Ações do Inter perdem 23,56%, em dois dias, após migrar para a Nasdaq; saiba o que acontece
Alta da inflação e dos juros americanos não favorece empresas de tecnologia
Nos dois dias que se seguiram à estreia na Nasdaq, após o processo de migração para a bolsa americana, as ações do banco Inter acumulam uma queda de 23,56% (12,56%, no dia 23, e 9,77%, dia 24). O que acontece com os papeis, na largada da fintech no mercado americano?
Para especialistas, a migração ocorre em um momento desfavorável para as companhias com viés em tecnologia, por causa do cenário de alta dos juros. Não apenas nos Estados Unidos, mas em escala global.
A saída da B3 para a bolsa americana em meio a um processo de aperto monetário nos EUA “não foi um timing muito assertivo”, avalia Charo Alves, especialista da Valor Investimentos.
É um momento de alta forte dos juros, promovido pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano), e “os ativos de tecnologia e de empresas de crescimento negociados lá fora são os players que mais estão sofrendo com esse aperto monetário”.
O especialista diz que a ideia que moveu o Inter em direção à bolsa americana foi diversificar o portfólio de investidores, para não ficar focado só no Brasil. A estratégia, segundo ele, visa à ampliação do leque de CPFs para que o banco possa crescer em número de clientes atuantes.
A ideia de transferência é boa, o que não é bom é o momento, avalia. “Enquanto a inflação e os juros altos estiverem assolando a economia americana”, o que tende a travar o crescimento principalmente das empresas do segmento de tecnologia, “o cenário será muito ruim para os ativos do banco no curto e médio prazo”.
“A migração para os EUA é positiva”, compartilha Gustavo Pazos, analista do time de research da Warren. Principalmente pelo nicho de mercado. Ele comenta que o investidor americano mira empresas de alto e acelerado crescimento. “Basicamente, empresas que pegam seus lucros e os reinvestem em si mesmas, com o objetivo de crescer mais.”
A distribuição de dividendos aos acionistas não é o foco principal de grandes companhias com esse perfil, “em que aparecem as famosas como Tesla, Facebook e PayPal”, esta do setor financeiro americano. Perfil em que se amolda também o banco Inter, acredita. “O investidor e o mercado americano estão acostumados com isso.”
Pazos avalia que a migração para a Nasdaq não muda os fundamentos da fintech. “É um movimento que apenas aproximou o banco de investidores que estão pouco mais alinhados e acostumados com a tese dele.”
Uma forma, diz Pazos, de rentabilizar mais o banco, de buscar crescimento em cima de uma base menor de clientes, mas que gere mais receita. Um modelo de atuação dos grandes bancos, os bancões, “que, com base menor de clientes, costumam gerar em média dez vezes mais receita que as fintechs”, compara.
A ideia que norteia a iniciativa do banco é correta, mas o pano de fundo dessa migração, “o momento macroeconômico, é bastante desfavorável para o Inter”, avalia. Por dois motivos, aponta: a incerteza com a economia americana, sob ameaça de recessão local e global, e ainda a perspectiva de escalada da inflação e dos juros.
Embora o investidor americano esteja acostumado com as teses de crescimento, “estamos em um momento que o mercado tem preferido o que os analistas definem como empresas de valor”, afirma. De forma geral, companhias sólidas e boas pagadoras de dividendos.
“Vemos muitos investidores fazendo rotation, migrando de empresas tech para companhias com fluxo de caixa maior e mais previsível que possa gerar mais renda e dividendos”, afirma Vitorio Galindo, analista de investimentos CNPI. “Ou até mesmo uma geração de caixa que aguente passar por períodos desafiadores de juros mais altos e inflação.” E isso tem feito a Nasdaq cair e sofrer muito, também, reforça o analista.
Essa preferência do mercado e de investidores por empresas com esse perfil é um dos fatores que penalizam muito o banco Inter, avalia Pazos.
O momento para esse nicho é muito ruim também por causa do movimento de elevação dos juros, de forma global. Os juros altos no Brasil e o ritmo acelerado de subida de juros americanos, de acordo com ele, estão desviando a atenção do investidor para os títulos atrelados a juros e não para as bolsas.
Neste momento, em que o mundo convive com o fantasma de uma recessão global, não apenas a rentabilidade está na cabeça das pessoas. O investidor olha também para a segurança, a proteção de seu capital. “Por que vou comprar ação do banco Inter se posso investir em uma Treasury (títulos do Tesouro) de dez anos nos EUA?”
É o fator risco que influencia e move também a decisão do investidor, reforça Pazos. É mais seguro e confortável, afirma, emprestar o dinheiro para o governo americano, que remunera muito bem em seu título, sem correr praticamente risco nenhum.
Tentativa do Inter frustrada em 2021
O Inter já havia tentado transferir-se para o mercado americano em fim de 2021. A migração não se materializou, na época, porque coincidiu com o momento de queda das ações. Boa parte dos investidores preferiu receber sua parte em dinheiro, em vez de novas ações.
No processo de migração agora consumado, com a estreia na Nasdaq no dia 23, as ações do Inter deixaram de ser negociadas na B3 desde o dia 17. Em seu lugar, passaram a ser ofertados no mercado os recibos de ações (American Depositary Receipts-BDRs) do banco, sob o ticker INBR31.