PEC Kamikaze aumenta risco fiscal de um lado, mas de outro pode beneficiar empresas do varejo no curto prazo; entenda
Com mais dinheiro circulando na economia, consumo doméstico deve crescer no curto prazo
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15 - também conhecida como PEC Kamikaze ou PEC dos Benefícios - aprovada em segundo turno pela Câmara dos Deputados agora segue para promulgação. A proposta visa ampliar e criar benefícios sociais às vésperas do período eleitoral e pode impactar de diferentes formas o mercado de ações brasileiro.
A Bolsa de Valores do País, a B3, reagiu mal a ela nesta quinta-feira, 14, dia seguinte ao de aprovação da PEC e fechou em queda de 1,80%, aos 96.121 pontos. É verdade que parte da desvalorização pode ser atribuída a uma maior aversão ao risco no cenário internacional, mas especialistas destacam, que o aumento de percepção do risco fiscal, com os novos benefícios que serão pagos pelo governo nos próximos meses na esteira da proposta, também deu lá a sua contribuição.
Foi uma queda generalizada entre diversos setores da Bolsa. Em contrapartida, algumas empresas importantes ligadas ao consumo doméstico se destacaram - como a gigante varejista Magazine Luiza, a fabricante de bebidas Ambev e a empresa de pagamentos Cielo - e conseguiram sustentar um movimento de alta ao longo de todo o dia.
Conforme explica Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research, essas altas podem ser explicadas pelas expectativas de elevação na receita dessas companhias no curto prazo, como consequência da PEC Kamikaze.
Empresas que podem ser beneficiadas pela PEC Kamikaze
De acordo com Barbosa, a aprovação da PEC tem duas facetas principais. A primeira delas é que, com mais dinheiro circulando na economia, o Produto Interno Bruto (PIB) do País tende a ser impulsionado, já que a tendência é de aumento no nível de consumo, principalmente entre as classes sociais mais baixas.
Neste contexto, o especialista pontua que as empresas de consumo doméstico, com destaque para as que prestam serviços ou oferecem produtos para a baixa renda, podem acabar incrementando seus números de vendas nos próximos meses.
Os principais exemplos citados por Barbosa são as grandes varejistas, como Magazine Luiza e Lojas Americanas, os supermercados, como Pão de Açúcar e Carrefour, e as lojas de baixa a média renda, como Lojas Marisa.
Ações estão bem descontados no ano
As companhias de varejo e outros setores do consumo doméstico vivem um movimento de forte desvalorização desde o começo do ano. Com a inflação em alta, o Banco Central (BC) tem promovido uma série de ajustes na Selic, taxa básica de juros, a fim de controlar a escalada de preços. Os juros mais altos tornam os processos de financiamento e tomada de crédito mais caros e, por isso, o consumo tende a cair.
Com tais perspectivas de consumo mais baixo, os investidores passaram a vender seus papéis ligados a essa área da economia antecipando a queda nas receitas e nos lucros das companhias. Neste movimento, papéis de grandes representantes do varejo despencaram.
Em uma busca no comparador de ativos da Mais Retorno com as ações da Lojas Marisa (AMAR3), Americanas (AMER3) e Magazine Luiza (MGLU3), é possível observar que, do primeiro pregão de 2022 até o fechamento do pregão desta quinta, esses ativos já recuaram 36,97%, 44,29%e 56,40%, respectivamente, queda muito mais expressiva que a do Ibovespa neste mesmo período, de 5,44%.
Com o preço dos papéis tão descontados, os especialistas explicam que eles podem oferecer boas oportunidades para o investidor que visa aproveitar a valorização do setor de varejo e consumo no curto prazo, surfando na onda do aumento dos rendimentos da população com a aprovação da PEC.
O auxílio não vai durar para sempre
No entanto, o outro lado da moeda da PEC dos Benefícios poderá ser percebido muito em breve. A medida, adotada às vésperas das eleições, tem validade apenas até o dia 31 de dezembro de 2022. Ou seja, já no ano que vem, os novos auxílios criados perderão a validade e o Auxílio Brasil voltará para seu patamar atual, de R$ 400.
Dessa forma, a tendência de elevação no consumo das famílias é momentânea e, após o período de duração da PEC, a situação econômica da população que será atendida por esses benefícios volta a ser a mesma observada hoje. Justamente por esse motivo que os especialistas ouvidos pela Mais Retorno enfatizam que o impacto positivo nas ações ligadas ao consumo doméstico é apenas de curto prazo.
