Economia

Um novo super ciclo de commodities?

Certa vez, Armínio Fraga classificou o agronegócio como o “Brasil Estrela”, dado o seu estrondoso sucesso.  Para qualquer um que tenha curiosidade em investigar, os números…

Data de publicação:30/03/2021 às 08:42 - Atualizado 4 anos atrás
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Certa vez, Armínio Fraga classificou o agronegócio como o “Brasil Estrela”, dado o seu estrondoso sucesso. 

Para qualquer um que tenha curiosidade em investigar, os números realmente confirmam isso.  De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para cada 1% de crescimento do PIB, a área destinada ao plantio de milho, soja e algodão aumenta em torno de 2,5%, principalmente para atender a demanda mundial.   

Brasil é reconhecido mundialmente pelo seu alto potencial para o agronegócio

Isso não tende a mudar, apesar das incertezas.  No cenário internacional, duas forças atuam simultaneamente para prover maior crescimento econômico:

  • O calendário de vacinação;
  • Os programas de gastos. 

Ao mesmo tempo em que o pacote de Biden é implementado nos EUA, a Europa possui um fundo flexível o suficiente para se adaptar às circunstâncias. 

Como bem frisou Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE), em uma recente entrevista, é preciso dar sustentação às economias até que se chegue ao “outro lado”.  Pouco se sabe sobre o que isso significa, mas a expectativa é que essa conjuntura traga um maior consumo de commodities

Os motivos não são difíceis de entender:

  1. Um dólar mais fraco;
  2. O crescimento sincronizado de vários países.

Diante desse contexto, a pergunta que se deve fazer é: que produtor mundial de commodities possui terra abundante e produtiva, clima ameno e uma extensão territorial livre de eventos climáticos extremos (furações, tornados, etc.)?   

Acertou quem pensou no Brasil.  A vantagem competitiva do país nesse quesito sempre foi grande.  O problema é que, até recentemente, poucos podiam aproveitá-la sem se posicionar em ativos caros (ações de empresas) e/ou de menor liquidez (títulos de crédito do agronegócio, por exemplo).

Fiagro

Os fundos de investimento para o setor agropecuário (Fiagro), inseridos em um projeto em tramitação no Congresso, podem ser justamente a oportunidade que faltava.  Semelhantes aos fundos de investimento imobiliário (FIIs), possuem como objetivo explorar propriedades rurais.

O conceito em si não é novo visto que os Real Estate Investment Trusts (REITs) norte-americanos já possuem essa opção.  Nesse caso, os rendimentos são gerados via operações de arrendamento, além da própria valorização imobiliária.

Uma outra vantagem do Fiagro é a flexibilidade na composição dos ativos do fundo, que pode incluir títulos de crédito privado específicos do setor (CRAs e CPRs), além de cotas de outros fundos semelhantes.  Porém, o grande upside está no fato de que poderão também negociar créditos de carbono, mercado que tende a deslanchar com as metas mais rigorosas impostas pelo Acordo de Paris.

Mecanismo que deixou a esfera das empresas para ingressar no mercado financeiro, ele também é um meio de diversificação das carteiras na Europa.  Além disso, serve como hedge (proteção) contra a inflação, visto que um custo maior para o uso de combustíveis fósseis se reflete diretamente nos próprios fretes, encarecendo os preços ao consumidor final.   

Mas, enquanto essa inovação não chega, alguns fundos podem servir de “ponte” pois adotam estratégias similares.

Cota no campo

A renda originada no campo é tão antiga que remonta à época de Platão.  No seu falecimento, ele teria deixado a seu sobrinho uma fazenda que, arrendada, geraria recursos para custear as atividades da Academia de Atenas.

Algo parecido persiste até hoje, englobando tanto fazendas herdadas por famílias como propriedades que pertencem a grandes grupos.  No caso do Brasil especificamente, são terras localizadas na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), viáveis para os fundos de investimento quando considerados os altos preços dos imóveis para renda nos grandes centros urbanos.

Não impactados pelas restrições de mobilidade, como alguns FIIs, eles ainda contam com um engenhoso recurso: a opção de recompra por parte dos antigos proprietários, que inicialmente podem resistir em abrir mão de propriedades altamente produtivas. 

