Imposto de Renda

Veja os impactos da reforma tributária no planejamento patrimonial

Mudanças afetam tributação de dividendos e fundos exclusivos

Data de publicação:14/10/2021 às 05:00 - Atualizado 3 anos atrás
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Projeto de Lei (PL) 2.337/21. No âmbito da reforma tributária, esse tem sido o tema da vez entre os escritórios de gestão de fortunas familiares (family offices)

O motivo não poderia ser outro. Bastante abrangente se transformado em lei, ele coloca em risco dois dos principais instrumentos de planejamento patrimonial e sucessório (holdings familiares e fundos exclusivos).

Seria o caso de se antecipar à norma que vem com a reforma tributária, desfazendo-se de algumas estruturas que deixarão de fazer sentido?  Diante das várias alterações feitas no texto pela Câmara dos Deputados, a verdade é que ainda é cedo para se dizer.

Inicialmente concebido pela Receita Federal para abarcar a atualização das faixas de imposto de renda para a pessoa física, promessa de campanha do atual Presidente da República, ele se transformou em algo bastante complexo.

Os demais temas da reforma tributária, que afetam a sociedade de um modo geral (pessoas, empresas e investidores), foram inseridos muito em função de questionamentos do próprio órgão na interpretação das regras atuais, não dando brecha para qualquer debate mais amplo ou aprofundado.

Encaminhado para o Senado, eis os principais pontos que preocupam os High Net Worth e, principalmente, os Ultra High Net Worth.   

Tributação de dividendos na reforma tributária

Desonerar a atividade produtiva.  Essa foi a justificativa para a tributação dos dividendos.  Segundo esse raciocínio, para que uma empresa pague menos, os seus sócios deveriam pagar mais (desde que o seu faturamento anual seja superior a R$ 4,8 milhões). 

Inicialmente calculada em 20%, o texto que seguiu para o Senado definiu um percentual de 15%.

Holdings

A grande dúvida é em relação ao “estoque”, ou seja, o passado.  Havendo dividendos de períodos anteriores ainda a distribuir, seriam eles também tributados a partir da vigência da nova regra?

Nem toda estrutura empresarial tem por finalidade produzir. No caso das holdings, elas nada mais são que instrumentos de planejamento patrimonial e sucessório. Enquanto uma holding operacional é detentora de várias participações acionárias, uma holding imobiliária possui uma carteira de imóveis.

Seja um modelo ou outro, os objetivos são os mesmos: eficiência tributária e harmonia familiar. Com a proposta de tributação de dividendos e de estoques, ambas podem estar comprometidas, visto que as holdings funcionam atualmente com base no lucro presumido, onde tributa-se um percentual sobre parte do faturamento, isentando-se os dividendos.

Lucro real

O PL propõe que se adote o regime de lucro real, impactando especialmente as holdings imobiliárias, cuja renda é formada por imóveis próprios contidos em uma estrutura com pouquíssimos custos. 

Ao passarem para essa forma de tributação, terão os impostos (IRPJ e CSLL) calculados diretamente sobre o lucro e não apenas sobre um percentual dele.

A norma em tramitação vai além. Ao incluir no texto a distribuição disfarçada de lucros, também conhecida como DDL, tem como intenção coibir que uma holding seja usada para o pagamento de despesas não relacionadas à sua atividade. Isso impede que os sócios, por exemplo, paguem por meio dela despesas pessoais como moradia e seguro saúde.

Resta saber como a Receita Federal se organizará para fiscalizar as contas de tantas empresas.

Fundos de investimento

Boa parte dos fundos fechados como Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs), Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), Exchange Traded Funds (ETFs) e Fundos de Investimento em Ações (FIAs) garantiram a isenção do “come-cotas” anual, a ser cobrado no mês de novembro.

Isso pode ser especialmente atraente para as chamadas carteiras administradas, onde se seleciona diretamente o portfólio de ativos. De acordo com o que está previsto no PL, havendo na carteira empresas que tradicionalmente pagam bons dividendos, parte dessa renda ficará com o governo. 

Assim, dependendo do tamanho do patrimônio, vale a pena avaliar a conveniência de se utilizar da indústria de fundos para pagar os 15% apenas no resgate.

Fundos exclusivos

Diferentemente de outras ocasiões, os fundos exclusivos não conseguiram se esquivar do “come-cotas”. 

Instrumento ideal para grandes patrimônios financeiros, ele até então possuía uma série de vantagens. Além de ser bastante flexível e incluir uma infinidade de ativos, tanto locais como internacionais, ele permitia a compensação de ganhos e perdas dentro do próprio fundo.

Isso fazia com que acumulasse dividendos e ganhos de capital por longos períodos de tempo. Com a tributação anual, retira-se boa parte de sua rentabilidade.  Considerando ainda os custos de se mantê-lo, ele deixa de atingir boa parte do seu propósito quando excluído o seu aspecto sucessório. 

Já seria o bastante não fosse também a intenção de se tributar os estoques.  Pela proposta atual, os rendimentos acumulados até o último dia de 2021 devem recolher os 15% de imposto até 30 de novembro do ano seguinte ou optar pela alíquota de 6% de imposto, caso se decida pelo pagamento até 31 de maio.

O próprio fisco reconhece a ousadia, aceitando o parcelamento em 24 vezes, com correção pela SELIC, sendo a primeira parcela já em janeiro.

A experiência mostra que a judicialização não é a melhor alternativa. Sendo a instituição financeira a responsável pelo pagamento do imposto, muitos detentores de fundos se verão inclinados a pagar a taxa “incentivada”.

Conclusão

O Brasil mudou muito desde 2008.  Regras mais modernas e um mercado financeiro mais dinâmico deram a oportunidade para que muitas famílias organizassem os seus negócios e o seu patrimônio a partir de uma abordagem holística.

Pouco se sabe sobre o que será mantido no PL, apesar de uma certa sensação de retrocesso. Dito isso, o mais prudente é acompanhar o desenrolar do processo no Senado, verificando as medidas que podem trazer impactos negativos.

Estruturas de planejamento patrimonial a sucessório são custosas, seja para se desfazer delas, seja para transformá-las em algo mais sofisticado. Portanto, nesse ínterim, o ideal é avaliar se aquela necessidade original prevalece, dada à dinâmica das relações familiares e empresariais.

Há poucas evidências de que a votação será concluída em 2021. Ainda assim, nada justifica deixar essa tarefa para depois.  No que diz respeito ao imposto de renda, vale lembrar que, se aprovado no último dia do ano, ele já passa a valer no primeiro dia de 2022.

Sendo um público com tantas opções, atentar para esse detalhe é o mínimo que se espera.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.