Política monetária e a taxa neutra de juros
Decisões de política monetária (juros) são meras formalidades nas economias que seguem o regime de metas de inflação?
Na semana passada o Federal Reserve (Fed) mostrou que não. Afinal, parece determinado na sua luta contra a inflação, por todos os efeitos negativos decorrentes de qualquer hesitação ou complacência nesse sentido. Além de indicar a possibilidade de mais um aumento na taxa de juros em 2023, deixou claro o cenário restritivo à frente.
O resultado? Uma venda em massa de ativos no mundo, como qualquer um pode ter percebido na sua carteira de investimentos.
Por que isso ocorre? Porque tudo que é negociado nos mercados precisa refletir certas peculiaridades.
O tamanho da dívida
O endividamento dos EUA continua subindo. Todos os meses, uma enorme quantidade de títulos é colocada à venda, efetivamente rolando-se a dívida a taxas mais altas, em um ambiente com menos compradores da Ásia e do Oriente Médio.
Se antes o primeiro grupo adquiria Treasuries para evitar ataques especulativos e o segundo para investir as receitas dos altos preços do petróleo, hoje ambos possuem outras preocupações.
O fato de o Fed ter deixado de recomprar títulos conforme vencem também é um elemento que pressiona as taxas, elevando o juro real, ou seja, aquele acima da inflação.
Juros de mercado
Para quem não se lembra, no início de 2022, passou a valer o chamado “quantitative tightening”, o movimento inverso ao afrouxamento quantitativo, mecanismo pelo qual a autoridade monetária reduzia os juros de longo prazo comprando títulos de vários vencimentos.
Consequentemente, o governo deixou de se financiar a custos menores, usando reservas junto ao banco central norte-americano, para voltar aos leilões de títulos, a taxas mais altas de mercado.
Considerando que o Tio Sam deve hoje o equivalente a 95% de tudo que os EUA geram (PIB), o mais provável é que os investidores exijam mais em termos de retorno. A título de exemplo, até o início da pandemia, o percentual estava mais próximo de 80%.
A desconhecida taxa neutra
Outro argumento para juros mais altos, por um período de tempo maior (“higher for longer”), é a elevação da chamada “taxa neutra”, que em tese não estimula nem desestimula a economia.
O juro neutro não se altera conforme a inflação muda de patamar, sendo mais afetado por fatores estruturais do que conjunturais, como níveis de endividamento público, citados anteriormente, e questões demográficas, cujos efeitos são percebidos no longo prazo.
Variável não observável
O grande desafio é entender a sua dinâmica na atividade econômica, haja vista não ser uma variável observável ou até mesmo facilmente mensurável.
Até a crise de 2008, acreditava-se que a taxa neutra estaria entre 4,00% e 4,50% e, uma vez descontada a inflação de 2,00%, seu valor estaria entre 2,00% e 2,50%.
A década seguinte, por sua vez, foi de baixa inflação e de baixos juros, elementos que fizeram a taxa neutra cair para 2,50% (0,50% no caso da taxa neutra real).
Para algumas autoridades do Fed, sua tendência estaria agora se revertendo, voltando para um percentual maior.
Reflexos no Brasil
Por mais que o banco central brasileiro tenha sinalizado duas reduções de 0,50% até o final do ano, os juros altos nos EUA limitam o quanto o juro pode cair por aqui, independentemente do dinamismo (ou da sua ausência) na economia.
A verdade é que o Brasil tem se amparado em pouquíssimas fontes de crescimento, algo longe do ideal. A cada revisão positiva do PIB, observa-se claramente a grande dependência de setores específicos, como o agronegócio e as atividades ligadas ao mercado de commodities energéticas (petróleo e gás), representando expressivos 60% do resultado alcançado.
Tudo indica que a sorte terá que comparecer para elevar as receitas com as quais o governo conta para mais gastos públicos.
Conclusão
Juros baixos beneficiam todas as classes de ativos mas, enquanto isso não acontece, é bom ser prudente. Nos EUA, muitos ainda mantém suas posições em caixa, por um motivo muito simples.
Se a taxa de juros subir, os títulos de renda fixa perdem valor, conforme seus yields são ajustados para cima (o preço do título possui uma relação inversa com a taxa). Nem mesmo a proteção para a alta de preços existe. No mercado financeiro norte-americano, apenas 8% da dívida pública é composta por títulos atrelados à inflação.
O mesmo efeito pode ser observado no mercado de ações. IPO’s de empresas de chips e de inteligência artificial à parte, um cenário mais adverso para a comercialização de bens e serviços é o que está no radar.
Aterrisagem forçada
No caso do Brasil, espera-se por uma desaceleração da atividade no segundo semestre, o que quer dizer que o cenário de “soft landing” (pouso suave) sequer é cogitado por aqui. Nesse contexto, uma remuneração de dois dígitos (Selic de 12,75%) ainda faz todo o sentido, principalmente quando se leva em conta o juro real aplicável às aplicações mais conservadoras.
Com tantos varejistas passando por dificuldades (Casas Bahia sendo o exemplo mais recente), olhar para setores essenciais (saúde e educação), agraciados há pouco tempo com isenções fiscais e que passaram a fazer parte do rol de debêntures incentivadas, pode ser uma boa estratégia para aqueles que desejam diversificar, mas passam ao largo do mercado de ações.
De um modo geral, as coisas podem piorar antes de melhorar pois, diferentemente de outras ocasiões do passado, não parece haver o menor interesse em se endereçar, com algum mecanismo coordenado, os desequilíbrios globais causados pelo juro mais alto em dólar.
Manipulações cambiais como na era Reagan estão definitivamente fora, conforme os países defendem outros objetivos.
Cortes na produção de petróleo continuarão alimentando a inflação (os preços voltaram a rondar os US$ 90/barril) enquanto a China reluta em abandonar o seu sistema de câmbio como forma de incrementar as suas exportações e estimular a sua economia, tão dependente do setor imobiliário.
A taxa neutra, seja ela qual for, só tende a aumentar.