Campos Neto justifica estouro da meta da inflação em carta enviada ao CMN
Entre os fatores estão aumento do preço das commodities, da energia elétrica e gargalos globais
O forte aumento dos preços de commodities, a bandeira de energia elétrica de escassez hídrica e os desequilíbrios entre oferta e demanda de insumos, com gargalos globais, foram apontados pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, como os principais fatores que levaram a inflação a superar o limite superior da meta em 2021.
A justificativa foi dada em carta aberta ao presidente do Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, devido ao descumprimento pelo BC de seu mandato principal. O documento foi divulgado nesta terça-feira, 11.
Na carta, Campos Neto frisou a influência da pandemia sobre o desvio da inflação e fez questão de destacar que a aceleração inflacionária para níveis superiores à meta foi um fenômeno global no ano passado.
Maior desvio da meta em quase 20 anos
O IPCA, índice oficial de inflação, terminou o ano passado em 10,06%, 4,81 pontos porcentuais acima da banda superior do objetivo a ser perseguido pelo BC (5,25%) - o maior desvio em quase 20 anos, já que, em 2002, o "estouro" foi de 7,03 pontos porcentuais.
O centro da meta era de 3,75%. Na última vez que o teto da meta havia sido rompido, em 2015, a distância tinha sido de 4,17 pontos porcentuais, quando o IPCA registrou alta de 10,67%.
Pressões dos preços das commodities
No documento, Campos Neto destacou que as pressões sobre os preços de commodities e nas cadeias produtivas globais refletem mudanças no padrão de consumo causadas pela pandemia de covid-19, com aumento da demanda por bens, impulsionadas também por políticas expansionistas.
"Esses desenvolvimentos, que ocorreram em nível global, geraram excesso de demanda em relação à oferta de curto prazo de diversos bens, causando um desequilíbrio que, em diversos países e setores, foi exacerbado por falta de mão de obra, problemas logísticos e gargalos de produção. De fato, a aceleração significativa da inflação em 2021 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países avançados e emergentes."
Inflação em 2022 deve atingir patamar menor do que em 2021
Após o IPCA ter registrado alta de 10,06% em 2021, Campos Neto alegou que as projeções do órgão apontam para uma queda na inflação já no começo de 2022, chegando a dezembro em um patamar "significativamente" inferior ao de 2021.
No documento, Campos Neto cita as projeções do Relatório Trimestral de Inflação de dezembro, de um IPCA de 4,7% em 2022, 3,2% em 2023 e 2,6% em 2024. Apenas neste ano, a queda projetada pelo BC na inflação é de 5,4 pontos porcentuais. Para 2022, o centro da meta estabelecida pelo CMN é de 3,50%, com tolerância de 1,5 p.p. (2,00% a 5,00%).
"O cenário é de convergência da inflação para as metas ao longo do horizonte relevante. Nesse cenário, em 2022, a inflação ainda se mantém superior à meta, embora dentro do intervalo de tolerância, em virtude dos efeitos inerciais da inflação de 2021. Esses efeitos são contrabalançados pela política monetária, embora não de forma integral, em virtude das diferenças temporais entre os impactos inerciais dos choques, de prazo mais curto, e os efeitos da política monetária, mais concentrados no médio prazo", argumenta o presidente do BC na carta.
Campos Neto repete ainda no documento o comunicado da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que elevou a Selic para 9,25% ao ano em dezembro, destacando ser apropriado que o ciclo de aperto monetário avance significativamente em território contracionista. Ele também mantém a sinalização de um novo aumento de 1,5 p.p. na reunião de fevereiro, para 10,75% ao ano.
"O comitê irá perseverar em sua estratégia até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas", reforça a carta.
Exigência do sistema de metas
A carta aberta é uma exigência do sistema de metas, criado em 1999, quando a inflação fica fora do intervalo de tolerância, para explicar as razões do descumprimento e indicar providências para o retorno à meta, assim como o prazo para que isso ocorra.
A última carta enviada pelo BC para justificar o descumprimento do seu mandato foi relativa ao ano de 2017, mas, daquela vez, o presidente à época, Ilan Goldfajn, teve de explicar o porquê de a inflação ter ficado aquém da meta, em 2,95%. Além de 2015 e 2002, o limite superior da meta também foi rompido em 2001 e 2003. / com Agência Estado