Vale a pena continuar investindo em ações do setor elétrico, mesmo com crise hídrica? Analistas opinam
Casas de análise avaliam o mercado e apontam quais as melhores opções de papeis
A temporada de balanços corporativos do segundo trimestre chamou a atenção dos analistas a respeito do desempenho de algumas empresas e ações do setor elétrico, incluindo geradoras, distribuidoras e transmissoras de energia.
Algumas empresas desse segmento apresentaram números abaixo do esperado, o que levou investidores a se questionar sobre se vale a pena seguir com seus ativos alocados nesse mercado.
Em grande parte, o desempenho mais modesto está relacionado aos efeitos da crise hídrica – considerada a maior em 91 anos - com os reservatórios operando com níveis reduzidos por conta da escassez de chuvas. No Brasil, a geração de energia elétrica tem como principal fonte as usinas hidrelétricas – cerca de 63% dependem dessa matriz.
O próprio comportamento regular do consumidor combinado com o processo de retomada das atividades econômicas exigem que as reservas de água acompanhem o aumento do consumo de energia, o que nem sempre acontece, e o custo vai para as alturas, inclusive para o bolso do consumidor.
Após aplicar um reajuste de 52% na tarifa da bandeira vermelha nível 2 da conta de energia – que passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 kWh (quilowatt-hora) – a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já anunciou que pode reajustar o preço para cerca de R$ 15 a R$ 20 a cada 100 kWh.
Algumas empresas já contam com outros tipos de matrizes energéticas para reduzir a dependência das hidrelétricas – como energia eólica e de recursos sustentáveis – o que as tonar menos vulneráveis em um quadro como esse. Mas essa não é a condição da grande maioria das companhias.
De acordo com Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, as geradoras de energia são as empresas que mais sentem o peso das crises econômica e hidrológica.
“As geradoras alocam um porcentual maior de energia ao longo do segundo trimestre para evitar ter que comprá-la no terceiro ou quarto trimestre com um preço bem superior”. Com isso, explica o analista, as companhias acabam renunciando a um lucro mais acentuado para ficarem com os balanços mais equilibrados ao longo do ano.
Para as distribuidoras de energia, segundo Luis Sales, estrategista-chefe da Guide Investimentos, a situação é mais estável. “Essas empresas sentem menos o impacto da crise, acompanham o ritmo da retomada econômica, o que acaba não prejudicando os resultados e, consequentemente, o pagamento de dividendos aos acionistas. Mas é importante analisar caso a caso”.
As transmissoras de energia – como é o caso da Taesa, Isa Cteep, entre outras - não dependem do andamento da economia, somente da disponibilidade da linha de transmissão, e por isso contam com uma dinâmica ainda mais tranquila, destaca Guilherme Tiglia, sócio e analista de ações da Nord Research.
Racionamento
A possibilidade de um racionamento de energia elétrica bateu no mercado e criou um ambiente de apreensão. Na visão da XP, a probabilidade de o País passar por essa redução no fornecimento novamente beira os 3%.
Em relatório, a casa de análises enfatizou que o sistema elétrico é mais robusto atualmente do que em 2001, quando o País viveu uma crise semelhante. “Desde o último racionamento de energia, o Sistema de Interligação Nacional (SIN) se tornou mais preparado para lidar com cenários de estresse”.
A matriz energética também conta a favor para diminuir os riscos de um apagão. “Em 2001, 83% da energia era proveniente de fontes hídricas. Hoje, apenas 63% dela é obtida de fontes hídricas, graças à adição de fontes térmicas, eólicas e solares ao sistema”,
Continuar ou não investindo em ações do setor elétrico?
O setor elétrico é considerado “bondlike” (bom pagador de dividendos, em português). Porém, a crise financeira provocou uma desvalorização excessiva nos papéis do setor, muito em função do aumento da taxa de juros do País, segundo Arbetman, principalmente em algumas geradoras.