O resultado é um arranjo que atende a todas as partes:

  • O fundo compra a propriedade;
  • O produtor a arrenda;
  • O investidor recebe o retorno financeiro. 

Isso funciona tanto para produtores que precisam levantar recursos (sale-leaseback) como para aqueles que pretendem ampliar a produção, mas sem comprometer capital.  No Brasil, apenas 7% dos 64 milhões de hectares de terras aptas ao plantio são arrendadas (esse percentual supera os 40% nos EUA).

Trata-se de um instrumento que já incorpora a visão ESG (meio-ambiente, sociedade e governança, na sigla em inglês) no seu regulamento.  Isso quer dizer que propriedades expostas ao desmatamento ou que não atendam à legislação ambiental são eliminadas logo no primeiro filtro de análise.

Em uma segunda etapa, avalia-se o potencial de valorização das propriedades, identificando características como acesso à infraestrutura logística e a proximidade aos polos de produção, o que nos leva aos outros tipos de fundos imobiliários.

Logística

Os fundos de logística fazem a gestão de unidades de armazenamento e de infraestrutura de produção, dado que o aumento de produtividade no plantio é superior ao crescimento da capacidade de estocagem e processamento de grãos.

Não por outro motivo, esses fundos compram ou constroem essas instalações, seja na modalidade de sale-leaseback (para ativos em operação), seja via built to suit (para empreendimentos que exijam determinadas características técnicas). 

Como principal atrativo aos investidores, a remuneração atrelada a contratos de longo prazo, reajustados pela inflação e sem qualquer tributação.

De um modo geral, nos fundos destinados à logística da cadeia do agronegócio, vale também a diversificação geográfica e de infraestrutura.  Assim, a carteira de um fundo pode conter uma combinação de:

  • Centros de recebimento de grãos;
  • Armazéns em portos para mercadorias destinadas à exportação;
  • Terminais de armazenamento para o escoamento no mercado doméstico;
  • Unidades industriais.

Ainda que indiretamente, são instalações que também beneficiam a pauta ESG, pois priorizam uma maior segurança no abastecimento, além de permitirem meios de transporte menos poluentes.

Conclusão

O agronegócio brasileiro sempre se destacou, independentemente de quem estivesse governando o país.  Isso por si só já é um excelente motivo para se investir.

Porém, as condições atuais são excepcionais, visto que a retomada econômica mundial será amparada por fortes estímulos.  Com vários países crescendo ao mesmo tempo, são grandes as chances de um novo super ciclo de commodities. 

Diferentemente do boom anterior, hoje existem mais possibilidades para se participar desse enorme potencial de crescimento.  Começando por um instrumento que promete revolucionar o setor agrícola, o Fiagro, já preparado para o século XXI por incorporar um outro segmento que tende a crescer bastante: o mercado de créditos de carbono.

Enquanto isso não acontece, outros fundos se especializam em determinados nichos, aproveitando o grande sucesso dos fundos de investimento imobiliário junto aos pequenos investidores para levar recursos de longo prazo ao campo. 

Dado que a expansão do plantio ocorre necessariamente pela combinação de uma maior produtividade, juntamente com um aumento de área plantada, trata-se de uma forma oportuna para atender tanto produtores que precisam se refinanciar como aqueles que necessitam de mais terras, mas não possuem os recursos para adquiri-las.

Por contarem com estruturas profissionais, já incorporam em suas teses de investimento políticas de proteção ao meio ambiente, totalmente coerentes com as melhores práticas internacionais.

Além disso, se beneficiam do esforço conjunto de outros fundos, que desenvolvem e exploram a infraestrutura logística da cadeia do agronegócio, seja para incrementar as exportações, seja para abastecer o mercado interno da melhor forma possível.

Enquanto todos olham para as ações de tecnologia, que tal voltar as atenções para as mais de 8 bilhões de pessoas que precisam comer?

“Agora é hora de agir grande.” Janet Yellen, Secretária do Tesouro dos EUA

*As opiniões contidas nesse artigo são do autor do texto e não necessariamente refletem a opinião do Mais Retorno

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.