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Falência do Silicon Valley Bank é também a derrocada do venture capital

Os investimentos de maior risco em empresas chegou a US$ 638 bilhões em 2021, com queda de 67% em 2022, com inflação e juros altos nos EUA

Data de publicação:14/03/2023 às 08:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Silicon Valley Bank (SVB), com ativos da ordem de US$ 200 bilhões, foi fechado na sexta-feira, 10 de março, após uma sequência de notícias negativas. Inicialmente, um prejuízo de US$ 1,8 bilhão. Logo depois, uma oferta de ações para levantar R$ 2,5 bilhões.

Os preços de suas ações caíram 60%, desvalorizando-se ainda mais quando se constatou que eram mínimas as chances de alcançar o seu objetivo, conforme os correntistas corriam para transferir os seus recursos.

Banco sofreu com startups sem dinheiro e desvalorização dos títulos - Foto: Divulgação

Até então, o SVB era uma referência em serviços financeiros para startups, tendo se diferenciado da concorrência por meio de sua expertise dentro do ecossistema do Vale do Silício. 

Abria contas e emprestava para aqueles que eram recusados pelos demais, seja em função do seu porte, seja em função da baixa qualidade de suas garantias.

O boom do venture capital 

Os investimentos em venture capital (vc) alcançaram US$ 638 bilhões entre os anos de 2012 e 2021, conforme novos agentes alocavam recursos em companhias promissoras, mas arriscadas. 

Ao longo do tempo, fundos especializados ganharam a companhia dos braços de inovação de multinacionais, além dos fundos hedge e soberanos em busca de novos ganhos. 

Apesar de se tratar de um nicho onde apenas 10% das empresas vingam, o mundo dos juros baixos e ativos já bastante valorizados justificava a briga. Afinal, dados históricos apontavam que 70% das empresas globais tinham crescido por meio de aportes dos fundos de vc.

O resultado não poderia ser outro. Conforme fundos e startups recebiam mais recursos de novos investidores, depositavam o excedente em bancos como o SVB, que então os emprestava para outras ou, na sua ausência, os aplicava em papéis para que pudesse rentabilizar sua atividade.

Essa dinâmica parecia funcionar bem até o início da guerra na Ucrânia.

Inflação e juros altos

No último trimestre do ano passado, o valor destinado a startups já era 67% inferior quando comparado a 2021, ano em que mais da metade dos potenciais unicórnios levados a mercado sequer apresentava lucro, muito em função do seu modelo de gratuidade e da necessidade de alto crescimento desse tipo de negócio.

O ambiente macroeconômico já não era mais tão favorável dadas as altas taxas de juros. Isso trouxe uma certa racionalidade a um setor caracterizado pela cultura de excessos, a entrada em setores nem sempre viáveis, além da constante ameaça de novas leis e impostos. 

O efeito de rede (“network effect”), onde o valor percebido de um bem ou serviço cresce conforme o número de usuários, perdeu a sua mágica. Preços e custos de financiamento mais altos reduziram o poder de consumo das pessoas. 

Consequentemente, a fonte para bancar novas ideias secou, da mesma forma que os papéis de renda fixa (bonds), onde os bancos alocavam os recursos, refletiam nos seus preços o novo custo do dinheiro. 

O Silicon Valley Bank se encontrou duplamente exposto: as startups, com menos dinheiro vindo de investidores, passaram a sacar de suas contas. Para honrar os saques, vendia os títulos de sua carteira por valores inferiores aos inicialmente pagos.

Sem turistas

Uma realidade macroeconômica totalmente nova fez com que os “turistas” pulassem fora. 

Com a queda do índice Nasdaq, um efeito secundário foi derrubar o valor de empresas que sequer faziam parte dele. Muitas estratégias deixaram de fazer sentido, como formar carteiras diversificadas de startups.

Os fundadores também já não tinham interesse em vender os seus negócios para investir em pedaços de outros. Conforme novas rodadas de investimentos se tornavam necessárias, inevitavelmente eram diluídos em suas participações.

Ciranda financeira

Com o tempo, a indústria de venture capital deixou de fazer o trabalho de campo para apenas fazer o dinheiro “trabalhar”.

Se antes os recursos ficavam nas investidas por anos, eles passaram a circular mais livremente entre elas, tornando as empresas do setor nos shopping centers do crédito ou em meras gestoras de recursos.

Já as negociações entre fundos concorrentes ocorriam por outras motivações, conforme novos ativos e players (uma consequência de vários anos de juros baixos) eram adicionados ao ecossistema. 

Salve-se quem puder

No caso do SVB, seus problemas foram agravados pelos mesmos agentes que participavam da rotina das companhias de tecnologia.

Diferentemente de uma corrida bancária comum, onde pessoas leigas temem pelas economias de uma vida inteira depositadas em um banco com dificuldades momentâneas, os próprios gestores de venture capital orientaram as startups a retirar o dinheiro.

Até o momento, calcula-se que 93% dos depósitos não estejam cobertos pelo seguro semelhante ao nosso Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que garante até US$ 250 mil, haja vista a grande base de correntistas empresariais.

Um outro receio era a hipótese de mais instituições financeiras estarem em condições semelhantes, com carteiras de títulos cujos valores são inferiores aos preços de aquisição, o que propagaria os danos. 

Nesse caso, seriam mais bancos liquidando posições com prejuízo para honrar novas ondas de saques, algo que o banco central norte-americano (Fed) pretende evitar via linhas especiais de crédito.

Conclusão

Com os ganhos minguando, sobrou pouco capital para se reinvestir em outras oportunidades. Paralelamente, por refletirem as condições de mercado, as ações deixaram de ser o mecanismo ideal para dar saída aos investimentos que permanecem “retidos”, sem qualquer liquidez

Ainda no ano passado, um fundo hedge chegou a ter algo em torno de 70% a 80% de seus recursos em caixa, indicando a enorme dificuldade para alocar. A volatilidade não ajudava nem mesmo as candidatas que já se encontravam aptas para a listagem em bolsa.

Por conta disso, muitos estão focando nas opções mais óbvias: empresas que se destacam em inteligência artificial, desde que apresentem soluções de cunho prático, tecnologias “climate friendly” ou seja, não conflitantes com as metas climáticas, e manufatura de alta complexidade, dado o movimento de protecionismo e o ressurgimento da política industrial.

Considerando o tamanho de muitos fundos soberanos, abastecidos com a riqueza do petróleo e geridos com interesses nacionais em mente, a distância entre empresa e investidor pode ter se reduzido a um mero corredor, bem longe do Vale do Silício.

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Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.