Virada de chave na rota dos juros: a resposta orquestrada dos bancos centrais
Economias se comportam sob novas regras e efeitos podem não ser percebidos de imediato
No dia 7 de junho, o banco central da Austrália elevou as suas taxas básicas de juros em 0,50%. Poucos dias depois, o Banco Central Europeu (BCE) comunicou a sua expectativa para a zona do euro: aumentos sucessivos de juros, sendo o primeiro de 0,25% em julho.
O Federal Reserve (Fed) intensificou o aperto para 0,75% na sua reunião de 15 de junho, seguido pelo Banco Central do Brasil (BC), que elevou a taxa em mais 0,50%. No dia seguinte, outras autoridades monetárias fizeram o mesmo, culminando com o aumento de 0,50% feito pelo banco central da Suíça, algo que não acontecia desde 2007.
Voltando no tempo, poucos arriscavam esse movimento orquestrado entre os banqueiros centrais. Tudo indicava que o Fed estava em vias de anunciar um aumento menor, enquanto o BCE tinha acabado de comunicar o fim do seu programa de compra de ativos.
Mudança de rota dos juros
O que se percebe é que houve uma mudança de rota e, com um cenário de juros muito mais altos, os preços dos ativos se ajustaram (inclusive para as criptomoedas).
Alguns fatores tornaram essa reprecificação mais extrema, como instituições financeiras que não podem mais negociar as suas próprias carteiras (“regra de Volcker”), um legado da crise de 2008, e o Fed em plena redução do seu balanço.
Com menos agentes atuando na ponta compradora, a porta ficou estreita para os inúmeros investidores que desejavam sair de suas posições, aumentando a sensação de pânico nos mercados.
Elementos incontroláveis
Para qualquer um que tenha acompanhado a coletiva de imprensa logo após a última decisão do Fed, duas coisas ficaram claras:
- A impossível tarefa de acomodar a oferta à demanda, dada a política de “tolerância zero” da China em relação à covid-19 e seus respectivos lockdowns;
- O quanto os impactos da guerra na Ucrânia afetaram as expectativas inflacionárias.
No caso da Europa especificamente, deve-se adicionar um terceiro elemento fora do seu controle: os orçamentos dos países membros e seus níveis de endividamento.
Não por outro motivo, a convocação de uma reunião de emergência, conforme as taxas dos títulos soberanos da zona do euro passaram a apresentar discrepâncias. O fim do programa de compra de ativos significava a volta de velhos fantasmas.
O que fazer com países muito endividados diante desse cenário conturbado?
Projeto inacabado
O projeto europeu de integração (União Europeia) ainda é um trabalho em andamento. Um banco central (BCE) é responsável pela política monetária da zona do euro, mas cada país membro define a sua política fiscal e, consequentemente, o seu custo para se financiar.
Na hierarquia dos papéis soberanos negociados no mercado secundário, os juros nada mais são que um incremento sobre o retorno pago pelo título da Alemanha, o papel mais líquido e seguro da região e que funciona como uma referência.
Em um contexto de aumento de juros, quanto maior o aperto monetário, maior o spread que determinados títulos passam a apresentar, indicando 2 riscos: o risco de um país dar um calote ou pior, abandonar a moeda (o euro).
Por mais benéfica que uma união monetária possa ser, essa possibilidade existe pelos próprios efeitos que esse diferencial de juros causa, encarecendo o crédito para empresas e famílias, o que pode aumentar o anseio popular para que adotem as suas próprias moedas.
Expectativas inflacionárias
Dados os últimos acontecimentos, os banqueiros centrais parecem estar mais alinhados com os debates que surgiram no ano passado, quando os trabalhos de Jeremy Rudd, pesquisador do Fed, se tornaram mais conhecidos.
Diferentemente dos conceitos básicos de economia que afirmam que são as expectativas que determinam a inflação, ele defende que são os preços efetivamente verificados que importam, disparando então o mecanismo de repasse generalizado.
Ainda que haja uma preocupação com a repetição do padrão observado nos anos 70, em que salários mais altos levavam a preços mais elevados (espiral salário-preço), é importante lembrar o quanto a globalização e a perda de representatividade sindical reduziram o poder de recomposição dos salários.
Menor eficiência
Um outro fator estrutural no debate sobre como os preços se manifestam na economia é a mudança das cadeias globais de valor. É fato que a pandemia e um conflito armado remanejaram a forma como capital e trabalho são utilizados.
A eficiência dos processos produtivos localizados em regiões com insumos e/ou mão de obra mais baratos está sendo substituída pela maior diversificação de fornecedores, juntamente com a formação de estoques de segurança.
O termo “just-in-time” (na hora que precisa) caiu em desuso, cedendo o lugar para o “just in case” (no caso de precisar).
Uma outra tendência dessa busca pela autossuficiência e consequente regionalização é a verticalização da produção, onde uma companhia controla todas as suas etapas, o que lhe dá maior poder para impor preços.
Diante disso, é pouco provável que qualquer política industrial mais avançada contemple outros objetivos, como a estabilidade de preços.
Conclusão
Ao longo do tempo, os bancos centrais refutaram a ideia de que deveriam considerar outros propósitos. Preferiram manter inalterado o seu mandato (o controle da inflação), mediante o uso de um único recurso (a definição da taxa de juros). Para tanto, agiam de forma gradual, mostrando clareza e previsibilidade.
As economias agora se comportam sob novas regras, cujos efeitos podem não ser percebidos de imediato, o que aumenta ainda mais o grau de incerteza. Se antes dizia-se que conduzir a economia era como atirar em um alvo móvel, hoje os banqueiros centrais estão atirando sem saber exatamente onde está o alvo.
De um lado, uma sequência de choques de oferta influenciando os preços em escala global. Do outro, um mercado de trabalho diferente no pós-pandemia, onde vagas são preenchidas via zoom, independentemente da localização geográfica.
Diante desse cenário, fica evidente a necessidade de uma mudança de postura. A agilidade ganhou importância, dado que disparidades entre taxas de juros levam inclusive a alterações nas paridades entre as moedas, mas isso já é assunto para outro artigo.