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Economia

Finanças da Grécia e o teto da dívida dos EUA: os problemas na economia se repetem

Sem acordo para o teto da dívida americana, os EUA estariam na mesma situação da Grécia de 2009, o que seria lamentável

Data de publicação:30/05/2023 às 08:00 -
Atualizado um ano atrás
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Em outubro de 2009, um anúncio bombástico do recém-eleito primeiro-ministro grego, que apontou para um déficit duas vezes maior que o previsto no orçamento, ligou o modo “alerta” das autoridades europeias. 

Pelas regras vigentes dentro do bloco econômico e acompanhadas com lupa por Bruxelas, os déficits não poderiam superar 3% do PIB, sendo que a dívida pública deveria se limitar a não mais que 60% do PIB.

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Em 2009, Grécia estava endividada e sem condições de honrar seus compromissos - Foto: Reprodução

A Grécia, altamente endividada, não conseguia honrar pagamentos de qualquer natureza e muito menos levantar recursos no mercado financeiro, o que exigia que fosse socorrida pela União Europeia (UE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ameaça ao euro

Na época, muitos argumentavam que o país não estava preparado para usar o euro ainda em 2001, apenas dois anos depois de sua implementação. 

Os benefícios da moeda comum, como o acesso a crédito mais barato, levaram a Grécia a gastar além do que podia (até que a crise de 2008 acabasse com a festa), sem ao menos seguir o exemplo de países como a Irlanda, que usaram as verbas “carimbadas” pela Comissão Europeia para melhorar o seu ambiente de negócios.

Austeridade

Governos que dão calote normalmente estão expostos a dois cenários, a depender do tempo gasto para se chegar a uma solução: uma falta momentânea de liquidez, que pode se transformar em uma crise econômica.

Para receber os recursos, a Grécia precisava atender a uma série de medidas de austeridade, nem sempre bem recebidas pela população. Em 2010, foi concedido o primeiro pacote de ajuda financeira.

Com a queda brutal na atividade econômica (uma das mais fortes desde a segunda guerra mundial), o poder foi transferido para um partido de esquerda (Syriza) que prometia renegociar os termos junto aos credores. 

“É a economia, estúpido”

Citando a famosa frase de campanha de Bill Clinton de 1992, observa-se que condições macroeconômicas bastante adversas efetivamente definem o jogo eleitoral. Com índices de desemprego superiores a 27%, tinha chegado a hora de enfrentar a mesma turma em Bruxelas.

Entre as medidas em discussão, cortes no sistema de aposentadoria, a simplificação e a elevação do imposto (VAT), além de alterações em acordos coletivos e na definição do salário mínimo.

Na época, a relação dívida/PIB era de 180%, sendo que o governo atrasava os pagamentos a seus fornecedores para evitar um problema maior, como corridas bancárias e a falta de acesso às linhas de crédito do Banco Central Europeu (BCE).

Havia o temor do “Grexit” no ar, ou seja, o abandono do euro e a reimpressão de moeda local para o pagamento de aposentadorias e salários do setor público.

Reformas não entregues

Uma década se passou e, mesmo com 3 programas de ajuda financeira, a Grécia falhou na implementação de reformas. Os bancos ainda tinham empréstimos problemáticos, sem qualquer perspectiva de uma regulamentação específica para lidar com eles. 

Poucas empresas pagavam seus impostos, o que fazia com que as alíquotas fossem altas, prejudicando os investimentos e gerando a fuga de talentos, haja vista os altos índices de desemprego.

Apesar do seu contexto próprio, o país compartilhava das mesmas dificuldades da França, que enfrenta protestos contra a reforma de seu sistema previdenciário, atualmente com uma idade mínima inferior ao resto da Europa.

Receita de Harvard

Mas, felizmente para os gregos, as finanças do país já estavam em ordem quando a pandemia chegou. Hoje, a Grécia paga um spread bastante baixo (1,4%) sobre os títulos da Alemanha, valor que já foi de 18,7% no auge de sua crise.

Parte do mérito é de Kyriakos Mitsotakis, o mais recente primeiro ministro a governar o país e em vias de ganhar um segundo mandato. 

Com um perfil semelhante ao do presidente francês Macron (formado em Harvard, Mitsotakis foi banqueiro e consultor), ele liderou a digitalização no país, reduziu os impostos para as empresas e aumentou o valor mínimo para salários e aposentadorias, sem aumentar a dívida pública.

No ano passado, a Grécia cresceu o dobro da média da UE com uma inflação bem comportada (3%), lembrando que o país sofreu o mesmo choque de oferta de energia do resto do continente, o que atraiu investimentos de empresas como Microsoft, Amazon e Pfizer.

Conclusão

Como os exemplos da França e da Grécia mostram, a UE defende algumas ideias comuns, entre as quais as finanças públicas bem endereçadas. Afinal, os países do norte da Europa abominam a ideia de que poupam para “salvar” os países do sul.

O sistema financeiro internacional segue o mesmo raciocínio. Do contrário, aumenta os seus custos de financiamento por não se sentir confortável com o nível de risco quando há um maior grau de incerteza.   

Portanto, isso valeria também para os EUA, que frequentemente passa por intermináveis negociações quando atinge o teto de sua dívida. 

Prioridade aos investidores

Mesmo com uma relação dívida/PIB em torno de 120%, o mercado de títulos públicos norte-americanos é da ordem de US$ 25 trilhões, servindo de garantia para uma infinidade de operações financeiras e definindo efetivamente o custo do dinheiro no mundo. 

Não por outro motivo, o pagamento prioritário de juros aos bondholders caso a classe política não aprove um acordo no Congresso. 

Por mais que isso possa representar um bom “plano B”, a verdade é que ele só funcionará se a comunidade financeira comparecer aos leilões para adquirir novos títulos, evitando assim que o governo fique sem recursos para pagar também o principal.

Como pode-se ver, em nenhum momento se fala no pagamento de servidores e aposentados. Com a crise se instalando, em poucos meses, o índice de desemprego aumentaria em 5%, sendo que sequer haveria a possibilidade de se estimular a economia, como feito em ocasiões anteriores. 

Os EUA, significativamente mais importantes para o sistema financeiro internacional, estariam na mesma situação da Grécia de 2009, o que seria lamentável, considerando tudo o que foi feito desde então.

Pior do que questionar a ordem econômica mundial, ou até mesmo a hegemonia do dólar, é não ter ordem alguma. No final das contas,  “é a economia, estúpido”.

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Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.