Plataformas digitais podem tomar espaço dos grandes bancos
Segundo estudo do Morgan Stanley, já há 40 corretoras digitais em atuação no Brasil
Com a Selic em um dígito incentivando o aumento da diversificação das aplicações no País, as plataformas de investimento, que funcionam como um "marketplace" de fundos e outras opções alternativas à renda fixa, disputam uma corrida para garantir um lugar ao sol em um mercado que promete dobrar de tamanho em poucos anos.
A projeção, considerada conservadora, é de que esse mercado poderá superar R$ 160 bilhões em receitas até 2025. Com um mercado em franca expansão, o palco engloba uma disputa aberta entre XP e BTG Pactual por escritórios de agentes autônomos.
No entanto, há uma série de outros negócios que ocorrem paralelamente, como mostra a oferta inicial de ações (IPO, pela sigla em inglês) recente do Modalmais. Além disso, há grande expectativa em torno da movimentação do maior banco digital do mundo em clientes, o Nubank, após a aquisição da corretora Easynvest.
Esse segmento fatura hoje mais de R$ 70 bilhões por ano, segundo estimativas de mercado.
A questão é que, mesmo com o crescimento das plataformas, que conseguiram tirar dos bancos tradicionais bilhões investidos pelos clientes, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Caixa Econômica Federal ainda concentram 80% dos recursos no País. Mas o domínio já foi maior, tendo chegado a 90%.
Além desse montante, há cerca de R$ 1 trilhão ainda na poupança - é um volume de dinheiro que salta aos olhos dos entrantes nesse mercado.
Segundo estudo do Morgan Stanley, elaborado em 2020, há cerca de 40 corretoras digitais no Brasil. Esse mercado vai continuar em um movimento de novos entrantes e de consolidação por fusões e aquisições.
"A combinação de ferramentas de autoatendimento fáceis de usar, taxas menores, requisitos mais baixos de investimento e uma oferta mais robusta de produtos permitiu que novos participantes desenvolvessem ofertas mais atraentes e completas", diz o relatório do Morgan Stanley.
O crescimento desse mercado, na visão do banco, terá suporte nos próximos anos na migração de investimentos para ativos de maior risco - a participação desses ativos deve saltar de 10%, atualmente, para 40% até o fim da década.
Oportunidade
A XP foi a primeira a perceber o vácuo deixado pelos grandes bancos. A corretora fez relacionamento com muitos ex-gerentes de bancos, que se tornaram agentes autônomos - esses profissionais se transformaram em seu principal pilar de crescimento.
A corretora passou a oferecer uma gama de produtos de diversas gestoras aos clientes, algo que era absolutamente distante da concorrência, que oferecia apenas os "produtos da casa", com um leque bem mais limitado. Para o Morgan Stanley, a XP deve se apropriar de 20% desse mercado em 2025.
Patamar
Hoje, o Brasil tem 3,7 milhões de pessoas físicas investindo em ações, ante 600 mil no fim de 2018.
Esse crescimento, obviamente, aumentou o interesse pelo setor. Segundo Bruno Diniz, sócio da Spiralem, consultoria de inovação para o mercado financeiro, a "guerra" entre XP e BTG pelos agentes autônomos é só um capítulo dessa briga pelos novos investidores.
O Nubank, que recentemente anunciou ter alcançado a marca de 40 milhões de clientes e passou a ser avaliado em US$ 30 bilhões, quer um pedaço desse mercado.
Especialistas apontam que, se esse for seu foco, sua presença tem todo o potencial para crescer. "Eles podem trazer um toque diferente a esse mercado. Eles têm toda condição de fazer isso, visto que possuem uma base fiel de clientes", diz Diniz.
Fora isso, o banco digital tem cada vez mais musculatura e dinheiro para ser agressivo em suas empreitadas.
Acabou de anunciar, por exemplo, que o fundo Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett, comprou uma fatia da empresa por US$ 500 milhões. Se já tivesse ações negociadas em Bolsa, o banco valeria hoje mais do que a XP, que é listada na Nasdaq, e não estaria longe do total do BTG.
Uma abordagem mais tecnológica, afirma Diniz, poderá trazer novos investidores, como fez nos Estados Unidos a corretora Robinhood: com uma proposta de tornar as transações mais fáceis e mais próxima de games, a instituição trouxe investidores mais jovens ao mercado.
"Já liberamos mais de 40 milhões de clientes das complexidades financeiras e agora queremos fazer isso no setor de investimentos. Vamos replicar o modelo Nubank de levar simplicidade e eficiência para as pessoas, usando tecnologia e design", diz o líder da área de Investimentos do Nubank e CEO da Easynvest By Nubank, Fernando Miranda.
Um dos focos, diz o executivo, é justamente o dinheiro "esquecido" na poupança.
