Logo Mais Retorno

Siga nossas redes

  • Instagram Mais Retorno
  • Youtube Mais Retorno
  • Twitter Mais Retorno
  • Facebook Mais Retorno
  • Tiktok Mais Retorno
  • Linkedin Mais Retorno
turquia.jpg
Economia

A Turquia e o antiexemplo para o Brasil

A Turquia reduziu fortemente as taxas de juros priorizando o crescimento e não o controle da inflação

Data de publicação:14/02/2023 às 08:00 -
Atualizado 2 anos atrás
Compartilhe:

Tragédias à parte, há pouco mais de um ano a Turquia também ganhava as manchetes

Prestes a comemorar 100 anos de sua proclamação como república, o país emergente já foi comparado ao Brasil em outras ocasiões, por motivos que poderão ser identificados mais à frente. Hoje, ele representa o exemplo clássico do que não fazer.

fundos tt global equities

Diferentemente de seus pares, que sobem as suas taxas de juros para endereçar a questão da inflação, o banco central turco fez uma redução substancial, tendo o crescimento como objetivo. 

Se em 2021 o país cresceu 11%, manter esse ritmo hoje exige outras políticas, como o crédito barato e a moeda desvalorizada.   

O resultado de 5% obtido no ano passado, por exemplo, foi às custas de uma inflação 13 vezes superior à meta estipulada, perdendo apenas para nossa vizinha Argentina dentro do grupo do G20.

Retrocesso

A Turquia não contou com nenhum Plano Real, mas precisou de 30 anos para alcançar a tão sonhada inflação de um dígito. Para a geração que conheceu a estabilidade, enfrentar a realidade atual é como voltar ao tempo de seus pais.

Ali, os salários sequer acompanham e, tal como o Brasil em um passado não muito distante, oferece poucas opções de investimentos para manter o poder de compra. 

Primeiro, por conta do aumento dos custos na construção de imóveis. Segundo, porque a demanda por esse tipo de ativo elevou os preços em 241% em um período de apenas 12 meses. 

Autonomia do banco central

A Turquia é o “case” perfeito para quem ainda questiona se um banco central deveria ser independente

São notórias as vezes em que o presidente Recep Erdogan, no poder há 20 anos, demitiu banqueiros centrais bastante competentes por almejarem controlar a inflação “by the book”, ou seja, seguindo o manual básico de economia, via aumento de juros. 

Não pela falta de qualquer debate iluminado sobre o zero lower bound (limite da política monetária) ou sobre como se formam as expectativas de inflação, mas apenas pelo desejo de se perpetuar no poder. 

Afinal, foi no início dos anos 2000, época em que Erdogan ocupou o cargo de primeiro ministro, que o país mais cresceu, dando-lhe então a presidência. 

A diferença que conta

Fazer sua economia girar não é das tarefas mais fáceis. Apesar da mão de obra mais barata, em função da desvalorização cambial, é grande a sua dependência de insumos importados. 

Enquanto as exportações crescem 13%, as importações aumentam em 34% (dados de 2022). Como diminuir essa diferença, quando não há Investimento Estrangeiro Direto (IED) ou de portfólio?

Petrodólares

O crédito costumava vir de fora, via o mercado financeiro internacional, representando algo em torno de 80% do PIB. Agora que o Federal Reserve (Fed) efetuou o aumento de juros mais agressivo desde a década de 80, o jeito foi contornar a situação. 

O banco central turco fechou operações de swap cambial, equivalentes a US$ 28 bilhões, com os seus “parceiros” Catar, China e Emirados Árabes Unidos, os mesmos que usam os seus gasodutos e oleodutos para escoar as suas mercadorias para outros destinos.

Exaurindo as reservas

Essa camaradagem tem lá a sua lógica. Como grandes produtores de commodities, estes se beneficiam da fungibilidade do petróleo que, ao ser misturado e processado, inclusive com o extraído de países sancionados, segue a preços maiores ao longo da cadeia de distribuição. 

O mesmo ocorre com a Rússia, de quem obtém condições favoráveis para a compra de gás natural, retendo para si um certo alívio na gestão das reservas para dar sustentação à lira turca (a Turquia não utiliza o euro, apesar de ter feito o seu pedido de adesão à União Europeia). 

Ainda assim, isso não impediu que a moeda se desvalorizasse ainda mais (quase 30% no ano passado). 

Se entre 2019 e o início do ano passado o país queimou US$ 128 bilhões de suas reservas para defender a sua moeda, acredita-se que mais US$ 100 bilhões tenham sido consumidos apenas em 2022. 

Distorções

Com a incapacidade do governo em estancar a crise, outras medidas foram adotadas, prejudicando o bom andamento dos negócios. 

Empresas estão impedidas de tomar empréstimos em moeda estrangeira enquanto os bancos com poucos depósitos em lira são convidados a comprar títulos com juros a 10%, uma remuneração inferior à inflação. 

Populismo como solução

Para turbinar a economia em ano de eleição, Erdogan segue o script do político habilidoso. Felizmente para ele, o país possui uma relação dívida/PIB mais confortável que o Brasil, o que o permite gastar. 

Com o número girando em torno de 40%, aposentou antecipadamente mais de 2 milhões de trabalhadores, reservou subsídios para a energia limpa e prometeu construir 500 mil casas em 5 anos.

A generosidade vai além. Antes mesmo da eleição, aumentou o salário mínimo em 55% e beneficiou o funcionalismo com um aumento de 30%. 

Conclusão

O quadro atual da Turquia é muito diferente do padrão de crescimento observado há 20 anos. Resultado de um conjunto de reformas, o país apresentou um crescimento de 6,9% em média nos anos anteriores à crise de 2008 e de 7,4% na década seguinte. 

Foi naquela ocasião em que o investimento estrangeiro chegou a US$ 22 bilhões por ano, reduzindo os índices de pobreza de aproximadamente um terço da população para menos de 10%. 

Nada de auxílio ou renda básica universal, apenas bom senso, pragmatismo e um banco central que fazia o seu trabalho.

Meia volta na economia

Independentemente de quem ganhar a eleição, a economia se beneficiará muito mais se o plano de governo der meia volta.  Com a regionalização, o país pode fazer parte das cadeias globais de valor europeias.

Sua infraestrutura é superior à de muitos países da União Europeia (UE), sendo que avanços em acordos de comércio poupariam a região dos altos custos de adesão de mais um membro bastante diverso dentro do bloco econômico.

Em uma recente pesquisa, 82% dos jovens entre as idades de 17 e 30 anos disseram que deixariam o país caso tivessem as condições para tal.  Depois de duas décadas de “Erdoganomia”, restou apenas essa semelhança com o Brasil. 

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.