China: entenda o que acontece do outro lado do mundo
Há aproximadamente 20 anos atrás, Jim O’Neill, economista do Goldman Sachs, publicou um relatório expondo a força dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Pelos cálculos…
Há aproximadamente 20 anos atrás, Jim O’Neill, economista do Goldman Sachs, publicou um relatório expondo a força dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China).
Pelos cálculos da época, esses países seriam responsáveis por 20% do PIB global, dadas as suas elevadas taxas de crescimento, compensando parcialmente o desempenho da Europa, que se encontrava focada na implementação do euro (moeda).
Desde então, o equilíbrio entre esses países emergentes mudou. Se Brasil e China tinham pesos equivalentes nos principais índices de bolsas emergentes, hoje a China participa com 40% enquanto o Brasil não ultrapassa 5%.
Em outras palavras, apesar dos BRICs (com a inclusão da África do Sul em 2010) representarem um PIB superior a US$ 20 trilhões, boa parte desse desempenho se deve à China.
A letra “C” dos BRICs
Em um período de não mais de 40 anos, a China deixou de ser a oitava economia do mundo para se tornar a segunda, atrás apenas dos EUA. Isso faz dela responsável por algo em torno de 30% do crescimento global, visto que é a principal parceira de negócios de 120 países.
Atualmente, já se especula que a China será a maior economia do mundo em 2030, de acordo com algumas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Possuindo uma população numerosa e uma renda per capita de US$ 10.000, trata-se de um mercado interno gigantesco.
Se antes a China apenas exportava bens de baixa qualidade e investia pesadamente em infraestrutura, agora o país foca no crescimento sustentável de sua própria demanda interna. Inserida em uma região onde existem mais pessoas do que todo o resto do mundo somado, é impossível ignorar a sua força gravitacional.
Usando um índice de bolsa bastante conhecido (MSCI China) como referência, percebe-se que ele reflete exatamente essa dinâmica: 30% das empresas são do setor de consumo discricionário, 20% são de companhias de telecomunicações, seguidas de perto pelo setor financeiro e de saúde.
O Planejamento
Em 2020, a China registrou um crescimento de 2,3% do PIB. Algo inimaginável quando se leva em conta o quanto a pandemia mudou o mundo. O que difere o desempenho do país do resto do globo é o que se chama de “capitalismo de Estado”; ou seja, um regime capitalista, mas que atende a propósitos políticos.
Quais propósitos são esses? Executar o que determina o plano quinquenal, faça chuva ou sol. Não por acaso, em 30 anos a China cresceu 36 vezes, algo que os EUA levaram 117 anos para conseguir.
O plano se mantém até quando a economia mundial não vai tão bem. Nessas situações, não é incomum para as autoridades locais chinesas receber uma ligação de Pequim exigindo a construção de mais infraestrutura, mais fábricas e mais ativos imobiliários.
Ainda que isso gere uma capacidade excessiva no país e um benefício marginal decrescente à economia, é assim que o poder se perpetua na China, dado que economia boa é aquela que cresce. E isso não vale só dentro da China.
Belt and Road Initiative, iniciativa conhecida como a nova “Rota da Seda” foi a forma que o país encontrou para multiplicar seu modelo de desenvolvimento. Ela nada mais é do que o financiamento de grandes projetos de infraestrutura em mais de 60 países, seja para dar vazão à sua enorme capacidade industrial, seja para garantir suprimentos essenciais ao país, o que inclui alimentos.
A geração de Xi Jinping
A nova geração chinesa, identificada como “jiulinghou” totaliza 188 milhões de pessoas (mais que a soma de Inglaterra, Austrália e Alemanha), mesmo com a China tendo adotado a política de um filho por casal a partir da década de 80.
Trata-se da geração mais bem formada que o país já teve. Enquanto em outros lugares do mundo as pessoas se questionam se devem cursar uma faculdade ou “viver experiências”, a China “fabrica” 9 milhões de jovens formados em apenas um ano, que se juntam aos 4 em cada 5 que retornam dos estudos no exterior, fato que se tornou rotineiro depois que Donald Trump se tornou presidente dos EUA.