Pelas beiradas, outro banco digital, o Inter, está mordendo um pedaço desse mercado e já mirou seu foco nos investidores fora do segmento "private", conta Felipe Bottino, que assumiu o comando da Inter Invest no começo deste ano.
Um dos objetivos, sem prazo definido, é elevar o total de 1,5 milhão de clientes para 10 milhões de investidores.
Quem entende desse mercado diz que a concorrência vai aumentar. "A arena do mercado de investimento aumentou muito, e isso deve atrair novos players", diz o diretor de relacionamento e pessoas físicas da B3, Felipe Paiva. Para ele, a entrada dos bancos digitais no mundo dos investimentos tem tudo para ajudar o total de investidores em Bolsa a dar um novo salto.
Grandes bancos: novos investimentos
Os bancos tradicionais não assistem parados ao ganho de poder das corretoras e dos bancos digitais. O Credit Suisse, tradicionalmente focado nos investidores mais abastados, investiu na plataforma Modalmais, que acaba de abrir seu capital.
O Santander anunciou a compra do controle da Toro Investimentos, e o Bradesco repaginou a Ágora, para reforçar sua plataforma 100% focada em pessoas físicas.
Já o Itaú, que está se desfazendo de sua participação na XP, também tem se mexido para reforçar sua plataforma. Se no passado os bancos tinham no "menu" apenas produtos da casa, agora já têm uma prateleira diversificada.
No mercado, apesar de as rivais estarem se movimentando, o BTG é visto o único com mais poder de fogo para engatilhar maior concorrência à XP e conseguiu armar uma estratégia para atrair os grandes escritórios de agentes de investimento.
O banco pode oferecer a compra de uma fatia minoritária e ajuda para a empresa a se tornar corretora, modelo que atendia a uma demanda dos sócios desse segmento.
Dona da liderança desse mercado, a XP também tem reagido. Fez propostas de sociedade a escritórios de agentes autônomos que querem virar corretora, reagindo a movimentos do BTG sobre seus parceiros. A XP afirma, porém, que, quando um escritório sai de sua base, apenas 20% dos recursos sob gestão migram com ele.
O diretor executivo de gente, gestão e estratégia da XP, Gabriel Leal, afirma que a trajetória da XP escancarou o valor desse mercado e é natural que essa visibilidade traga maior competição. "Nós começamos de fato esse mercado e ele ainda tem oportunidades enormes.
A concentração nos grandes bancos diminuiu, mas ainda é de cerca de 80%", comenta. Para fazer frente à competição crescente, uma das ofensivas tem sido a de agregar produtos bancários aos clientes, como conta digital e cartões. "A ideia é ter uma instituição financeira completa."
Máquina de aquisições
Depois de fechar dez aquisições para fortalecer sua plataforma de investimento e captar mais R$ 3 bilhões em uma oferta de ações, a terceira em um ano, o BTG Pactual seguirá analisando oportunidades no mercado para crescer.
No entanto, os grandes movimentos já ocorreram, segundo o sócio da instituição financeira Marcelo Flora, responsável pela plataforma do BTG.
"Estamos olhando muita coisa, temos um pipeline muito forte, mas a gente tende, naturalmente, a ser mais seletivo", explica Flora. Além de ter atraído grandes escritórios de agentes autônomos antes plugados à XP, há duas semanas o banco fechou a compra da Universa, dona da casa de análise Empiricus e da gestora Vitreo.
Para o executivo, o potencial do mercado de investimento ainda está no início. "Conseguimos entender o tamanho da oportunidade para morder um pedaço dessa pizza", diz Flora, lembrando que o banco investiu R$ 1 bilhão em tecnologia para aproveitar o boom do mercado.
"Acho que conseguimos entender que havia uma mudança macro, uma mudança de placas tectônicas que por um conjunto de razões poderia tornar nosso ambiente de negócios mais favorável”, ressalta.
Apetite
Mesmo que a disputa mais notória entre XP e BTG tenha estado no centro das atenções, outras plataformas surgem com novas propostas. Nesse grupo está a sim;paul, lançada em dezembro.
A ideia, segundo João Silveira, cofundador e presidente da empresa, foi trazer algo diferente ao mercado, com mais transparência na remuneração do cliente e uma relação mais vantajosa para os assessores de investimento, frisa o executivo, que é ex-presidente da PAR Corretora de Seguros e da Wiz Soluções.
No modelo da empresa, a receita gerada para a plataforma pelo consultor é transformada em pontos que podem ser trocados por ações da companhia em um evento de liquidez, nas mesmas condições dos controladores.
Tal evento de liquidez pode ser, por exemplo, uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). "Estamos no início de uma revolução do mercado financeiro", afirma Silveira. / com Agência Estado