A riqueza do petróleo: saiba para onde vai o dinheiro
Boa parte dos recursos vai em busca de oportunidades pelo mundo por meio de fundos soberanos e investimentos diretos
Conflitos envolvendo regiões produtoras de petróleo inevitavelmente elevam as receitas dos países que exportam commodities energéticas. Foi assim na Guerra do Yom Kippur (1973) e também na Revolução Iraniana (1979).
Naquela época, predominava a seguinte lógica: os EUA adquiriam petróleo de um grupo de países árabes, liderado pela Arábia Saudita, desde que o dinheiro permanecesse depositado em bancos norte-americanos.
Essa era a forma que tinham encontrado para reduzir a crescente diferença entre o que importavam e o que exportavam (déficit comercial).
Com a invasão da Ucrânia, os mesmos países exportadores encheram os bolsos, mas o destino do dinheiro mudou. Primeiro, porque os EUA também são hoje exportadores e, segundo, porque o Oriente Médio encontrou novos compradores.
A gestão da riqueza soberana
Como os recursos são geridos de forma centralizada (de acordo com as instruções das famílias reais), eles acabam sendo direcionados para objetivos bastante específicos.
São eles: quitar parte da dívida externa e comprar influência (uma responsabilidade do Estado), administrar as reservas (sob a alçada do banco central) e adquirir ativos no exterior (a cargo dos fundos soberanos).
O peso da dívida externa
Entre os anos de 2014 e 2016, os EUA investiram muito na exploração do xisto, o que fez com que os preços do petróleo caíssem de US$ 120 o barril para algo em torno de US$ 30.
O mesmo aconteceu mais recentemente, quando os preços alcançaram US$ 18, logo no início da pandemia. Com a queda nas receitas de exportação, os chamados petroestados foram forçados a vender ativos no exterior e reservas, além de recorrerem a dívidas.
Com os preços do barril em patamares mais altos e os juros também, partiram para o caminho inverso. Abu Dhabi diminuiu sua dívida em 7% enquanto o Catar eliminou 4%.
A compra de influência
O Egito, país importador de trigo como tantos outros no mundo árabe, se viu em dificuldades quando os preços subiram no ano passado. Em vez de pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI), o banco central egípcio recebeu US$ 13 bilhões dos países do Golfo.
Exemplos semelhantes são observados nos países importadores de petróleo. O Paquistão obteve um “waiver” (perdão) da Arábia Saudita para suas compras energéticas. Em troca da ajuda, a implementação de reformas e a preferência na aquisição de empresas estatais colocadas à venda.
Mas, o caso mais emblemático talvez seja o da Turquia, destruída não só pelos terremotos.
O apoio dos vizinhos ocorre em várias frentes. Enquanto a Arábia Saudita entregou US$ 5 bilhões ao banco central turco, Catar e os Emirados Árabes Unidos reservaram US$ 19 bilhões para operações de swaps cambiais com o país.
Adicionalmente, todos se comprometeram a comprar títulos públicos emitidos pela Turquia, que antes recorria ao FMI ou aos bancos europeus, ainda que não tenha se tornado membro da União Europeia.
As reservas e os investimentos
Até pouco tempo atrás, os bancos centrais desses grandes países exportadores de petróleo, cujas moedas são atreladas ao dólar, alocavam os recursos para as reservas em moeda forte.
Parte era mantida como disponibilidade nos principais bancos do mundo ocidental e parte em bonds de primeiríssima linha. A proporção era definida pelo tamanho da dívida externa. O que ultrapassava esse limite seguia para ativos mais arriscados, provendo uma remuneração maior.
Especula-se que esse excedente, concentrado em poucos países, tenha plantado as sementes da crise da dívida externa da década de 80, conforme os petrodólares eram reciclados na América Latina e da bolha do subprime, que desencadeou a crise de 2008.
Investimento direto
Com o congelamento das reservas russas, também uma consequência da guerra na Ucrânia, esse racional deixou de fazer sentido, favorecendo os fundos soberanos, que nada mais são que veículos de investimento criados por governos para diversificar suas respectivas economias, tão dependentes da extração do petróleo e do gás.
A forma como trabalham não é muito transparente, mas algumas constatações são óbvias. Uma delas é que dificilmente comprarão títulos de dívida enquanto os juros estiverem subindo no mundo. A outra é que, diferentemente dos fundos comuns, não possuem outros cotistas, o que os permite escolher sem pressa.
Em seus portfólios, algo entre aproximadamente um quarto e um terço dos aportes seguem para os setores de private equity, imobiliário, de infraestrutura, além dos hedge funds. Se antes as alocações eram feitas via fundos específicos, agora também investem diretamente, inclusive oferecendo crédito para operações alavancadas.
Novas oportunidades
A mudança também ocorre por conta do perfil das equipes: os fundos soberanos agora contratam dentro das próprias gestoras de recursos, para funções que ainda estão em desenvolvimento (como o uso da inteligência artificial).
Ao olharem as oportunidades no mapa, consideram também a China, a Índia e o Sudeste Asiático porque é para esses mercados que estão direcionando um percentual maior de suas exportações de petróleo e gás.
A verdade é que querem mais, se aproveitando do espaço deixado pelas empresas que estão voltando pra casa, em função do “reshoring” e da política industrial.
Apostas bilionárias
Em 2016, a Arábia Saudita investiu US$ 45 bilhões no famoso Vision Fund, de tecnologia, chamando a atenção para o tamanho do bolso e das ambições daquele lado do mundo.
Qualquer que seja o tema do momento (energia renovável, produção de veículos elétricos, games, novos destinos para o turismo de luxo), vai-se atrás de capital e de conhecimento, estejam eles onde estiverem.
Mas, nem todas as apostas vingam, como a venda do Credit Suisse (na qual um banco saudita tinha uma participação relevante) para o UBS mostrou, motivo pelo qual alguns fundos soberanos estão sendo orientados a investir também localmente.
Conclusão
Com o aumento de 50% nos preços do petróleo no início de 2022, os petroestados estão novamente colocando o dinheiro para trabalhar.
O fundo soberano de Abu Dhabi (ADIA, na sigla em inglês), por exemplo, ilustra como é essa nova dinâmica.
Ele recebe cada vez menos da riqueza do petróleo para comprar participações em empresas estrangeiras, tendo sido substituído por um fundo criado há 4 anos atrás e que investe diretamente nos setores considerados estratégicos pelo emirado.
Nessa realocação de recursos que ultrapassam gerações, nenhuma menção ao universo cripto, talvez em função da falta de uma sinalização por parte das famílias reais, sempre atentas aos riscos e oportunidades.