Logo Mais Retorno

Siga nossas redes

  • Instagram Mais Retorno
  • Youtube Mais Retorno
  • Twitter Mais Retorno
  • Facebook Mais Retorno
  • Tiktok Mais Retorno
  • Linkedin Mais Retorno
Foto: JP Morgan/Reprodução
Economia

Atividade bancária, shadow banking e o Nobel de Economia

Quando um banco quebra não é facilmente substituído pelo concorrente, com grande perda de informações

Data de publicação:18/10/2022 às 05:00 -
Atualizado 2 anos atrás
Compartilhe:

Bancos fazem a intermediação de recursos. Recebem dos poupadores e emprestam para que projetos sejam tirados do papel. Ninguém nega que a atividade bancária seja vital para qualquer arranjo econômico. Afinal, possuem um conhecimento próprio na gestão e no direcionamento desses recursos.  

Sem eles, os poupadores teriam que investir diretamente para receber alguma remuneração, gerando um descasamento entre o tempo em que poderiam manter o seu dinheiro aplicado e o prazo para que esses investimentos gerem algum resultado.

atividade bancária
Atividade bancária: é vital para qualquer arranjo econômico - Foto: Montagem Andrei Morais / Estadão Conteúdo / Shutterstock

Não por outro motivo, o Nobel de Economia de 2022, concedido a três acadêmicos (o ex-Presidente do Fed, Ben Bernanke, Douglas Diamond e Philip Dybvig) que se debruçaram sobre as corridas bancárias, responsáveis pelas grandes contrações econômicas como a enfrentada pelos EUA durante a Grande Depressão de 1929.  

Negócio não replicável

Entre os argumentos apresentados pelos pesquisadores para a importância desses agentes, o fato das informações adquiridas ao longo dos anos se perderem quando uma instituição bancária quebra

Isso quer dizer que não são facilmente substituídos por um concorrente, impedindo a concessão de crédito na economia justo no momento em que ele é fundamental.

Normas regulatórias visam garantir que estejam minimamente preparados para o pior, seja via exigências de capital para cada tipo de ativo detido, seja para os testes de estresse que levam em conta condições financeiras bastante adversas.

Tudo para evitar os desvios mais comuns no sistema bancário, não fosse por um detalhe: as instituições financeiras não bancárias, representadas pelas seguradoras e pela indústria de fundos de um modo geral.

Shadow banking

Shadow banking, que pode ser traduzido como “atividade bancária paralela”, cresceu na esteira da crise de 2008, quando os bancos tiveram as suas asas cortadas. Composto por instituições perfeitamente legais, elas emprestam, fazem pagamentos e permitem a negociação de ativos.

Para conceder-lhes crédito, contam com os grandes investidores institucionais com portfólios em diversas áreas. Como não dependem de depósitos de correntistas, a exemplo dos bancos tradicionais, alocam os recursos conforme as oportunidades, sem que haja a preocupação com o descasamento de prazos.

Atuando sem regras ou amarras, acompanharam a evolução dos negócios. Aportaram capital não só em setores tradicionais mas também quando encontravam grandes empresas de internet, de telecomunicações ou fintechs lançando novas tecnologias para a aquisição de produtos e serviços.

As trusts da China

No mercado financeiro, costuma-se dizer que a sua atividade é como o curso de um rio. Ao se colocar um obstáculo (como uma regulamentação mais restritiva ou uma exigência adicional), a água fluirá por outros caminhos.

Esse é o caso da China, onde o governo exerce grande controle sobre a economia. As chamadas “trusts” preencheram o vácuo deixado por bancos impedidos de emprestar para determinados setores ou oferecer taxas de juros mais atrativas aos investidores.

Marketing sedutor

Parte do sucesso dessas entidades empresariais se deu pelo marketing. 

Produtos financeiros ganhavam nomes como “China Credit Equals Gold #1” e, para dar uma certa credibilidade, eram distribuídos via a rede bancária. Ou seja, o investidor tinha a impressão de que existia alguma garantia implícita do banco, ainda que esse estivesse recebendo apenas uma comissão pela comercialização. 

Para atender às regras bancárias que definiam a relação entre depósitos e empréstimos, era comum que esses produtos vencessem poucos dias antes do final de um trimestre. Isso permitia que os respectivos valores voltassem aos correntistas nas exatas datas de referência para as demonstrações financeiras apresentadas às autoridades regulatórias.

Pirâmide chinesa

Outros esquemas eram bastante engenhosos, inspirados nas pirâmides financeiras à la Charles Ponzi. As trusts mantinham uma série de produtos com vencimentos distintos. Conforme um deles vencia, outro era lançado com o intuito de se captar o mesmo valor. 

Ainda que lastreados por empréstimos a atividades legítimas e lucrativas, eles dependiam de um fluxo constante de entrada de recursos para que esses entes pudessem pagar a prometida remuneração de dois dígitos.

Finanças descentralizadas

Olhando pra frente, por mais que a distância entre reguladores e criptoativos esteja cada vez menor, é pouco provável que os shadow bankers saiam de circulação tão cedo.

Apenas no ano de 2022, mais de US$ 3 bilhões foram roubados (“hackeados”) explorando-se as falhas nas finanças descentralizadas, conhecidas como “DeFi”, que nada mais são que códigos de programação que executam determinadas operações financeiras, empréstimos inclusive, automaticamente.

Mesmo assim, alguns continuam tentando criar um mercado financeiro cripto. Uma empresa lançou a sua própria versão de Credit Default Swap (CDS) mas, ao invés de uma contraparte honrando o seguro, uma DeFi constituída via um fundo de reserva lastreado em stablecoins.

Ela está longe do modelo que passou a vigorar depois da crise de 2008, quando os CDS foram padronizados para que pudessem ser liquidados pelas clearings, o que trouxe mais transparência e segurança.

Conclusão

A mágica da “transformação da maturidade”, em que os bancos aceitam depósitos de curto prazo para emprestá-los no longo prazo, não é sem riscos.

Atados por novas regras, acabaram se desfazendo de negócios que exigiam muito capital. Isso permitiu que outras entidades não bancárias se desenvolvessem, oferecendo novos produtos e serviços, sem necessariamente dependerem de depositantes.

Isso impediu a repetição de medidas impopulares, como o uso de recursos públicos (pagos pelos contribuintes) para socorrer bancos, ainda que não tenha evitado que problemas se acumulassem em outros lugares.

Shadow shaking

A chacoalhada no mercado de gilts (títulos do governo inglês), decorrente da venda desordenada por fundos de pensão de títulos que perdiam o seu valor, para atender chamadas de margem cada vez maiores, é só o mais recente exemplo daquilo que desconhecemos.

Das publicações de Bernanke, Diamond e Dybvig, o Banco da Inglaterra (banco central inglês) foi capaz de montar um programa emergencial de compra de ativos, mesmo que polêmico diante da necessidade de se combater a alta inflação, enquanto um novo ministro de Finanças era escolhido para reverter as medidas responsáveis pelo caos.

Mas, para se evitar novas crises no futuro e garantir as nossas aposentadorias, é imprescindível que os acadêmicos continuem contribuindo com temas atuais, para que o Prêmio Alfred Nobel de Ciências Econômicas tenha aplicações efetivamente práticas.

Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.