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Light: entenda o caso, saiba como será a recuperação judicial e o destino da empresa

Saiba tudo que aconteceu com a Light desde o início de 2023 e o que esperam os especialistas para os próximos passos da recuperação judicial da empresa

Data de publicação:19/05/2023 às 08:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Desde janeiro, com a descoberta de “inconsistências contábeis” da Americanas, o mercado aguardava quem seria o próximo protagonista em uma crise de crédito. 

Quando se aventou as dificuldades da Light, alguns cogitaram se tratar da mesma situação. 

Um dos maiores problemas enfrentados pela Light é o furto de energia através de “gatos”

Especialistas, contudo, são unânimes em dizer: os problemas da Light vêm de muito antes. 

O que aconteceu com a Light?

Em relatório de fevereiro, a XP contextualizou uma das maiores dificuldades da empresa: a perda de energia devido a “gatos”.

O mesmo motivo é apresentado por Max Mustrangi, sócio-fundador da Excellance - Gestão de Turnaround e Reestruturação: “a Light tem um problema estrutural, obviamente que a crise que está tendo agrava, mas não é causa.”

Além disso, no balanço do 3° trimestre de 2022 a empresa apresentou aumento de 21% da dívida líquida e dificuldades atreladas ao combate das perdas de energia. 

“O combate às perdas, que requer volumes relevantes de investimentos por parte da companhia, além da inadimplência, são entraves à redução do endividamento e alavancagem”, explica a XP. 

Todos esses fatores colocam em risco o que poderia ser a tábua de salvação (pelo menos, no momento) para a empresa: a renovação do contrato de concessão da Light Serviços de Eletricidade S.A. (Light SESA), que vence em 2026. 

“Tem que ver se o estado do Rio de Janeiro vai conceder essa renovação para uma empresa que está na situação que está. Ou se haverá um novo leilão para tentar trazer alguém para dentro que tenha melhor condição financeira ou até em outros termos", pontua Mustrangi.

Enfrentando todos esses pontos, agravados pela questão do crédito, a Light contratou, em 31 de janeiro, a consultoria Laplace Finanças, em busca de estratégias para as finanças da empresa, em especial a estrutura de capital. 

Rebaixamento de notas

Em paralelo à contratação da consultoria, que já acendeu um alerta no mercado sobre a real situação da concessionária, no início de fevereiro a empresa teve seus ratings revisados e rebaixados por diversas agências de classificação de riscos. 

No dia 2 de fevereiro, a Fitch rebaixou os ratings da empresa e suas subsidiárias de BB- para CCC+, em escala global, e AAA- para CCC em escala nacional, de acordo com a XP. 

No dia seguinte, foi a vez da S&P rever a classificação da Light, também com rebaixamento. Essa foi a mesma postura da Moody's Global, assim como a Moody's Local em 7 de fevereiro. 

Rumores de RJ

Não demorou muito para que notícias passassem a sugerir que a Light entraria, logo, com pedido de recuperação judicial. E a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) realizou questionamento formal à empresa sobre a possibilidade. 

Via comunicado ao mercado, em 8 de fevereiro, a empresa negou estar em vias de pedir recuperação judicial. A notícia foi festejada pelo mercado e gerou alta nas ações da Light, no momento. 

Os papéis da companhia passam por queda de mais de 47% nos últimos 6 meses. 

Justiça do Rio congela dívidas da Light; entenda o que acontece

A Justiça do Rio de Janeiro acatou em 12 de abril o pedido da Light (LIGT3), distribuidora de energia elétrica no Estado do Rio, para a suspensão de pagamento de todo serviço de suas dívidas, incluindo principal, juros, amortizações e multas. 

A empresa havia ingressado com ação cautelar de urgência e na decisão, os pagamentos ficam suspensos por 30 dias, prazo prorrogável por igual período.

Com a medida, a empresa deixa de cumprir com seus compromissos imediatos sem que isso lhe traga outras punições. Ela deixa de amortizar, por exemplo, R$ 435 milhões de debêntures que estão vencendo nesta semana. 

Em junho, terá mais R$ 300 milhões a quitar, e o valor total para os próximos meses chega a R$ 1,3 bilhão.

Debenturistas pedem suspensão de decisão que permitiu adiamento de pagamento pela Light

Um grupo de três grandes gestoras - AZ Quest, Arx e JGP -, representando seus fundos de investimento, pediu na Justiça a suspensão da decisão que deu à Light  (LIGT3)o direito de adiar o pagamento de debêntures. 

O pedido de suspensão ajuizado em 17 de abril pelos três gestores enfatiza que representa "milhares de investidores individuais, inclusive pensionistas, que aplicaram seus recursos nos mencionados fundos".

E afirma que o benefício garantido à Light "não foi utilizado como verdadeiro mecanismo de socorro da empresa, mas uma forma de obter vantagem indevida na negociação com os seus credores".

Light entra com pedido de recuperação judicial; dívidas somam cerca de R$ 11 bilhões

Quase três meses após a contratação da assessoria financeira Laplace, a Light entregou, em 12 de maio, seu pedido de recuperação judicial. 

