Economia

Tecnologia e decisões macroeconômicas: qual a relação?

Avanços tecnológicos devem chegar às decisões de política monetária em economia mundial que mudou

Data de publicação:29/10/2021 às 07:00 - Atualizado 3 anos atrás
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O objetivo deste artigo não é discorrer sobre a inteligência artificial. Embora tenha avançado bastante e mostrado a sua utilidade em várias áreas, o foco aqui é mostrar que, tal como a ciência da vida se aprimorou rapidamente usando dados em tempo real para criar vacinas, o mesmo pode ser dito sobre o campo da macroeconomia. A tecnologia deve permitir decisões macroeconômicas imediatas e mais adequadas.

Mais do que uma mera distração para mentes brilhantes, a compilação de informações tem sido usada para encontrar alguma racionalidade no caos mundial gerado por uma sequência de choques de oferta (falta de suprimentos, combustíveis e energia elétrica e, mais recentemente, mão de obra).

Tecnologia permitiu a criação de grupo riquíssimo de dados para uso de modelos macroeconômicos

Olhando para eventos tão desconexos entre si, a grande dúvida na cabeça dos economistas é: diante desse cenário, como avaliar as expectativas de inflação? Isso leva a uma segunda pergunta, mais importante.

Se são essas mesmas expectativas que norteiam os juros em países que seguem o regime de metas de inflação, estariam os bancos centrais devidamente preparados com os dados que recebem a cada reunião de política monetária?

Inflação

Para se mensurar a inflação, adota-se um índice.  Apesar de bastante simples, esse princípio está longe de ser perfeito.  Primeiro, em função do próprio dinamismo da economia (as preferências de consumo se alteram ao longo do tempo, mudando o que precisa ser mensurado) e, segundo, porque ele nunca foi testado em uma situação de pandemia. 

Não por outro motivo, os principais bancos centrais do mundo terem adotado percentuais de inflação um pouco acima da meta.  Erros do passado deixaram claro o quão inadequados podem ser os aumentos antecipados de juros.  Ao se constatar o choque de combustíveis, por exemplo, muitos apontam para uma decisão de julho de 2008.

Naquela época, o Banco Central Europeu (BCE) elevou a sua taxa básica para combater um processo inflacionário iniciado por um aumento nos preços do petróleo, em um momento em que a economia do continente já se encontrava em recessão.  Em 2011, o mesmo erro na condução da política monetária, jogando a Europa novamente no abismo.

Expectativas

Poderia um pesquisador do Federal Reserve (Fed) mudar essa mentalidade? 

Esse é exatamente o caso de Jeremy Rudd, que virou pelo avesso o conceito de que são as expectativas dos agentes econômicos que determinam a inflação, tornando-a, portanto, uma “profecia autorrealizável”.

Dito de outra forma, se funcionários e empresas esperam custos mais altos no futuro, ambos pedirão, respectivamente, salários e preços mais altos.  Assim, caberia aos bancos centrais “quebrar” essa expectativa via juros, controlando então a inflação.

Curto prazo versus longo prazo

Rudd, que estuda o tema há pelo menos 20 anos, defende que esse pensamento não se sustenta. 

Se as expectativas são formadas tendo os próximos meses como referência, como poderiam os bancos centrais decidir para os anos seguintes (o que, para o Banco Central do Brasil especificamente, se chama de “horizonte relevante da política monetária”)?

O pesquisador vai além.  Antes da pandemia, ganhos de produtividade decorrentes da globalização mantiveram custos e salários bastante competitivos.  Por conta disso, uma inflação mundial persistentemente baixa levou, consequentemente, a expectativas mais contidas.

Seu trabalho então conclui que tanta atenção às expectativas pode levar a erros grosseiros.  Inicialmente, porque são os preços verificados nas prateleiras que importam e, não havendo grandes oscilações, as pessoas de um modo geral ignoram o que os bancos centrais fazem.

Como as crises mais recentes têm demonstrado, são nas situações extremas que as autoridades monetárias afirmam a sua credibilidade, determinando a forma como os agentes econômicos os enxergam.    

Digerindo os dados

O que a pandemia evidenciou é que situações novas exigem respostas novas.  Não seria então o caso de se rever os modelos atuais, levando em conta as principais questões que afetam o cenário macroeconômico?

Para responder essa pergunta, nada melhor que a coleta e a interpretação de dados em tempo real.  Se as empresas de tecnologia já exploram esse serviço, por que não usar boa parte dessas informações para avaliar o estado da economia?

Como os dados oficiais (PIB, índice de desemprego, entre outros) são divulgados com atraso e estão sempre sujeitos a revisões, a constatação óbvia é que outros tipos de dados se fazem necessários. Isso vale inclusive para o Brasil. Com o contingente de trabalhadores “por conta própria” crescendo, como incluí-los nas estatísticas?

Percebe-se que chegamos à “terceira onda” da economia.  A primeira começou no século XVIII com Adam Smith e o seu trabalho teórico.  A segunda, por sua vez, surgiu com o Keynesianismo e a sua respectiva reversão, tal como defendida por Milton Friedman.  

Torre de marfim

Os principais bancos centrais do mundo acordaram para essa realidade.  Dentro das “torres de marfim”, computadores processam dados como os de mobilidade e de transações financeiras, permitido acompanhar tendências de maior ou menor consumo, por exemplo.

Isso se encontra inclusive dentro de um projeto maior, as moedas digitais emitidas por governos (govcoins), algo que teoricamente poderia mostrar absolutamente tudo sobre como a economia funciona.

O resultado dessa mudança é que, em vez de decisões de juros que impactam a economia após um período de um ano e meio, surgiriam ações imediatas e direcionadas como a concessão de crédito a grupos que atendam a determinados critérios. 

Algo como medidas macroprudenciais substituindo burocráticos e, muitas vezes, ineficazes programas governamentais.

Conclusão

A digitalização permitiu que a tecnologia avançasse para novos setores da economia, gerando um grupo de dados riquíssimo, não só para as empresas, mas também para a elaboração de modelos macroeconômicos usados para subsidiar as decisões de banqueiros centrais.

Consequentemente, o que se espera é uma política monetária melhor para gerir uma economia mundial que mudou.  Dadas às inúmeras interações entre os seus agentes, instrumentos que indiquem causalidade se tornaram imprescindíveis.

Esse avanço criou uma nova forma de se pensar a macroeconomia, com usos bastantes práticos para endereçar problemas reais.  Não por outro motivo, o tema vencedor do Prêmio Nobel de Economia desse ano (metodologia para se estabelecer causa e efeito no teste de determinada hipótese).  Mas isso já é assunto para outro artigo.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.