Por que o Tesouro IPCA mais curto está oferecendo taxas mais altas? Entenda o movimento dos títulos
A vantagem dos títulos é uma combinação de inflação mais baixa em julho e agosto com perspectiva de queda dos juros
As taxas de juro de títulos públicos atrelados à inflação, como o Tesouro IPCA, de vencimentos mais curtos estão mais altas que as de prazos mais longos. Um movimento que foge à trajetória tradicional, em que a curva de juros costuma ser de alta em papeis de duração mais longa.
A vantagem desses títulos está ligada à combinação de inflação mais baixa em julho e, possivelmente, em agosto com perspectiva de queda dos juros.
O Tesouro IPCA ofertado no Tesouro Direto com vencimento em 2023 ofereceu na tarde desta terça-feira, 16, uma taxa de 7,96% ao ano mais correção monetária pelo IPCA; com vencimento em 2024, juro real de 6,33% mais IPCA, e com vencimento em 2025, juro de 5,83% mais IPCA.
Na coluna de papeis de prazos mais longos, as taxas estão menores. O Tesouro IPCA com vencimento em 2026 ofereceu uma taxa de 5,51% ao ano mais IPCA; o com vencimento em 2035, juro de 5,78% mais IPCA.
As taxas mais altas em títulos de vencimentos mais curtos, segundo especialistas, são um ajuste a um cenário de inflação mais branda, embora ainda elevada, e de redução dos juros. “A queda das taxas de títulos mais longos ocorre em função de o mercado esperar cortes na Selic a partir de 2023”, avalia Maurício Ferraz, gestor de renda fixa da Kinitro Capital.
Juro real está muito alto
“Os juros estão caindo porque o juro real, acima da inflação, está muito alto”, afirma Wagner Varejão, especialista da Valor Investimentos. Sua conta considera a Selic atual de 13,75% e uma inflação de 7,02% para 2022, como estima o mercado financeiro no boletim Focus desta semana.
O ajuste para cima nos juros de curto prazo foi necessário “porque as ações do governo derrubaram a inflação, que virou deflação em agosto e pode ser repetida em agosto”, comenta Evandro Buccini, sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo.
O juro mais robusto é uma forma de compensar a deflação, que impacta a correção monetária, a parte da rentabilidade vinculada à inflação, nos títulos indexados ao IPCA. Analistas estimam que a deflação seja repetida em agosto, com uma variação negativa torno de 0,30%.
Buccini prevê um cenário mais positivo para a inflação com a recente queda dos preços das commodities e a valorização do real. “No curto e médio prazo, esses pontos tendem a favorecer a inflação”, acredita. “No longo prazo, existe um ponto de interrogação, que é a dúvida fiscal.” Ferraz, gestor da Kinitro, associa também a trajetória da inflação e dos juros, em cenário de longo prazo, ao “arcabouço fiscal do novo governo”. A mesma opinião tem ainda Sandra Blanco, estrategista-chefe da Órama Investimentos.
Atratividade de Tesouro IPCA mais curto não tem sustentação
A elevação das taxas dos títulos de vencimentos mais curtos, “para amortizar a deflação de julho e possivelmente em agosto”, passa a ideia de maior atratividade, “mas não se sustentará no longo prazo”, afirma José Milton, sócio e assessor de investimentos da Blue3.
Para ele, são taxas ilusórias. A deflação, em suas contas, pode pesar na rentabilidade desses títulos nos próximos dois anos”, avalia. É preciso calcular o prazo, avaliar as condições, para ver se vale a pena. Ele vê mais atratividade nas taxas de papeis de vencimento em médio e longo prazo.
Sandra Blanco, da Órama, também considera os títulos de longo prazo boa oportunidade. Principalmente os que têm vencimento a partir de 2026 ou 2027. “É um bom horizonte para investimento nesses títulos”, avalia.
“Olhando o que é ofertado no crédito privado e no Tesouro, são títulos com boas taxas, com a Selic estimada em 11% ao ano no fim de 2023”, pelo prognóstico do boletim Focus. “O investidor trava um prêmio de risco em patamar bastante elevado em relação à inflação”, acredita. O IPCA estimado pelo mercado financeiro para 2023 está em 5,38%.
O movimento dos juros de curto prazo em função da deflação, que impacta os títulos indexados à inflação, tem levado os especialistas a enxergar mais oportunidades em títulos atrelados ao CDI e aos prefixados.
O sócio da Blue3 diz que, com a Selic em 13,75% ao ano, vê mais atratividade em títulos atrelados ao CDI, em aplicação por prazo de até um ano. “Títulos bancários, como CDB, LCI e LCA, e de crédito privado, como debêntures, estão com prêmio acima do CDI e, portanto, mais interessantes que os títulos públicos”, comenta. Para prazos até dois anos, ele vê oportunidades em papeis prefixados.
A avaliação é compartilhada por Evandro Buccini, da Rio Bravo. “Olhando os próximos meses, em cenário de curto prazo, com deflação, os papeis remunerados pelo CDI são mais atraentes para quem só olha o retorno”.
Os títulos prefixados também podem estar no radar de quem olha o ativo apenas pelo retorno da inflação implícita. “É a inflação provável que está embutida no juro” de um investimento. “Se achar que a inflação será menor, o prefixado poderá ser uma boa escolha”, avalia Buccini.
A inflação implícita projetada pelo mercado financeiro, de acordo com a inflação estimada e a curva de juros, está em torno de 5% para 2025; em 5,5% entre 2026 e 2027, e em 6% a partir de 2028.