Economia

Redesenhando o mapa: A guerra de Putin e o destino da Europa

Com alta do petróleo, a U$ 150 o barril, crescimento global cairá 1,6%, inflação subirá 2%, e ecnomia retornará aos níveis de 1973

Data de publicação:10/03/2022 às 12:30 - Atualizado 3 anos atrás
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Há dois anos, os mercados internacionais precificavam com grandes baixas os impactos da pandemia enquanto o mercado brasileiro estava fechado para o Carnaval. Com a invasão da Ucrânia pela Rússia, na 'guerra de Putin', o mesmo aconteceu agora.

Os preços do barril de petróleo (Brent e WTI) avançaram muito acima dos US$ 100 enquanto o rublo russo apanhou sem dó, parte por conta da resistência dos ucranianos e parte em função da infinidade de sanções aplicadas à Rússia.

Com a 'guerra de Putin', bancos centrais poderão rever ajuste dos juros - Foto: Envato

A venda do clube de futebol inglês Chelsea e a apreensão de iates de luxo de oligarcas russos em marinas europeias são algumas de suas consequências inusitadas, evidenciando as ramificações internacionais dos negócios e os patrimônios globais formados durante a época de ouro da globalização.

Guerra planejada

Cientistas políticos afirmam que o conflito entre Rússia e Ucrânia era apenas uma questão de tempo. O instinto de Putin identificou fraquezas em algumas das principais economias do mundo, o que favoreceu o timing para atacar:

  • Um primeiro-ministro com grandes chances de cair no Reino Unido;
  • Um presidente francês às vésperas de uma eleição;
  • Um governo alemão com um arranjo diferente ao vigente durante a era Merkel;
  • Um governo norte-americano buscando um inimigo comum, depois da saída desastrada do Afeganistão.

Desde 2014 que a Ucrânia não possui um regime pró-Rússia, o que reduz a influência de Putin nos países que antes faziam parte da União Soviética e que passaram a se proteger sob o manto da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança militar ocidental, oferecendo seus territórios para a instalação de bases.

Sentindo-se ameaçada, a Rússia pretende, com a invasão, efetuar a troca de poder, colocando ali um líder que, obviamente, não terá legitimidade para conduzir o país. Isso explica porque cada vez mais ela está isolada, seja no campo geopolítico, seja em termos econômicos, esportivos, culturais e sociais.

Fortaleza Rússia

Com o colapso da antiga URSS em 1991, a Rússia chegou a enfrentar uma inflação acima de 2.000%.  Sete anos depois, deu calote nos bondholders internacionais, ocasião em que a sua moeda se desvalorizou em mais de 60%.  Como grande exportadora de petróleo, sofreu as consequências com o fim do superciclo de commodities, o que fez a sua economia descer ladeira abaixo.

A partir de então, começou a construir o que se apelidou de “Fortaleza Rússia”.  Para garantir sua autossuficiência, diversificou a sua economia para não se submeter à volatilidade dos preços das commodities energéticas. Além disso, se esforçou para aumentar a quantidade de parceiros comerciais e fornecedores de tecnologia.

No que diz respeito às suas finanças, trabalhou para reduzir a sua dívida externa, adotou uma política fiscal e monetária bastante restritiva e acumulou reservas internacionais (US$ 630 bilhões, ou algo em torno de 40% do PIB).  

Isso teria sido suficiente para manter uma certa tranquilidade nos mercados locais não fosse a grande quantidade de investidores institucionais internacionais que participam dele, como fazem com as demais economias emergentes, quando alocam recursos via índices.

Cisne negro

Até hoje a comunidade financeira tem dificuldade em mensurar eventos extremos como guerras, pandemias e eventos climáticos, o que explica porque muitos estão com os seus recursos presos na Rússia ou em negócios atrelados a ela. 

Excluída da rede internacional que processa os pagamentos entre instituições financeiras (SWIFT), ela agora enfrenta dificuldades para honrar compromissos com bancos, detentores de títulos, empresas e acionistas, fazendo com que todos detenham, simultaneamente, ativos que pouco valem quando o imponderável acontece. 

That 70’s show

É fato que não se pode dissociar a decisão da Rússia de ir à guerra de seus impactos na inflação mundial.

Responsável pela produção de mais de 10% do petróleo comercializado no planeta, não é difícil de se imaginar o que poderia acontecer caso ela fosse interrompida como instrumento de retaliação. Ao preço de US$ 150 por barril, o crescimento global seria reduzido em 1,6% ao mesmo tempo em que a inflação mundial teria um acréscimo de 2%.

Pode parecer pouco mas é o suficiente para jogar a economia mundial de volta para o ano de 1973, quando outra guerra levou ao primeiro choque do petróleo da década de 70. Naquela época, já havia um processo inflacionário em andamento (tal como agora) por conta do abandono do sistema de Bretton Woods, onde as principais moedas do mundo possuíam uma paridade fixa em relação ao dólar.

Diante da sinalização de um aumento de juros, banqueiros centrais ainda tendem a pensar que os preços de energia mais elevados são temporários, principalmente para evitar os mesmos erros do Banco Central Europeu (BCE) que, ao elevar as taxas em 2008 e 2011, jogou o continente no precipício.

O desafio atual é frear preços que já vinham subindo bastante antes mesmo dos eventos das últimas semanas.  De um lado do mundo (EUA), a preocupação com os efeitos de um aumento de juros nos preços dos ativos. Do outro (Europa), a resistência em elevar os juros, dada a expectativa de baixo crescimento diante do gás natural ainda mais caro que em 2021.

Conclusão

Mais um evento do tipo cisne negro se materializou.  A invasão da Ucrânia se escalou, tanto militarmente quanto via sanções mais severas. Consequentemente, a redução dos balanços pelos bancos centrais, assunto de amplo debate, pode ser postergada em função dos últimos acontecimentos.

Primeiramente porque outros bancos centrais poderão bater na porta do Federal Reserve (Fed) atrás de dólares enquanto os ativos russos no exterior permanecem congelados. 

Segundo, porque países do sul da Europa, mais endividados, talvez tenham que contar com um novo reforço por parte do BCE para navegar com um mínimo de segurança um cenário de altos preços e pouco crescimento.

Tal como os lockdowns impostos por governos quando a pandemia chegou, esse contexto de grande incerteza pode se estender por mais tempo que o inicialmente previsto. Ainda que Putin destrua a Ucrânia, ele não sairá vitorioso enquanto não for chamado pelos norte-americanos e pelos europeus para redefinir suas respectivas áreas de influência no mapa.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.