O BRICS e a nova geopolítica mundial
BRICS têm novos integrantes. Entenda o caso.
A geopolítica importa e isso ficou mais evidente do que nunca nos últimos tempos. Sai de cena o crescimento mundial via a globalização, movimento predominante entre os anos de 1990 e 2010, e entra a construção de uma teia com motivações distintas.
Desvendar as relações internacionais traz à luz dos fatos uma série de questões. Não é difícil de entender a dinâmica atual quando se observa que 60 dos 150 maiores países do mundo são aliados dos EUA.
A forma como essas alianças são forjadas e as leis impostas, na tentativa de se alcançar determinado objetivo, faz parte do chamado jogo de poder. Entre sorrisos e apertos de mão, cada um “neutraliza” suas deficiências oferendo “vantagens comparativas” em troca, definidas pela sua geografia, seu clima e suas riquezas naturais.
Origem do BRICS
No início do século XXI, havia uma expectativa muito grande em torno do crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China (os respectivos “B”, “R”, “I” e “C” do BRICS), o que compensaria inclusive o fraco desempenho esperado para a Europa, focada na implementação do euro.
A ideia de um fórum específico que os representasse avançou, sendo que o primeiro grande evento do grupo foi em 2009, antes da África do Sul (South Africa, o “S” do BRICS) ingressar em 2010.
Porém, ao longo da década seguinte, Brasil, Rússia e África do Sul passaram a ficar para trás, à medida em que cresciam apenas 1% ao ano em média, enquanto Índia e China apresentavam números seis vezes maiores.
Falta de convergência
O desafio de acomodar países tão diferentes sempre foi uma questão relevante, levando-se em conta seus sistemas políticos (democracias e regimes que não contam com eleições), poder econômico e força militar.
O que dizer então de suas economias? O PIB per capita da Índia é equivalente a 20% do PIB per capita da China ou da Rússia. Enquanto a China administra o seu câmbio, os demais já desistiram dessa ideia (há tempos que não se fala em intervenção cambial no Brasil).
Apenas Rússia e Brasil exportam petróleo, sendo que os demais são altamente dependentes de importações.
Novo formato
O ano de 2023 representou a 15ª reunião do grupo, já transformado pelas recentes rupturas geopolíticas. Na pauta do dia, a adesão de países que, em outras circunstâncias, sequer seriam cogitados (Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia).
Difícil saber o que defenderá em sua versão mais abrangente, dado que não há qualquer critério formal para entrar. Uma moeda comum e a criação de um novo banco central, a exemplo do Banco Central Europeu (BCE), com todos os sacrifícios que uma decisão como essa impõe?
Até pouco tempo atrás, o BRICS servia como um fórum para expor o descontentamento com o arranjo global vigente, baseado no Fundo Monetário Internacional (FMI), no Banco Mundial e nas Nações Unidas (ONU), com o seu restrito Conselho de Segurança (ainda que Rússia e China sejam membros permanentes), e que concentra demasiadamente o poder.
Maior peso no PIB global
A verdade é que muita coisa mudou desde então. Se no início dos anos 2000 o grupo representava 8% do PIB global, hoje já se fala em 26%. A título de comparação, durante esse mesmo período, o G7 perdeu participação, saindo de 65% para 43%.
Isso quer dizer que até mesmo os retardatários se destacam em seus respectivos continentes, o que lhes confere certo poder de influência junto aos seus vizinhos. Isso não deixa de ser estratégico para a China, responsável por 70% de tudo que o grupo produz.
Clones
Dinheiro não falta para fomentar planos tão ambiciosos. O BRICS possui os seus próprios clones do FMI e do Banco Mundial, citados anteriormente. No primeiro, foi capaz de criar um mecanismo (“swap”) onde os bancos centrais garantem acesso a moedas fortes no caso de crises em balanços de pagamentos. Além disso, empresta, desde que o FMI (original) também tenha emprestado.
O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), por sua vez, já concede crédito para países como Bangladesh, dado que não é preciso ser um país membro para ter acesso a financiamento. Ainda assim, os empréstimos são feitos em dólares norte-americanos ou euros, minando qualquer esforço de diminuir a dependência dessas moedas.
Tudo indica o desejo de apenas trocar de lado na mesa de negociações. Os cinco membros originais possuem 55% do poder de voto no banco. Os seis restantes, que serão membros a partir de 2024, aportarão recursos, com pouca margem para decidir sobre o seu destino.
Conclusão
Qualquer ordem global que predomine daqui pra frente não surgirá do nada. Ela é o resultado de anos de trabalho de política externa. Da mesma forma, não se mantém por inércia, exigindo dinheiro e esforços contínuos.
Acertar a fórmula não é das tarefas mais fáceis. O poder para dar as cartas (influência geopolítica) depende essencialmente da força econômica. Manter esse “status” ao longo do tempo pode ser um problema quando se leva em conta a natureza cíclica da economia.
Simbolismo
A adesão de novos membros terá um efeito mais simbólico do que prático, dado que a China precisa endereçar os seus próprios problemas.
No campo externo, seu grande projeto (Belt and Road Initiative) esbarra em alguns fatores, como o veto pelas populações locais, receosas com os impactos ambientais, o custo político de se empregar chineses, em detrimento da mão de obra disponível, além do fato da China não se ver obrigada a conversar com outros credores internacionais nas renegociações de dívida externa.
Para os demais, resta saber quais vantagens obterão, sejam elas em termos de novos investimentos (acesso a novas tecnologias) ou na forma de novos financiamentos (dinheiro em melhores condições, haja vista as altas taxas de juros no mundo).
Independentemente do empenho de cada um, a verdade é que o desenvolvimento econômico vem acompanhado de reformas, o que implica em deixar para trás o antigo modus operandi (jeito de funcionar) e fazer escolhas, pelo líder (no caso das monarquias e dos regimes autoritários) ou pela sociedade (no caso das democracias).
Com tantos interesses em jogo, escolher um nome mais adequado para o grupo já seria um bom começo.