Entre as áreas de especialização estão ciência, tecnologia, engenharia e matemática (“STEM”, em inglês). Tudo para alavancar a eficiência e a rapidez de execução de uma população que trabalha 12 horas por dia, 6 dias da semana.
Para quem conhece o país, não é incomum os relatos de que os chineses detestam perder tempo e que Xangai não é Nova Iorque, apesar de ambas serem cosmopolitas e contarem com diversas opções de entretenimento.
Não por acaso, a China é o lugar onde se “cria” mais bilionários no mundo, o que nos leva ao próximo ponto.
A tecnologia
Grande destaque das bolsas durante o ano de 2020, é um dos vetores de crescimento da região. É fato que da mesma forma que a China investe pesado em infraestrutura física, ela ganha saltos incrementais no que diz respeito à sua infraestrutura de tecnologia.
Atualmente, existem mais empresas de tecnologia dentro do país do que nos EUA e na Europa juntos. Afinal, são mais de 800 milhões de usuários de internet, algo como a soma de toda a população de EUA, Indonésia e Brasil.
A China é a maior investidora de venture capital do mundo desde 2018. Enquanto os norte-americanos levam uma média de 7 anos para “emplacar” um unicórnio (startup com um valor acima de US$ 1 bilhão), os chineses conseguem o mesmo em 4 anos, sendo que aproximadamente metade das startups adquirem esse status em apenas 2 anos.
Por mais que o mundo da tecnologia seja dinâmico, percebe-se que ele se move a uma velocidade supersônica ali. Um exemplo disso é a bolsa Star Market (Nasdaq chinesa). Fundada em 2019, ela já lançou mais de 200 companhias, sendo que o seu pipeline (empresas em processo de IPO) inclui mais que o dobro disso.
Dado o ritmo imposto aos participantes, reflete perfeitamente o ambiente darwinista de “matar ou morrer”, fazendo com que as empresas dominantes invistam e diversifiquem as suas apostas à exaustão.
O WeChat, um super app chinês, é um sucesso justamente porque inclui, via mini aplicativos, todas as soluções desenvolvidas a partir desses investimentos em outras empresas.
Pensando no efeito “winner takes all” do mundo da tecnologia, não é difícil de entender o impacto de uma ferramenta como essa, citada em 10 entre cada 10 cases de investimento avaliados por family offices, bastante tradicionais, quando se arriscam a dar os seus primeiros passos na Ásia.
Conclusão
O fato de Xi Jinping discursar no primeiro dia do Fórum Econômico Mundial em Davos diz muito sobre a importância de um país que deixou de ser emergente há bastante tempo, apesar de muitos não se darem conta disso.
Contando com uma população numerosa, rica e bem instruída, ela está mais apta do que nunca a cumprir o que determina o planejamento do governo chinês, seja para interesses internos ou externos.
Isso se percebe até quando o imponderável acontece. Em pleno ano de pandemia, a China bateu recordes de exportação, algo que não pode ser ignorado dadas as enormes dificuldades logísticas enfrentadas por todos os seus 120 parceiros de negócios.
Tendo garantido o acesso a mercados fundamentais, se voltou aos saltos exponenciais que só a tecnologia pode oferecer. Cérebros e agilidade de sobra agora se somam à estrutura de um mercado de capitais criado à semelhança da Nasdaq, mas turbinado por empresas que investem em praticamente tudo.
Dito isso, é ingênuo acreditar que qualquer investidor ficará milionário apenas comprando ações de empresas brasileiras exportadoras de commodities. Por outro lado, o ideal é que ninguém se aventure nesse mundo sozinho.
Tal como os próprios family offices já estão fazendo, o importante é começar aos poucos e de forma ordenada, seja via Exchange Traded Funds (ETFs) que englobam a dinâmica do mercado chinês, seja via fundos de gestão ativa que entendem bem o funcionamento da região.
Do lado de cá do mundo, pouco se sabe sobre a China mas, para qualquer um que já tenha tido contato, uma frase se destaca, resumindo bem o sentimento coletivo:
“Siga o dinheiro.”