Selic deve ficar entre 11,5% e 12% este ano, mas risco fiscal é insegurança para política monetária, afirma economista
Inflação deve ficar abaixo de dois dígitos a partir de maio, e juros serão positivos
Camila Abdelmalack, economista chefe da Veedha Investimentos, acredita que a taxa básica da economia, a Selic, venha a ficar em intervalo entre 11,50% e 12,00% ao ano, em 2022. Em entrevista à Mais Retorno, ela fala também dos imprevistos que poderão surgir e mudar esse enredo, e também da perspectiva de que os juros passem a ser positivos.
O primeiro imprevisto está relacionado risco fiscal, afirma Camila. Ameaças ao desequilíbrio nas contas públicas pode atrapalhar o Banco Central na finalização do ciclo de alta da Selic, e pressões inflacionárias vindas dos combustíveis e alimentos poderão impedir a autoridade monetária de recuar com os juros no fim de 2022.
MR - Até onde a Selic pode subir?
A expectativa é que ela suba até um patamar entre 11,50% e 12,00%, no entanto, algum imprevisto no meio desse cenário pode elevar muito a percepção em relação ao risco.
MR - Qual seria esse imprevisto?
CA - A gente viu lá no passado a nossa curva de juros pré precificando uma taxa Selic de 13%, em um momento muito ruim de discussão de contas públicas, que não é o cenário-base agora. O cenário-base por enquanto é num patamar entre 11,50% e 12,00%. Enfim, se houver um desdobramento ruim do cenário de contas públicas, fiscal, aumentar a percepção de risco, que não é a probabilidade majoritária, ela pode ir além desse patamar.
MR - Estamos em um ciclo de alta em que a Selic atual já pode ser vista como positiva?
CA - Vamos ver agora a taxa Selic indo para 10,75%, ela vai bater a inflação e aí a gente volta a observar uma taxa de juros real positiva, porque a gente tem um IPCA no patamar de 10,06%, então vamos passar a observar uma taxa de juros real positiva.
MR - A inflação está desacelerando, mas continua alta. Quando o IPCA poderá recuar?
CA - Vamos deixar de ver essa inflação de dois dígitos lá pelo mês de maio.
MR - O Banco Central vai demorar para virar o jogo?
Provavelmente sim (o BC vai demorar para virar o jogo), é uma tarefa muito difícil porque grande parte dessa inflação é um inflação por conta de problemas de oferta, uma inflação de custos, aqueles preços onde a política monetária, a taxa de juros não consegue contornar a pressão de preços e não contorna os preços livres que estão atrelados à demanda. Há aí alguns preços monitorados, e preços de gastos com subsistência, como é o caso de alimentação, que vão continuar pressionando essa inflação, de maneira que a gente deve ver um IPCA encerrando o ano no patamar ao redor de 5,50%.
MR - O BC tem bala para levar a inflação abaixo do teto da meta, de 5%, em 2022?
CA -Vai ser uma tarefa bem difícil do Banco Central respeitar o teto da meta de 5,00%. A gente já acompanhou um processo de revisão pra cima nas expectativas de inflação pra este ano se aproximando de 5,5%. Minha projeção pro IPCA pro final de ano é 5,50% e a gente tem que ficar bem atento, porque por mais que tenha todo o enredo de desaceleração da atividade econômica que contribui para o processo desinflacionário, por outro lado a gente tem que ficar atento como vai ser o desempenho dos preços que foram o vilão do ano passado.
MR - Concorda com a estimativa do Focus de que a Selic pode fechar o ano em 11,75%?
CA - No momento, em relação à Selic, estou projetando 11,50%. Aí encerra o ciclo, mas, enfim, teremos de acompanhar qual que vai ser o detalhe desse encerramento da elevação do ciclo.
MR - Em que medida o recuo do dólar pode ajudar o trabalho do BC?
CA - Sabemos que muitos preços dentro do IPCA têm principalmente o preço de combustível com impacto da taxa de câmbio. Nós importamos muitas partes para produtos industrializados, então um arrefecimento dessa taxa de câmbio contribui para um processo desinflacionário por aqui. No entanto, não podemos contar com essa taxa de câmbio pra acreditar que teremos um IPCA mais baixo, porque essa taxa de câmbio ao redor de R$ 5,30 não parece ser a realidade até o final do ano.
MR - Até que ponto pressões por maiores gastos em ano eleitoral poderão exigir mais juros?
CA - A gente viu quando houve a flexibilização do teto dos gastos, lá na passagem de outubro para novembro, a curva pré mostrando aí, precificando uma Selic em 13%, então sabemos que toda uma questão fiscal, pressão por mais gastos, corre o risco de atrapalhar o trabalho do Banco Central nessa finalização do ciclo de elevação dos juros. Então é esse o ponto que a gente vai ficar observando.
MR - Acredita que o BC possa vir a cortar a Selic antes do fim de ano se houver sinais de que a meta de 2022 será cumprida?
CA - A gente viu que a curva de juros estava precificando a possibilidade de cortar juros em meados do terceiro trimestre e por conta deste contexto de desaceleração da atividade econômica. No entanto, a gente, por outro lado, enxerga alguns riscos inflacionários do outro lado da balança.
MR - Quais seriam esses riscos?
CA - Os preços de alimentação, os preços de combustível. Também é preciso entender se esse cenário para a taxa de câmbio vai ser sustentável, que parece que talvez não seja. Então a gente tem várias questões que colocam em dúvida se realmente vai ser possível um corte de juros já no final de 2022.
MR - E a troca de governo?
CA - Então sempre tem essa discussão de que troca governo e aí tem corte de juros, mas enfim são muitos elementos que a gente tem que acompanhar ao longo deste primeiro semestre para poder cravar uma expectativa em relação a isso e o primeiro aspecto é justamente as expectativas de inflação, a gente tem um IPCA pra 2022 sendo projetado acima do teto da meta, a gente já tem um IPCA 2023 acima da meta, então é um cenário bem complicado.