Economia

Volatilidade e inflação: boas apostas para 2023

Não há consenso sobre o futuro da economia mundial, mas se espera inflação e juros altos em 2023 com crescimento menor

Data de publicação:06/12/2022 às 08:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Nos últimos 40 anos, o mundo se beneficiou de 3 tendências bastante favoráveis:

  1. Baixa inflação
  2. Baixas taxas de juros
  3. Crescimento relativamente estável, com a globalização fornecendo uma capacidade produtiva cada vez maior e mais eficiente.

Com o retorno da inflação no ano passado e o aumento agressivo nos juros em 2022, houve uma correção generalizada nos mercados em vez de um movimento de pânico, como o observado na crise de 2008.

Inflação deve seguir em alta no mundo e juros permanecerão em níveis elevados em 2023

Sem manual

Estaríamos entrando em uma nova dinâmica econômica ou apenas enfrentando um ano atípico por conta de fatores também atípicos?

Essa é uma pergunta relevante. Todas as classes de ativos negociados no mercado internacional performaram mal ao longo dos meses, colocando em xeque o manual de boas práticas na alocação de recursos. 

Sem a pretensão de indicar as melhores opções para 2023, como seria de praxe nessa época do ano, o objetivo desse artigo é elucidar algumas questões no que diz respeito ao futuro da economia mundial.

Para qualquer um que acompanhe a opinião de especialistas, não existe um consenso, apenas evidências que apontam para níveis de inflação mais altos, acompanhados de um crescimento menor.

Um problema de oferta

São vários os elementos que se somam a esse cenário, como a regionalização, os conflitos geopolíticosa busca pelo “net zero” e a pandemia (no caso da China). Assim, a cada novo choque de oferta, estaremos sujeitos a mais volatilidade na economia e nos mercados. 

Diante dessa realidade, estariam os bancos centrais determinados com a meta de 2% de inflação ou o custo imposto à sociedade é alto demais?  Uma inflação mais alta, desde que estável, seria melhor em um mundo onde governos e empresas encontrariam mais dificuldades para honrar as suas crescentes dívidas?

Uma certa vez, um banqueiro central comparou a inflação à pasta de dentes: uma vez fora da bisnaga, é difícil colocá-la pra dentro. A analogia tem lá a sua lógica, dado que a política monetária não é a ferramenta ideal para se endereçar problemas de oferta.

É fato que aumentar os juros não fará com que o mercado de petróleo se restabeleça ou que as sanções sejam retiradas. Dito isso, ataca-se as consequências mais do que a causa em si, o que quer dizer que os bancos centrais podem errar tanto para cima como para baixo.

A década de 80

Olhando para outro período em que a inflação também era alta, e pelos mesmos motivos (choques do petróleo), podem-se extrair alguns aprendizados. O primeiro deles é que a inflação demora para ceder, sendo que os repiques nos preços são comuns até que ela seja totalmente debelada.

Além disso, o resultado almejado não depende única e exclusivamente dos banqueiros centrais. Reformas que tragam mais produtividade são importantes para propiciar preços mais baixos no futuro.

Os governos também precisam estar alinhados, implementando políticas fiscais mais austeras (cortes nos gastos). Naquela época, houve um “hard landing”, o que pode ser extremamente impopular enquanto autoridades, inclusive no Brasil, buscam meios para ajudar a população a lidar com o aumento do custo de vida. 

Levando-se em conta o que não controlam, pode-se dizer que as circunstâncias hoje são mais complexas.

Preços do petróleo

A geopolítica do petróleo anda de mãos dadas com a inflação, mas dessa vez, não se pode culpar os países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

Com a guerra na Ucrânia, os preços das commodities energéticas passaram a ser ditados basicamente por duas forças: 

  • Produção em níveis suficientes para manter o apoio popular à Ucrânia nos países do G7 (o que explica a aproximação dos EUA e da Venezuela);
  • Sanções para evitar que a Rússia financie a sua guerra vendendo petróleo.

A União Europeia (UE) deixará de comprar petróleo russo transportado por navio, além de já ter impedido que empresas marítimas e seguradoras europeias ofereçam seus serviços a países fora do bloco interessados em adquirir a mercadoria. 

A volta do ouro

Conforme acordado com os EUA, eles poderão fechar os seus pedidos desde que respeitem um preço teto imposto pelo G7. Considerando a concentração de prestadoras de serviços marítimos no Chipre, na Grécia e em Malta, não é difícil de se imaginar um novo caos logístico. 

No caso do seguro especificamente, poucos assumiriam riscos tão grandes como vazamentos de petróleo em embarcações bastante antigas e que hoje driblam as restrições impostas pelo ocidente. 

Por conta desse tipo de incerteza, os bancos centrais voltaram a comprar ouro.  Além de não estar exposto a sanções, ele também funciona como uma reserva de valor em momentos inflacionários, algo impossível de se replicar nos Treasuries (títulos do governo norte-americano) quando a volatilidade é a nova regra do jogo.

Conclusão

Poucos se arriscam a afirmar que os elementos macroeconômicos mudaram de fato.  A verdade é que não se pode prever qual será o nível de inflação nos próximos anos e muito menos quantos choques de oferta ocorrerão nesse intervalo.

Normalmente, quedas no PIB são condizentes com reduções na velocidade pela qual os preços sobem, mas quando a inflação se torna disseminada, ela realmente “se fixa”, tornando mais árduo o trabalho de se combatê-la. 

O crédito mais restritivo, resultante dos juros básicos em níveis mais altos, fará com que governos e empresas não só paguem mais caro para se financiarem, mas também encontrem mais exigências ao fazê-lo.

Sem compradores

Não se trata mais daquele mundo em que se aposta em qualquer ideia. Negócios com menor liquidez faziam sentido quando os juros eram baixos.  Abrir mão dessa liquidez agora ainda é o correto a se fazer? 

Além da questão do spread (diferença na remuneração entre as várias alternativas no mercado), uma constatação óbvia é que faltarão compradores para a enorme quantidade de ativos criados ao longo do tempo. 

Como muitos investidores eventuais aprenderam, qualquer plano é bom até que seja testado na prática.  Já os mais experientes sabem o quanto podem errar por conta de eventos fora de seu controle. 

Ter ciência disso é a melhor aposta que ambos podem fazer.

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Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.