No entanto, mesmo com uma duração de apenas alguns meses, a PEC dos Benefícios terá um custo estimado em R$ 41,25 bilhões além do teto de gastos da União, o que eleva a percepção de risco fiscal do País, já que o próximo governo (independente de quem for eleito) terá de arcar com as despesas e o mercado não sabe se os compromissos fiscais serão honrados.
Dessa forma, o sócio-fundador da Nord Research pontua que a proposta atinge de forma negativa toda a Bolsa, e muitos ativos tendem a sofrer com forte desvalorização, sendo penalizados pelas expectativas de ricos fiscal, sobretudo os segmentos da economia que dependem do financiamento no longo prazo - como empresas de venda e locação de automóveis , entre elas a Localiza, as construtoras, e as empresas que trabalham com concessões.
Maykon Henrique de Oliveira, especialista em investimento e professor na 'Eu me banco', afirma que essas perspectivas negativas podem levar um investidor, mesmo que de perfil mais arrojado ou moderado, a "olhar para a Bolsa e pensar ’para quê eu vou correr risco se a renda fixa está pagando 13%, 15% ao ano?". Essa busca por mais rentabilidade e migração para a renda fixa devem contribuir para enfraquecer ainda mais o mercado acionário brasileiro.
”A proposta prevê mais de R$ 41,2 bilhões até o final de 2022. No curto prazo, a população vai ser beneficiada, porque boa parte desse recurso será canalizado para uso em serviços e para pagamento de dívidas, isso dará um respiro para a população. O novo valor que será pago ao cidadão (R$ 600) é pouco, só deve ajudar a melhorar as vendas no comércio no curto prazo mesmo. E nós sabemos que o cobertor curto da economia sempre cobra o preço lá na frente.”
Maykon Henrique de Oliveira, especialista em investimento e professor na 'Eu me banco'
Impactos da PEC Kamikaze na economia
De acordo com Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, para além do risco fiscal elevado, o principal impacto da PEC Kamikaze na economia é o aumento da inflação. Mais dinheiro circulando é ponto básico para a manutenção da escalada dos preços, já bastante altos - atualmente, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que reflete a inflação oficial do Brasil, acumulado em 12 meses é de 11,89%.
A inflação mais alta, explica Sung, pode levar o BC a adotar uma postura ainda mais contracionista com a política monetária. Hoje a taxa Selic está em 13,25% ao ano e para a próxima reunião da instituição, marcada para os dias 26 e 27 de julho, as expectativas são de mais um aumento de meio ponto percentual.
O mercado espera, também, que o BC mantenha os juros neste patamar elevado por alguns meses, pelo menos até o início de 2023, com o objetivo de conter a pressão inflacionária. Se o IPCA continuar avançando, entretanto, como consequência dos auxílios da PEC Kamikaze, o economista ressalta que a trajetória de aperto monetária pode ser mais longa do que o já precificado pelo mercado.
"Quando um valor tão grande é despejado na economia isso estimula a demanda e, consequentemente, leva ao aumento da inflação. As taxas de juros também devem continuar altas. Por isso há duas ações em que uma vai anular a outra. Enquanto o Banco Central quer encerrar o ciclo de alta de juros, implicando em uma desaceleração econômica, numa tentativa de conter a inflação, na outra ponta o governo age injetando dinheiro na economia e, consequentemente, aumenta a inflação. Parece um cabo de guerra. Em vez de os dois olharem para o mesmo lado, um está querendo conter a inflação, e o outro está despejando dinheiro."
Maykon Henrique de Oliveira, especialista em investimento e professor na 'Eu me banco'
Este combo de preços nas alturas e juros também altos impactam, acima de tudo, o consumo das famílias, fazendo com que as mesmas pessoas que foram beneficiadas pela PEC nos últimos meses de 2022 tenham de "pagar a conta" nos meses subsequentes, explicam os especialistas.
Leia mais
- IPCA veio abaixo das expectativas do mercado, mas composição continua desfavorável e pode levar à nova aceleração nos próximos meses
- Qual a carteira de ações vencedora em um cenário de inflação alta? Especialistas dão dicas
- Os 10 fundos de renda fixa mais rentáveis em 12 meses conseguiram também superar a inflação de 11,89% no período; confira
- Inflação das passagens aéreas em 12 meses chega a 122% e perspectivas são de que os preços continuem subindo