Economia

O impacto da inflação em seus investimentos internacionais

Com os governos propensos a gastar cada vez mais e uma economia mundial com dificuldades para deslanchar, talvez seja a hora de aceitar que a inflação estará no foco das decisões financeiras

Data de publicação:27/06/2023 às 08:00 - Atualizado um ano atrás
Compartilhe:

Uma das maiores dificuldades na alocação de recursos é assimilar os impactos de novos fatores estruturantes na economia. Por mais que ela tenha uma natureza cíclica, pode também vir acompanhada de uma combinação única.

Para os economistas, o futuro contará com mais inflação e menos crescimento, com base na análise dos anos de 2021 e, especialmente, 2022.  Atualmente, nos EUA e na Europa, núcleos de inflação, que desconsideram itens voláteis como combustíveis e alimentos, ultrapassam 5% (muito acima da meta de 2%). 

Para economistas, o futuro contará com mais inflação e menos crescimento - Foto: Reprodução

Calmaria ilusória

Existe um certo otimismo no mercado internacional, por absoluta falta de más notícias. 

De um modo geral, acredita-se que a inflação cederá antes que qualquer aperto monetário adicional cause mais problemas, como o aumento no desemprego ou uma crise financeira na zona do euro (Itália).

Afinal, os preços do petróleo estão bastante comportados quando comparados com os de um ano atrás, mesmo com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) cortando a produção. A mesma calmaria pode ser observada na China, que tem desempenhado muito aquém do esperado. 

Percebe-se a falta de dinamismo global, que pode prejudicar o crescimento econômico, principalmente depois que alguns bancos norte-americanos de médio porte ficaram pelo caminho.

Meta mais alta?

Mas, diferentemente de outras ocasiões no passado, é fato que os orçamentos públicos não estão muito alinhados com o objetivo de se combater a inflação.

Por mais que bancos centrais sejam independentes, o que aconteceria se estes não levassem ao pé da letra suas metas de inflação, evitando assim congelar a atividade econômica?

Alguns grandes nomes em Wall Street acreditam nessa hipótese. Não que haverá uma superinflação, mas já contemplando um índice superior a 2%, que depois poderia ser 3% ou mais. 

Fraqueza dos bancos centrais? Não, apenas a constatação de que existem outras forças atuando na economia, o que exigiria um sacrifício muito maior para retornar à meta.

Espiral inflacionária 

Como o mundo ficou muito tempo sem observar uma espiral inflacionária, talvez seja oportuno retratar como ela funciona na prática. O primeiro desarranjo é na própria expectativa dos agentes econômicos que, de repente, perdem a “bússola” da credibilidade do banco central. 

Empresas ficam com pouca margem de manobra para controlar os seus custos e manter a rentabilidade (exceto para aquelas que efetivamente ditam preços, ainda que inicialmente expostas a um ambiente desfavorável de negócios).

Quanto mais alta a inflação, mais instável ela se torna. 

Usando dados históricos da economia norte-americana como exemplo, nos anos em que o índice ao consumidor subiu até 5%, a inflação média para os 12 meses seguintes oscilou em torno de 1,8%. 

Portanto, depois de uma inflação de 2%, havia a possibilidade de que ela permanecesse entre 0,2% e 3,8% (quase o dobro da meta).

Mais que um simples número 

Usando como exemplo alguns cálculos feitos pela The Economist, com uma inflação de 4%, uma pessoa que adquirisse um título norte-americano de 10 anos receberia apenas 68% do montante original no vencimento.

Seguindo o mesmo raciocínio, quanto maior o prazo do papel, maior o impacto de uma inflação mais alta. No caso de um título de 30 anos, considerando os mesmos 4% de inflação, o percentual do valor original devolvido no vencimento cairia para 31%.

Seria o caso de se comprar títulos atrelados à inflação? Não necessariamente, pois só 8% da dívida pública norte-americana é composta por esse tipo de papel. 

Girando a carteira 

Imagine que um grande grupo de investidores saísse do mercado de ações, bastante popular, e fosse para outro que faz bastante sucesso em um cenário de baixo crescimento e alta inflação: o mercado de commodities.

Ele teria duas opções: negociar no mercado físico, com todos os custos ligados ao transporte e ao armazenamento da commodity, ou no mercado futuro, infinitamente menor (equivalente a 1% do mercado de ações norte-americano), inevitavelmente alimentando outra bolha financeira.

Preços astronômicos

Nem mesmo a opção mais tradicional de investimentos escaparia. Usando a Turquia como exemplo, em apenas dois anos, a variação positiva do metro quadrado de imóveis em Istambul ultrapassou 480%. 

Mesmo desconsiderando os efeitos da desvalorização de sua moeda, o aumento foi superior a de qualquer outra economia no mundo, de acordo com um estudo do Bank for International Settlements (BIS).

Como consequência dos altos preços, os aluguéis estão acima da renda média do país, mesmo após os sucessivos aumentos no salário mínimo. Ainda que tenha ocorrido uma guinada após as eleições, com um aumento de juros de 6,5%, os preços continuam subindo.

Com a “inflação do dólar”, não é difícil de imaginar o mesmo ocorrendo em cidades mais disputadas ao redor de mundo. Afinal, para se comprar um imóvel no exterior, não é necessário sequer passar pela burocracia de se abrir uma conta fora. 

Basta o envio das instruções de pagamento para que o SWIFT seja efetuado em até 2 dias úteis.

Conclusão

Com os governos propensos a gastar cada vez mais e uma economia mundial com dificuldades para deslanchar, talvez tenha chegado o momento de se aceitar que a inflação estará no foco das decisões financeiras.

Nessas circunstâncias, todas as classes de ativos respondem a uma reprecificação, levando em conta sua atratividade diante de um ambiente inflacionário. Carteiras de investimento são alteradas não só por essa característica, mas também pelo grau adicional de incerteza.

Afinal, as alternativas se tornaram mais distantes, para não dizer impopulares.  São elas o aumento de impostos ou o corte de gastos públicos, dado o crescimento econômico mais modesto.

Receita emergente

Consequentemente, a inflação pode ser justamente o expediente mais eficiente para se reduzir o valor real de qualquer dívida, uma realidade que acompanhou as economias emergentes durante bastante tempo. 

Ao longo dos anos e às duras penas, conquistaram a tão almejada credibilidade (no caso do Brasil especificamente, a taxa foi mantida em 13,75% na última reunião do Copom).

O Federal Reserve ,(Fed) por sua vez, parece querer testar a sua, ao fazer uma pausa.  Isso tem implicações justamente naquela alocação internacional de qualquer carteira, feita para garantir alguma proteção quando tudo dá errado.

Naquela reserva em dólares, seu detentor perderia 30% do seu poder de compra em um período de apenas 10 anos caso a inflação norte-americaba dobrasse.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.