Quais os motivos para a desaceleração da economia mundial além dos juros altos?
Questões demográficas e redução de ganhos com a globalização estão entre os fatores
Juros mais altos no mundo já seriam suficientes para frear a economia global, dados os impactos do crédito mais restritivo. Entretanto, dois outros fatores, pouco comentados, mas igualmente importantes, podem definir a intensidade e a duração da queda.
O primeiro deles é o demográfico: uma quantidade cada vez maior de pessoas vivendo mais e tendo menos filhos inevitavelmente se reflete nas estatísticas econômicas. A título de exemplo, em um período de apenas 20 anos (1980-2000), o PIB per capita nas principais economias do mundo caiu de 2,25% em média para algo em torno de 1,10%.
Conforme a população envelhece, mudam-se as prioridades. Consequentemente, sai do orçamento público o investimento em infraestrutura, cujos frutos em termos de desenvolvimento só são percebidos anos depois, para acomodar a crescente conta de aposentadorias.
Modelo não replicável
Dificilmente replicaremos o padrão de crescimento do final do século passado, baseado em uma população jovem, que elevou os níveis de produtividade em um ambiente macroeconômico bastante receptível a reformas.
Também não contaremos com novos ganhos decorrentes da globalização, quando se leva em conta o segundo fator para a desaceleração econômica: a guinada protecionista dos EUA, cujas medidas em parte passaram a valer em 2023.
Com a elite política de Washington buscando não só defender os seus interesses, mas também reduzir a dependência de países que não necessariamente jogariam sob as suas regras, o resultado é um grande retrocesso para o comércio internacional.
Conforme seus participantes se ajustam à essa realidade, qual a melhor estratégia?
Custo do subsídio
Um orçamento de US$ 465 bilhões para incentivar os setores de chips e energia renovável mostra o quanto os EUA estão dispostos a gastar.
Os impactos de tantos subsídios podem ser superiores aos inicialmente previstos, pois se darão na forma de créditos tributários, que efetivamente dependem da quantidade produzida.
Entretanto, montar componentes eletrônicos na terra do Tio Sam é 55% mais custoso do que em Taiwan, lembrando que tudo o que se fabrica hoje exige um chip para funcionar. De acordo com dados da Boston Consulting Group (BCG), replicar o que existe de mais moderno nesse setor exigiria algo entre US$ 900 bilhões e US$ 1,2 trilhão.
Não que isso vá garantir qualquer salto de inovação. Os valores estimativos contemplam apenas produzir da mesma forma e garantir a autossuficiência.
Nesse caso, não é difícil de se imaginar a ruptura na eficiência operacional das cadeias globais de valor (e os respectivos aumentos nos custos), conforme regras de conteúdo local são implementadas.
Ineficiência
Mais do que encontrar um local alternativo à China, que insistiu na estratégia de covid zero, a questão é como os demais países responderão às normas impostas pelos norte-americanos com o pretexto de gerar empregos e contribuir para a descarbonização, mas que na verdade são classificadas como sendo de segurança nacional.
Atualmente, mais de 100 países, responsáveis por 90% do PIB global, estão disputando investimentos.
A Europa, já fragilizada pelo choque energético que a obrigou a trocar o barato gás russo pelo GNL, está perdendo oportunidades. Não por outro motivo, as lideranças da União Europeia agora pensam em como ajustar muitas das regras que garantem o bom funcionamento do mercado comum europeu.
Supremacia
Por trás dessa mudança no direcionamento dos recursos, dois objetivos bastante claros: aproximar as cadeias de valor e dificultar o acesso a tecnologias de ponta que podem incluir, entre outras, inteligência artificial e biotecnologia.
As medidas vão além das instalações fabris. No caso de baterias para carros elétricos, alguns países simplesmente decidiram por banir a exportação de minerais (como a Indonésia) ou estimular a exploração de novas reservas (como a Austrália e o Canadá).
Investimento estratégico
A UNCTAD, agência das Nações Unidas responsável por coletar dados sobre o investimento estrangeiro no mundo, calcula que mais da metade sofre algum tipo de restrição, muito em função do aumento de escopo do trabalho das agências governamentais, principalmente as norte-americanas.
Nessas situações, como se antecipar aos problemas?
Trata-se de uma pergunta importante se o calhamaço de leis for abrangente o suficiente para impactar negativamente as operações de companhias de capital aberto, que observarão nos preços de suas ações a discricionaridade das autoridades estrangeiras no que diz respeito aos seus investimentos.
Bloqueio às exportações
Além do menor investimento estrangeiro direto (IED), outras medidas incluem o bloqueio à exportação de bens e serviços a determinados países, mesmo que não estejam sofrendo sanções, como a Rússia.
Isso impossibilita que qualquer atualização (software, componentes ou assessoria especializada) seja fornecida, mesmo nas ocasiões em que inicialmente não havia qualquer impedimento.
Conclusão
Seja qual for a comparação que se faça com outros momentos de alta de juros, é imprescindível levar em conta a influência de outros elementos.
Atualmente, não é difícil de identificar famílias com o seguinte padrão: 4 avós, um casal e até dois filhos.
Trata-se de um arranjo que envolve trade-offs com implicações de ordem prática: na ausência do crescimento, necessariamente haverá um aumento de impostos para bancar a conta, tirando recursos que poderiam ser destinados para fins mais produtivos.
Já no que diz respeito ao comércio internacional, a teoria dos jogos sempre é citada para ilustrar a sua dinâmica: se um participante (EUA) quebra as regras, os demais farão o mesmo, pois tentarão minimizar os danos que podem sofrer, decorrentes de decisões não tomadas em consenso.
Jogo de soma zero
Consequentemente, os ganhos obtidos em termos de escala e preço se perderão, conforme o investimento estrangeiro direto reduz a sua participação de 5,3% do PIB global (dado de 2007, ano anterior à crise financeira) para 2,3% do PIB global (dado mais recente, de 2021).
Nesse jogo de soma zero, onde cada um oferece mais que o seu vizinho, é preciso que alguém perca para que o outro possa ganhar.
Política industrial e subsídios (60% do valor total vendido, no caso dos chips) podem trazer a falsa sensação de que localmente as coisas estão resolvidas, tanto para aquele que se preocupa com a sua aposentadoria como para aquele que conta com o seu emprego, mesmo quando pouco agregam para o crescimento futuro.