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Economia

O “voo de galinha” e a América Latina

Data de publicação:27/07/2023 às 12:26 -
Atualizado 9 meses atrás
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Há um ano atrás, falava-se das oportunidades advindas da transição energética para a América Latina.  Relembrando as estatísticas publicadas na época, Argentina, Chile e Bolívia concentram mais da metade das reservas de lítio, mineral crítico para a fabricação de baterias.

Pelo discurso, não se tratava de se perpetuar a predominância das exportações de commodities pela região, mas de se contemplar um modelo onde os países passariam pelo processo de industrialização, efetivamente se integrando às cadeias globais de valor, algo que aumentaria a produtividade e, por consequência, o crescimento econômico.

Isso endereçaria os chamados “voos de galinha”, períodos em que crescem apenas por conta da política fiscal pró-cíclica nos anos de valorização das commodities pois, diferentemente dos petroestados localizados no Oriente Médio, estes sempre aumentam os gastos ao invés de reduzirem o seu endividamento ou diversificarem as suas economias.  

A título de exemplo, entre 2014 e 2016, quando se encerrou o “superciclo de commodities” da China, o endividamento público no Brasil saltou de 57% do PIB (2013) para 84% do PIB (2017).

Deficiências crônicas

Regras que mudam a toda hora (insegurança jurídica), a distância dos grandes centros consumidores e a infraestrutura logística deficiente já seriam motivos suficientes para minar os investimentos em busca de destinos fora da China, sem contar o impacto dos subsídios dos EUA.

Mas os problemas não se limitam a isso.  Dentro da estrutura governamental, faltam recursos e informações e os investimentos chineses sempre visam interesses próprios.  Dito isso, seria o caso de se partir para um modelo de desenvolvimento diferente, seguindo na linha da Índia e da Indonésia?

A indústria como solução

Sempre existiu a crença generalizada de que as indústrias resolvem grandes questões macroeconômicas como a falta de empregos, os investimentos para novas tecnologias, a queda na arrecadação ou até mesmo os conflitos geopolíticos.

Os EUA e a Europa já se lançaram nessa direção.  Afinal, perceberam o encolhimento representativo do setor industrial, uma consequência da globalização, que exportou os empregos para os locais onde a mão de obra era mais barata.

Debates ideológicos à parte, é fato que argumentos para esse movimento pró-indústria não faltam.

Bons empregos

Primeiramente, para endereçar o descontentamento popular, ao prover empregos que exigem certa qualificação.  Considerando o alto custo do ensino superior, essa seria uma alternativa para a difícil equação entre emprego e estabilidade.

Todavia, nos setores mais promissores, as atividades já são altamente automatizadas, exigindo inclusive um tipo de preparo específico.  Além disso, mesmo no setor manufatureiro, o lado “serviços” hoje é maior.  

Basta pensar em como os produtos são concebidos (conectados à internet, por exemplo, o que exige software próprio criado por programadores).

Fonte de inovação

Economistas ainda debatem se o apoio governamental às políticas de industrialização do passado surtiu o efeito desejado.  Tecnologias, isoladamente falando, possuem um papel importante no aumento na produtividade, sem nos esquecer que medidas menos protecionistas também alavancam os negócios.

Mesmo com os incentivos corretos, como corte de impostos e subsídios, hoje já se sabe que tais medidas favorecem o PIB apenas em um momento inicial.

Um outro elemento pouco citado é que, conforme o setor de serviços se desenvolve, ele tende a beneficiar a economia como um todo e não apenas a indústria.  Exemplos não faltam: mercado financeiro, serviços jurídicos e tecnologia da informação ilustram bem esse efeito multiplicador.

Entretanto, isso nem sempre é assimilado pelos formuladores de políticas públicas por uma simples razão.  Mensurar os impactos da inovação em produtos é mais fácil do que em serviços.

Transição energética

Já no que diz respeito à transição energética, os valores envolvidos são realmente grandes.  

De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), os investimentos teriam que ser da ordem de US$ 4 trilhões por ano já em 2030, considerando não só as redes de distribuição, projetadas para a intermitência das energias renováveis, mas também a substituição de todo maquinário que hoje opera com combustíveis fósseis.

Infraestrutura imprescindível para atrair fabricantes de chips, baterias e veículos elétricos, seu custo total pode ir ao infinito quando se inclui os incentivos oferecidos pelos países para abriga-las.    

Haja vista que as cifras trilionárias sairão do bolso dos contribuintes, resta saber se estão dispostos a pagar a conta.

O peso da geopolítica

A autossuficiência ganhou destaque, dada a maior complexidade das relações geopolíticas.  Se antes a ênfase se limitava aos materiais bélicos, hoje a lista ficou muito maior.  

Basta lembrar os acontecimentos dos últimos 3 anos: falta de equipamentos de saúde durante a pandemia, o transtorno causado na indústria automobilística pela ausência de chips e a dependência europeia do gás russo. 

Como a China já não é mais a mesma, essa mudança de rota faz todo sentido.  

Entretanto, estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) sugerem que este processo pode causar uma nova leva de problemas, ao expor a indústria a condições exclusivamente locais, algo que é mitigado quando a produção ocorre em várias partes do mundo.

Considerando as estratégias de cada país no xadrez internacional, isso é algo a se observar.

Conclusão

Nesse ínterim, a América Latina continuará usando os mesmos expedientes de sempre.  A região representa o segundo lugar no mundo no que diz respeito às reservas de petróleo já mapeadas, perdendo apenas para o Oriente Médio.

Até 2028, 25% da oferta adicional de petróleo virá especialmente da Argentina, do Brasil e da Guiana.  Se em 2010 a produção brasileira se encontrava em 41 mil barris por dia, em 2022 ela já era de mais de 2 milhões, fazendo do país o oitavo maior produtor mundial. 

Mas não é só.  Brasil e Guiana também são extremamente competitivos, a um custo de US$ 35 o barril, além de usarem métodos de extração menos poluentes, o que faz com que a sua produção seja mais demandada ao longo do processo de substituição de combustíveis fósseis por fontes mais limpas.

Levando-se em conta que a era do petróleo está com os dias contados, são poucas as chances de qualquer plano para uma economia mais diversificada.

Percebe-se que essa pode ser a última cartada para formar reservas em moeda forte e endereçar problemas estruturais (a exemplo da Argentina) ou para pelo menos manter a relação dívida/PIB estável, o que permitiria fazer bom uso dos recursos e, ao mesmo tempo, controlar a inflação (a exemplo do Brasil). 

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.

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