A companhia informou por meio de fato relevante, divulgado no mesmo dia, que as obrigações que eventualmente poderão ser renegociadas por meio da recuperação judicial somam cerca de R$ 11 bilhões. Aproximadamente R$ 7 bilhões estão com detentores de debêntures e R$ 3,1 bilhões em títulos de dívida no exterior (bonds).

Gestora WNT compra 15% da Light na véspera de anúncio de recuperação judicial

Na noite de quinta, 11 de maio, os acionistas e mercado foram notificados da compra de 15,21% da Light (LIGT3) pela WNT Gestora de Recursos, via fato relevante.

Nesta sexta, 12 de maio, um novo comunicado da companhia do setor elétrico informava a entrada com pedido de recuperação judicial, por dívidas superiores a R$ 11 bilhões.

Na justificativa da aquisição, a gestora afirmou que o objetivo era “aumentar a exposição dos fundos de investimento sob sua gestão à Companhia”. 

O comunicado refuta, ainda, a possibilidade de ter havido qualquer acordo ou contrato referente ao exercício de direito de voto ou compra e venda de valores mobiliários emitidos pela Light. 

Light: Quais são e como estão os fundos mais carregados de debêntures e ações da empresa

O pedido de recuperação judicial da Light S.A não chegou a pegar o mercado totalmente desprevenido. Vários sinais já haviam sido dados pela empresa nessa direção, mas também não deixou de impactar os ativos. 

A Mais Retorno preparou um estudo sobre os fundos com as maiores posições em ações e debêntures da companhia.

O que mais chamou a atenção no processo, no entanto, foi o fato de a controladora do Grupo Light ter entrado com a solicitação na Justiça (e não a concessionária de serviços públicos), e a compra de 15% do capital da empresa (LIGT3) pela gestora de fundos WNT na véspera.

Crise da Light é 2º golpe na imagem de Sicupira

A dívida de R$ 11 bilhões da Light, informada no pedido de recuperação judicial da empresa, é o segundo golpe na reputação de Beto Sicupira, um dos maiores acionistas da Americanas.

Os credores vão desde pequenos negócios a acionistas minoritários, investidores debenturistas e passivos trabalhistas. Sicupira, de 74 anos, tem 10% de participação na Light.

O investidor e empresário, que integra o 3G Capital ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, já perdeu mais de 80% do investimento feito na empresa.

Sicupira comprou 30 milhões de ações da Light em outubro de 2020, pelo valor de R$ 550 milhões. Hoje, o valor é de R$ 110 milhões. A perda é de R$ 440 milhões.

Grupo de 26 gestoras compradas de Light lança carta aberta

Um grupo formado por 26 gestoras entre as quais a JGP, AZQuest e ARX, lançou uma carta aberta nesta quarta-feira, 17, para comunicar que seguirão defendendo o direito dos 3 milhões de cotistas que adquiriram debêntures da Light Sesa e da Light Energia, os quais têm R$ 5 bilhões desses papéis.

O grupo promete ainda seguir defendendo a lei e a “abordagem construtiva de uma solução junto a todas as partes interessadas”, sem prejuízo das obrigações financeiras da empresa com seus credores.

O que acontecerá agora com a Light?

Para Mustrangi, a rentabilidade da Light já demonstra, há anos, perda consistente. “É mais uma empresa que não faz a tarefa de casa”, explica o especialista. 

“A empresa posterga ações de atacar o alvo do problema, nega o problema, sempre mostrando o lado bonito de indicadores que não servem para nada. Até a hora que explode”, entende o sócio da Excellance. 

Em sua visão, os problemas estruturais ultrapassam, em muito, qualquer dificuldade proveniente de juros altos ou maior dificuldade de obtenção de crédito. 

“Os problemas estruturais da Light não foram agravados pela crise de crédito. Com ou sem crise de crédito, ela está em uma situação muito difícil, talvez alguns eventos podem ter dificultado ela financiar um pouco mais o capital de giro dela”, afirma o especialista. 

O que pode ter acontecido, de fato, é uma antecipação do problema, no entendimento de Mustrangi, mas a dificuldade de financiar o capital de giro estaria presente de qualquer forma. 

O que acionistas e debenturistas podem esperar? Para o especialista, em um primeiro momento, há discussão se o processo de recuperação judicial (RJ) será sequer aceito. Isso porque existe a dúvida se empresas concessionárias podem pedir RJ. 

 “Meu claro entendimento é que a Light é uma empresa privada, ainda mais a holding que pediu RJ e presta serviço público, assim como o Aeroporto de Viracopos, CCR, Galeão, eles podem pedir RJ, são empresas privadas e eu acho que isso aqui será aceito”, opina o especialista. 

Uma vez o processo aceito, segundo Mustrangi, há dois pontos a serem considerados: a capacidade da empresa de para pagar a dívida, em especial considerando o nível estrutural de perda. Seria necessário alterar o modelo de negócio ou alguma maneira para garantir o recebimento, de acordo com ele. 

O segundo ponto a ser analisado é a renovação ou não da concessão junto ao Estado do Rio de Janeiro, que poderia decidir os próximos passos para a empresa. 

“O que eu acho que pode acontecer para o investidor é imaginar se receberá alguma coisa e quando, mas que vai ter perda, vai ter”, conclui Mustrangi. 

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Sobre o autor
Camille BocanegraRepórter da Mais Retorno