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Economia

Dubai: sua ascensão como centro financeiro mundial

Emirados Árabes têm moeda estável desde 1997, dívida pública baixa e sistema bancário consolidado

Data de publicação:01/11/2022 às 05:00 -
Atualizado 2 anos atrás
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Em 1982, a banda inglesa The Clash gravava um videoclipe para promover uma de suas músicas. 

Entre as frases de “Rock the Casbah”, a estória de um líder no Oriente Médio que reprimia o seu povo por gostar de música estrangeira. Nas imagens, uma amizade improvável para a época: um judeu e um árabe, identificados pelos seus respectivos trajes típicos, se divertindo juntos a caminho de um show.

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Dubai atrai equipes de Moscou com a postura neutra em relação à guerra na Ucrânia - Foto: PixaHive

Para quem não viveu esse período, a Revolução Iraniana tinha se iniciado 3 anos antes, em uma região do mundo que se transformou em um barril de pólvora desde que o Estado de Israel foi criado em 1948.  Um tema geopolítico que não receberia tanta atenção de uma banda de punk rock não fosse pelos choques do petróleo da década de 70, que jogaram a economia mundial no precipício.

O videoclipe de pouco menos de 4 minutos fez um enorme sucesso apesar de sua produção bastante modesta.  Passados 40 anos, as repressões continuam no Irã, mas todo o resto mudou.

O fluxo do dinheiro

Com a guerra na Ucrânia, é fato que a Europa tem se abastecido com outros fornecedores: os EUA e os países do Golfo (Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos). Ambos já foram aliados, mas com a menor presença militar dos EUA no Oriente Médio e a revolução da extração do xisto, os ventos do deserto sopraram em outras direções. 

Os norte-americanos hoje exportam commodities energéticas, mas apenas os árabes são competitivos para qualquer nível de preço.  Mesmo sendo petroestados, estão atentos às metas climáticas e à importância do gás natural em um planeta energizado por fontes intermitentes como a solar e a eólica.

Nesse sentido, destaca-se o Catar, que sediará a próxima Copa do Mundo. O país está em vias de iniciar a exploração do gás no Campo Norte, localizado dentro do maior campo de gás natural já mapeado, o que fará com que se torne um dos maiores exportadores de gás natural liquefeito (GNL).

Mercadores por natureza

Com ou sem sanções, as autoridades dos países do Golfo possuem uma visão pragmática dos negócios, o que quer dizer que fecham acordos de fornecimento conforme são procurados pelos diversos países em busca de segurança energética. 

Por meio de tradings de commodities locais bastante atuantes, russos, suíços e indianos arbitram preços e tipos distintos de derivados do petróleo, encontrando suas contrapartes sem muitas dificuldades. 

Afinal, trata-se de um mercado que requer perspicácia e oportunismo. Em um dos portos dos Emirados Árabes (Fujairah), é possível encontrar petróleo russo, que é então enviado para o refino e vendido como qualquer outro. 

Nada ali é novidade. O Irã (sancionado pelos EUA) utilizou o mesmo expediente durante anos para vender o seu próprio petróleo.

Dubai como centro financeiro

Grandes grupos financeiros têm se movimentado. Equipes inteiras foram transferidas de Moscou para Dubai, dada a postura neutra dos Emirados Árabes no conflito entre Rússia e Ucrânia.

Com o contexto atual, a escolha é um tanto óbvia. Sua moeda (Dirham), atrelada ao dólar, é estável desde 1997. Uma dívida pública baixa (32% do PIB) e um sistema bancário bem estabelecido complementam o pacote de atrativos para o setor. Como cereja do bolo, a isenção de imposto sobre a renda para pessoas físicas.

Ambiente de primeiro mundo

Por terem se tornado independentes mais tarde (1971), os Emirados não possuem muitos dos vícios característicos dos países árabes.

No topo da agenda das políticas públicas, a eficiência, o apoio ao empreendedorismo e o investimento na educação. Não por outro motivo, atrai expatriados que não encontram o mesmo ambiente de negócios em seus respectivos países.

Isso não impediu que também recebesse o dinheiro sujo, a exemplo de Londres (“Londongrad).  Recentemente, Dubai foi inserida na “lista cinza” (e não na “lista negra”) de locais com ressalvas em relação às suas práticas contra a lavagem de dinheiro.

Os bancos de Dubai fazem a lição de casa, mas não se esquecem de rentabilizar a operação. No fundo, sabem que os EUA fazem vista grossa, dados os avanços obtidos nos últimos 2 anos.  

Acordos de Abraão

Com a riqueza que possuem, os Emirados estão redefinindo as relações com o seus vizinhos. Somados a 5 outros países do Golfo (Arábia Saudita, Catar, Bahrein, Kuwait e Omã) representam 60% do PIB da região e US$ 3 trilhões em reservas sob a gestão de seus fundos soberanos.

Nos chamados “Acordos de Abraão”, nações árabes têm se juntado a Israel com alguns objetivos comuns: acesso à tecnologia de defesa (já que os EUA abandonaram o papel de “xerife”) e a promoção do comércio. Entre 2019 e 2021, os dois lados deixaram de transacionar pouco mais de US$ 11 milhões para alcançar US$ 1,2 bilhão. 

A cifra será infinitamente maior se a Arábia Saudita assinar o seu próprio acordo, reduzindo a rota para conectar o Mar Mediterrâneo ao Golfo Pérsico. Defensor de longa data da causa palestina, sempre se recusou a reconhecer o Estado de Israel.

Conclusão

Enquanto Londres sofre com a constante troca de comando, Paris com o consenso cada vez mais frágil dentro da União Europeia (UE) e Hong Kong com as amarras impostas por um terceiro mandato de Xi Jinping na China, Dubai faz aquilo que faz melhor, sem se preocupar muito com o Tio Sam. Ou seja, ali não é só para se fazer turismo.

Algo em torno de 90% de sua população é composta por pessoas de outros lugares, mostrando o quanto a riqueza do petróleo favoreceu a atração de talentos. Com o boom do gás natural, muitos tentam repetir a mesma receita.

O Líbano, país que faz fronteira com Israel e conta com o Hezbollah no poder (apoiado pelo mesmo Irã dos protestos), não assinou a sua versão do Acordo de Abraão, mas encerrou uma disputa de mais de uma década sobre as reservas de gás em suas águas.

Como o caso do Oriente Médio evidencia, o apoio de países vizinhos para uma causa, seja ela a Palestina ou a democracia, não é ilimitado e, muitas vezes, termina por conta das escolhas que precisam fazer.  Voltando ao videoclipe do The Clash, citado no início, o recado aos europeus é bastante claro: a dupla entra no show com os ingressos de um norte-americano. Como chegaram até lá?  O judeu, irritado, pagou pela gasolina.

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.