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Economia

Dolarização: solução para a Argentina?

Uma inflação de 3 dígitos em um país sem reservas em moeda forte.  Essa é a situação da Argentina, cuja moeda vale metade do valor do início de 2023. 

Data de publicação:12/09/2023 às 11:03 -
Atualizado 7 meses atrás
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Uma inflação de 3 dígitos em um país sem reservas em moeda forte.  Essa é a situação da Argentina, cuja moeda vale metade do valor do início de 2023.  

Dentro do Fundo Monetário Internacional (FMI), só se fala dela.  Nos últimos 65 anos, o país foi socorrido 22 vezes, sendo que em 2018 recebeu o maior empréstimo já concedido pela instituição (US$ 57 bilhões).

Com o seu setor público inchado (equivalente a 38% do PIB) e os benefícios sociais impostos por governos anteriores, hoje só resta se virar com os recursos emprestados pela China, e na sua própria moeda.

Com tamanha desorganização econômica, seria a dolarização o “reset” necessário para arrumar a casa?

A dolarização

Na dolarização, a moeda local e substituída pelo dólar norte-americano.  O país abre mão de sua política monetária, que passa então a ser ditada pelo Federal Reserve (Fed) , banco central dos EUA.

Entre as suas vantagens, a previsibilidade e o processo gradual pelo qual as taxas são ajustadas.  Por conta disso, uma volatilidade menor dos ativos, independentemente das circunstâncias locais.  

Adicionalmente, a eliminação dos transtornos e dos custos na conversão do câmbio, haja vista que nas economias mais problemáticas, a população tenta manter o seu poder de compra guardando dólares e, até o estouro da FTXcriptomoedas.

Como desvantagem, a impossibilidade de se imprimir moeda.  É fato que os governos atualmente enfrentam pressões por mais gastos e, na América Latina, isso não poderia ser diferente. 

Teoricamente, ao se restringir a gastança, o resultado seria o corte de gastos e as privatizações, o que endereçaria a inflação fora de controle, conforme a máquina pública fosse enxugada e empresas ineficientes, sanadas. 

Tipos de dolarização

Em termos práticos, o abandono da moeda local pode ser feito de duas maneiras.  

A adoção da dolarização propriamente dita ou via a implementação do chamado “currency board”, onde o dinheiro em circulação é lastreado pelas reservas em dólares junto ao banco central, evitando assim que se imprima mais.

A primeira opção é a mais crível, mas impõe sacrifícios maiores e é dificilmente revertida, pois impõe à autoridade monetária a obrigação de usar suas reservas para comprar a moeda local.

Já no caso da segunda, as reservas são mantidas, sendo que ainda podem ser remuneradas ao longo do tempo.

A dolarização em economias latinas não é uma ideia nova, como mostram os dois exemplos amplamente citados na literatura econômica. 

Equador

O Equador passou por esse processo há 23 anos atrás.  

Enfrentando uma crise política e uma enorme desvalorização cambial, decorrentes da queda de sua atividade econômica e do consequente default (não pagamento) da sua dívida externa renegociada (Brady Bonds) no ano anterior, o país resolveu adotar a dolarização no início de 2000.  

Tal como a Argentina hoje, a economia local caminhava para um cenário de hiperinflação e, nessas circunstâncias, afrouxar a política monetária como forma de estímulo não é uma alternativa.  

Além disso, ativos e passivos já podiam ser precificados em dólares, o que facilitava a troca.

Contabilidade criativa

O Equador seguiu pelo caminho mais difícil e a estabilidade foi praticamente momentânea, ainda que outras distorções permanecessem.  O déficit fiscal (gastos públicos superiores ao que o governo arrecada) continuou, o que fez com que se usasse da criatividade para fechar as contas.

Em 2019, o país se viu obrigado a bater na porta do FMI.

El Salvador

Discussões sobre a adoção do bitcoin à parte, El Salvador observou os erros de implementação do Equador e tentou a sua própria versão, de forma mais organizada.  Sua moeda já era atrelada ao dólar desde 1994, o que ajudou na sua substituição até que fosse extinta quase 10 anos depois.

Abrir mão da moeda local fazia sentido.  Aproximadamente 67% do que exportava na época tinha como destino os EUA, sendo que o país ainda recebia algo em torno de US$ 2 bilhões na forma de remessas feitas por imigrantes a seus familiares.

Economia pró-mercado

Seu sistema político era pró-mercado, o que quer dizer que o governo tinha um papel reduzido na economia.  Com isso, foi capaz de obter uma vantagem que normalmente fica para uma etapa posterior à dolarização: crédito a juros menores, o que favorecia o crescimento econômico.

Mesmo assim, nem tudo estava resolvido.  Primeiro, porque os países vizinhos, com moedas desvalorizadas, eram mais competitivos.  Segundo, porque o país foi atingido por terremotos, o que fez com que o endividamento público (gastos com a reconstrução) crescesse para 3,7% do PIB, impactando no seu custo de financiamento.

Como pode-se observar, a dolarização anda de mãos dadas com reformas, inclusive do setor bancário, que deixa de esconder suas ineficiências, sejam elas internas ou regulatórias, sob o tapete do caos econômico.

Trata-se então de se conseguir a força política para aprova-las pois, sem elas, o abandono de uma moeda local não é sustentável.

Conclusão

Adotar a dolarização implica em acreditar que os governos tomarão medidas extremamente impopulares, algo próximo do impossível no caso da Argentina. 

Além disso, não há qualquer respaldo, haja vista que o Federal Reserve possui compromissos com o governo norte-americano e o sistema bancário dos EUA, mas está isento de qualquer obrigação com o governo argentino ou os seus bancos locais.

Calote coletivo

Traçando um paralelo com a crise enfrentada por alguns bancos norte-americanos no início do ano, os impactos seriam catastróficos caso algo desse errado.  Sem um mecanismo estabelecido para prover liquidez e evitar o contágio no sistema financeiro argentino, haveria basicamente um calote coletivo de governo, bancos, empresas e pessoas.

Para evitar a quebradeira, teria que se voltar ao mesmo FMI, a exemplo do Equador, mas em uma situação infinitamente pior.  O órgão já detém aproximadamente um terço de toda a dívida externa argentina e continua emprestando.

Falta de sincronia

Por fim, vale lembrar que a economia dos EUA, ao contrário da Argentina, está desempenhando bem, o que quer dizer que as taxas de juros aplicáveis ao dólar continuarão altas por um bom tempo.  Dada a falta de sincronia entre os dois países, quais os benefícios de tal medida?

Por todos os motivos apontados, fica evidente que a moeda dos outros pode trazer mais problemas do que soluções. 

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.

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