo em torno de R$ 200 bilhões no Brasil no ano passado. O montante é bastante representativo - ilustra bem o apelo do bitcoin junto aos pequenos investidores. Porém, vincular seu crescimento exponencial à baixa taxa de juros é contar apenas uma parte da história.
Desde os anos 1980, quando as economias passaram a ter grandes saltos de produtividade em função do uso intensivo de computadores, muitos hackers têm testado sua capacidade de quebrar códigos de segurança em troca de alguns créditos em uma conta do PayPal.
Ameaça cibernética
Após algumas décadas, os ataques cibernéticos ocorrem em escala global e não se limitam a um setor específico. Em uma recente pesquisa, constatou-se que empresas de capital aberto de 85 nacionalidades diferentes citaram o termo “ameaça cibernética” em uma proporção três vezes maior nos últimos oito anos.
Levando isso em conta, não é difícil de imaginar os estragos que esses ataques podem causar em ativos de infraestrutura, como usinas de energia, portos ou aeroportos. A operadora norte-americana de oleodutos Colonial Pipeline, responsável por fornecer metade do combustível consumido na costa leste dos EUA, representa só mais um nome na lista.
A verdade é que as empresas ainda estão tentando endereçar, de forma correta, esse tipo de risco. Mapeá-lo e informá-lo ao mercado seriam atitudes que poderiam ajudar nesse sentido, mas dificilmente alguma companhia tomará a dianteira, dado o receio de uma reprecificação em seu valor de mercado.
Ransomware
A especulação em torno das moedas digitais só fez crescer o interesse de quem busca lucrar com a captura ilegal de dados, aumentando não só o valor dos resgates como também a importância dos alvos selecionados. Apenas em 2020, nada menos do que US$ 350 milhões foram pagos dessa forma.
É fato que as criptomoedas, apesar de não conterem todos os atributos de uma moeda, se tornaram o meio de pagamento favorito para esse tipo de atividade criminosa. Funcionando 24 horas por dia, sete dias da semana, trata-se de um mercado que está sempre aberto, independentemente do local de origem da ilegalidade.
Sem o controle exercido pelo sistema financeiro tradicional, pode-se transferir os valores anonimamente para qualquer lugar do mundo. Isso quer dizer que, dependendo da jurisdição (país) que os recebe, os recursos são convertidos em dólares, euros ou qualquer outra moeda mundialmente aceita.
Dito isso, coibir o pagamento desses resgates depende da escolha entre banir totalmente esse mercado ou regulamentá-lo. A primeira alternativa é a menos provável. Primeiro, por lesar investidores que, repentinamente, não poderão resgatar os saldos de suas contas. Segundo, porque faz com que essas atividades se mantenham por outros meios, como o dinheiro em espécie.
Exchanges
Principal ambiente de negociação de criptomoedas, as exchanges sofrem pouca regulamentação quando comparadas com os bancos, responsáveis pelas operações de seus correntistas.
Para qualquer um que já tenha tido a experiência de enviar recursos para outras localidades no mundo, é impossível não se deparar com o zelo das instituições financeiras na solicitação dos documentos, além dos devidos esclarecimentos.
Isso não ocorre nas exchanges, visto que o processo de cadastro de clientes é bastante simplório, para não dizer falho. Adicionalmente, nas transações que efetuam, apesar do blockchain identificar o “trânsito” da criptomoeda, ele não acusa o seu responsável, o que representa um ponto de atenção para os agentes regulados que conduzem negócios com elas.
Enquanto estiverem sujeitas apenas a um código de autorregulação, é pouco provável que isso mude. Nesse ínterim, avalia-se quem melhor poderia fiscalizá-las: Banco Central ou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Bancos
Um dos setores que mais investem em segurança, os bancos são alvos óbvios desse tipo de ataque. Afinal, tudo hoje é feito online, e mesmo quando se exige o trabalho de um bancário, o risco nem sempre é mitigado. A brecha sempre é aberta pelo lado de dentro, toda vez que um programa aparentemente inofensivo é instalado.
Isso permite o acesso aos dados de funcionários e de suas respectivas senhas. Em um dos assaltos mais espetaculares da história, hackers conseguiram transferir via SWIFT nada menos que US$ 81 milhões que o Banco Central de Bangladesh tinha junto ao Fed de Nova Iorque.
Em um outro roubo na Índia, programadores alteraram os códigos dos caixas eletrônicos, permitindo que 15.000 saques fossem efetuados em apenas duas horas, totalizando algo em torno de US$ 13,5 milhões.
Nem sempre a invasão a sistemas envolve valores monetários. Muitas vezes ela é direcionada para a coleta de dados sobre transações de ativos, favorecendo o insider trading.
Dito isso, os bancos se sentem impelidos a sempre esperar o pior. Com mais digitalização, dispositivos conectados à internet e funcionários trabalhando de casa, a vulnerabilidade nunca esteve tão em evidência.
O fato de muitos desses grupos de hackers serem apoiados por países que sofrem restrições para acessar o sistema financeiro internacional lhes garantem acesso aos melhores cérebros e recursos tecnológicos. Tudo para contornarem os empecilhos impostos pelas sanções.
Conclusão
A popularidade das criptomoedas trouxe um enorme poder às atividades paralelas que funcionam na internet. Se antes os hackers recebiam alguns trocados para testar a segurança dos sistemas empresariais, hoje eles se beneficiam da valorização astronômica do bitcoin, solicitando resgates milionários para normalizarem as operações de setores vitais da economia.
Despreparadas, as empresas aprendem com os ataques cibernéticos e com o mercado, que pune-as desvalorizando as suas próprias ações. Apesar das apólices de seguros as protegerem, percebe-se que a segurança cibernética ainda não é um assunto que ocupa o topo da agenda (e da remuneração) dos principais executivos.
Apesar do limbo jurídico, a negociação de criptomoedas é conduzida ininterruptamente, se assemelhando ao mercado internacional de moedas, mas sem as amarras regulatórias. Isso é possível porque as exchanges sofrem pouca regulamentação, diferentemente dos bancos.
Para esses, a sensação é de alerta constante. Atacados de todas as formas, perdem recursos, reputação e oportunidades no mercado de capitais ao mesmo tempo em que se defendem da ofensiva das fintechs, mais ágeis e também com menos regras a seguir.
O status do bitcoin dependerá da solução para o seguinte dilema: reprimi-lo como estratégia de combate à atividade criminosa, cortando a sua principal forma de financiamento, ou legalizá-lo e ver a especulação correr solta, gerando danos a um número crescente de pequenos investidores.
*Este artigo não representa necessariamente a opinião do portal Mais Retorno.