“A elevação dos juros, aumenta a remuneração dos títulos atrelados ao IPCA e, com isso, cai a demanda por papéis do setor de utilities”, explica o analista.
No entanto, segundo os especialistas entrevistados pela reportagem da Mais Retorno, ainda vale a pena investir em ações do setor elétrico, principalmente com visão de longo. E as distribuidoras podem ser uma opção interessante para os investidores, de acordo com o analista da Ativa.
“O investidor que não quer ativos de geradoras encontra boas oportunidades em distribuição. Por exemplo, a Energias do Brasil pagou um dividendo de cerca de R$ 1,10 por ação. A CPFL sempre entrega um dividend yield bacana”, pontua.
Arbetman destaca que empresas geradoras como a AES, Engie do Brasil e Eletrobras já trabalham com um hedge – segundo ele, um “cobertor” - de 15 a 20% de energia que fica desalocada. “Ao invés de comprar energia, essas companhias podem vendê-la no curto prazo”.
Para o especialista, a questão está em saber se a temporada de chuvas será suficiente para abastecer os reservatórios. “Tudo vai depender do céu”, brinca Arbetman, mas com um fundo de verdade. “O nível de atratividade do setor segue ainda interessante. É um mercado mais preparado e coeso. Muito desse perigo já foi precificado”, reforça.
Tiglia, da Nord, destaca que o setor elétrico tem muitos ativos com um nível de valuation atrativo. “É nesses momentos que os investidores captam boas oportunidades, visando obter um dividend yield melhor”.
Apostas
Algumas empresas e ações do setor elétrico têm recomendação de compra por várias casas de análise. Para a XP e o Itaú BBA, entre elas estão a Cemig, Copel, Omega Geração, Energias do Brasil, entre outras.
“A Cemig apresentou resultados acima do esperado no segundo trimestre. Esperávamos um lucro líquido de R$ 276,9 milhões e a empresa somou R$ 1,942 bilhão no período”, diz a XP em relatório.
O Itaú BBA, também em relatório, destaca que a redução das provisões, melhoria nas perdas de energia e o processo de desinvestimento de volta aos trilhos também contribuem para a recomendação de compra das ações da companhia mineira.
A Copel é outra aposta das duas casas. “Além de surpreender nos números, a empresa aumentou o volume de energia vendida para consumidores livres da Copel Livre Mercado”, ressaltam os analistas da XP.
Além desse reforço, os analistas do Itaú BBA apontam que a companhia deve entregar dividendos parrudos neste ano, com um yield de 15%, dada à sua baixa alavancagem, venda da Copel Telecom e entrada de caixa por conta do pagamento da CRC pelo governo do Paraná”.
“Estamos no aguardo que o BNDES e o governo paranaense vendam a sua participação na empresa. Porém, ambas somente venderão suas ações se o preço for próximo ao valor contábil da companhia”. Neste mês, as ações da Copel subiram 10%.
O aumento das receitas de transmissão após a redefinição tarifária no ano passado, de acordo com o banco, também contribuiu para a contabilidade.
Os analistas da XP mantêm a recomendação de compra para a empresa Omega Geração. “Apesar do aumento das despesas financeiras, com operação e manutenção, além da compra de energia, acreditamos na capacidade de crescimento da empresa por meio de M&A (fusões e aquisições, em inglês) geradores de valor”.
“Continuamos vendo a Omega Geração como uma das melhores histórias de risco-retorno em nossa cobertura. É nossa principal escolha no setor. A precificação atual das ações não reflete os ativos que a empresa possui”, complementa a XP.
A casa também segue com a recomendação de compra de ativos da Energia do Brasil. “Apesar do lucro líquido ter vindo abaixo do aguardado, o Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) superou nossas estimativas. Além disso, a estratégia de sazonalização e comercialização de energia permitiu que a empresa mitigasse integralmente os efeitos do risco hidrológico no trimestre”.