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IPCA-15 julho / Taxa básica de juros Selic reino unido crédito privado
Economia

Juros globais elevados até 2024: a aposta na queda dos ativos e o fim do almoço grátis

O crescimento previsto para os EUA em 2023 é de apenas 0,2%, projeção que leva a uma revisão no preço dos ativos; mas dólar deve permanecer forte

Data de publicação:07/02/2023 às 08:00 -
Atualizado 2 anos atrás
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Apesar de haver a expectativa de que a inflação mundial caia em 2023, os juros nos EUA devem atingir as máximas (entre 5,00% e 5,25%) na metade do ano, permanecendo nesse patamar até o segundo semestre de 2024.  

Já o Banco Central Europeu (BCE) deve elevar a taxa até 4%, mantendo-a também até a metade de 2024. Trata-se do dobro vigente entre os anos de 2005 e 2008, o que pode aumentar os spreads dos títulos (bonds) dos países membros da zona do euro, conforme os agentes se sentem relutantes em financiar os governos que estão subsidiando o aumento do custo de energia no continente.

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Juros americanos devem permanecer elevados até segundo semestre de 2024

 Seria essa introdução uma mera curiosidade sobre política monetária nas principais economias do mundo?  Não necessariamente, quando se leva em conta os impactos no PIB global, no preço dos ativos e nas taxas de câmbio.

Sem motivos para empolgação

A alta observada mais recentemente nos mercados é muito em função da crença de que os juros não irão além do que está sendo precificado. Entretanto, é preciso um certo cuidado com valores nominais, ou seja, aqueles que incorporam taxas de inflação maiores.  

No que diz respeito aos tomadores de crédito, o que realmente conta é o juro real, que pode subir mesmo quando a autoridade monetária mantém a taxa estacionada, haja vista que os preços tendem a ceder quando a atividade econômica desacelera.

Começando pelo endividamento público, o ideal é que ele se mantenha como percentual do PIB, algo difícil de acontecer quando há pouco crescimento. Do contrário, o resultado é apenas mais inflação. 

O governo como empresa

Para entender essa dinâmica, John Cochrane, da Universidade de Stanford, compara um governo a uma empresa de capital aberto. Ela depende de seus fluxos futuros, que são então descontados a uma taxa, para que se chegue ao seu valor.

Considerando gastos maiores para acomodar o envelhecimento da população e a transição energética, por exemplo, e a impopularidade de medidas como aumento de impostos, uma parcela cada vez maior da arrecadação (fluxos futuros) é gasta com o pagamento de juros (serviço da dívida), fazendo com que o governo tenha que se endividar cada vez mais.

Nessas circunstâncias, é preciso um mecanismo que preveja uma reversão dessa tendência, algo que não foi feito desde a chegada da pandemia. Isso por si só torna o cumprimento de qualquer meta de inflação mais difícil.

A volta do short-seller

Todo o “economês” exposto até aqui não teria muito sentido se não tivesse uma aplicação prática: o boom do mercado de ações.

Difícil não se lembrar das “meme stocks” e do fenômeno WallStreetBets de 2 anos atrás, que nada mais era que um fórum com mais de 8 milhões de seguidores que “apostava” em uma determinada ação.

No caso da GameStop especificamente, a empresa deixou de valer US$ 200 milhões para alcançar US$ 30 bilhões menos de um ano depois, mesmo tendo apresentado um prejuízo de US$ 296 milhões, resultado de seu modelo ultrapassado de negócios, baseado na venda de jogos em suas 5.000 lojas físicas.  

Conforme os pequenos investidores compravam e mantinham as suas ações em carteira, maiores eram as perdas dos “tubarões”, hedge funds que duvidavam que tal empresa pudesse sobreviver no mundo digitalizado do pós-pandemia. 

Independentemente de quem lucrou com o episódio, é fato que ele não teria sido possível sem as plataformas de “negociação gratuita”.

Fim da gratuidade

O ambiente de juros mais altos reverte essa lógica onde tudo é grátis. Primeiramente, porque as “queridinhas da vez” também estão expostas a condições mais adversas (lembrando da analogia entre empresa e governo, citada anteriormente), principalmente quando houve pouco zelo no uso do crédito, que permaneceu “barato” por pouco mais de uma década.

Em termos globais, isso pode se manifestar de várias formas, inclusive via um relatório bombástico publicado por uma empresa pouco conhecida do público em geral, como a Hindenburg Research, cujo trabalho inicial era identificar inconsistências nas listagens das Special Purpose Acquisition Companies (SPACs).

Adani Group

Mais recentemente, o alvo foi um conglomerado indiano. Sete empresas de capital aberto são responsáveis por 578 subsidiárias que, em apenas um ano, efetuaram mais de 6.000 transações com partes relacionadas. Além disso, métricas pra lá de infladas: as ações da Adani Enterprises negociavam a 500 vezes o seu lucro.

Na dúvida, muitos liquidaram as suas operações mas, dessa vez, o movimento não foi liderado por um grupo de investidores querendo “se vingar do sistema”.

Conclusão

O crescimento previsto para os EUA em 2023 é de apenas 0,2%, sendo que a tese do dólar forte permanecerá até o fim de 2024, dado o seu diferencial de juros frente às demais moedas negociadas no mercado internacional.

Ainda assim, juros adicionais podem ser necessários por conta dos desdobramentos da guerra na Ucrânia, da reabertura da China e das mudanças climáticas (com os seus respectivos impactos nos preços de energia). 

Como resultado, novas reprecificações (para baixo) de ativos (independentemente das apostas colocadas nos “fóruns de investimento”), crédito mais caro e menor consumo. 

Aos demais países, não restaria outra alternativa a não ser acompanhar o movimento, aumentando também os seus juros mas, diferentemente de outras ocasiões, não haverá nenhum socorro coordenado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Sem alívio

Hoje, boa parte também deve para a China, que investiu em infraestrutura e acesso a recursos naturais. Se antes um grupo de credores internacionais negociava em conjunto, a China sequer aceita admitir que errou na análise de crédito.

Por conta disso, impõe sozinha as suas próprias condições, exigindo o recebimento em commodities ou participações maiores dos projetos que financia, dificultando qualquer plano junto a órgãos internacionais.

Resumindo, diz-se que o dinheiro fácil (e não só o WallStreetBets) gera distorções. Os preços inevitavelmente se corrigem, nem que para isso um short-seller (vendedor a descoberto), odiado até pouco tempo atrás, tenha que liderar a turma.

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Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.