Economia

O BRICS e a nova geopolítica mundial

BRICS têm novos integrantes. Entenda o caso.

Data de publicação:28/08/2023 às 07:13 - Atualizado um ano atrás
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A geopolítica importa e isso ficou mais evidente do que nunca nos últimos tempos.  Sai de cena o crescimento mundial via a globalização, movimento predominante entre os anos de 1990 e 2010, e entra a construção de uma teia com motivações distintas.

Desvendar as relações internacionais traz à luz dos fatos uma série de questões.  Não é difícil de entender a dinâmica atual quando se observa que 60 dos 150 maiores países do mundo são aliados dos EUA.

A forma como essas alianças são forjadas e as leis impostas, na tentativa de se alcançar determinado objetivo, faz parte do chamado jogo de poder.  Entre sorrisos e apertos de mão, cada um “neutraliza” suas deficiências oferendo “vantagens comparativas” em troca, definidas pela sua geografia, seu clima e suas riquezas naturais.

Origem do BRICS

No início do século XXI, havia uma expectativa muito grande em torno do crescimento de Brasil, Rússia, Índia e China (os respectivos “B”, “R”, “I” e “C” do BRICS), o que compensaria inclusive o fraco desempenho esperado para a Europa, focada na implementação do euro.   

A ideia de um fórum específico que os representasse avançou, sendo que o primeiro grande evento do grupo foi em 2009, antes da África do Sul (South Africa, o “S” do BRICS) ingressar em 2010.   

Porém, ao longo da década seguinte, Brasil, Rússia e África do Sul passaram a ficar para trás, à medida em que cresciam apenas 1% ao ano em média, enquanto Índia e China apresentavam números seis vezes maiores. 

Falta de convergência

O desafio de acomodar países tão diferentes sempre foi uma questão relevante, levando-se em conta seus sistemas políticos (democracias e regimes que não contam com eleições), poder econômico e força militar.   

O que dizer então de suas economias?  O PIB per capita da Índia é equivalente a 20% do PIB per capita da China ou da Rússia.  Enquanto a China administra o seu câmbio, os demais já desistiram dessa ideia (há tempos que não se fala em intervenção cambial no Brasil).  

Apenas Rússia e Brasil exportam petróleo, sendo que os demais são altamente dependentes de importações.

Novo formato

O ano de 2023 representou a 15ª reunião do grupo, já transformado pelas recentes rupturas geopolíticas.  Na pauta do dia, a adesão de países que, em outras circunstâncias, sequer seriam cogitados (Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia).  

Difícil saber o que defenderá em sua versão mais abrangente, dado que não há qualquer critério formal para entrar.  Uma moeda comum e a criação de um novo banco central, a exemplo do Banco Central Europeu (BCE), com todos os sacrifícios que uma decisão como essa impõe?

Até pouco tempo atrás, o BRICS servia como um fórum para expor o descontentamento com o arranjo global vigente, baseado no Fundo Monetário Internacional (FMI), no Banco Mundial e nas Nações Unidas (ONU), com o seu restrito Conselho de Segurança (ainda que Rússia e China sejam membros permanentes), e que concentra demasiadamente o poder.

Maior peso no PIB global

A verdade é que muita coisa mudou desde então.  Se no início dos anos 2000 o grupo representava 8% do PIB global, hoje já se fala em 26%.  A título de comparação, durante esse mesmo período, o G7 perdeu participação, saindo de 65% para 43%.

Isso quer dizer que até mesmo os retardatários se destacam em seus respectivos continentes, o que lhes confere certo poder de influência junto aos seus vizinhos.  Isso não deixa de ser estratégico para a China, responsável por 70% de tudo que o grupo produz.

Clones

Dinheiro não falta para fomentar planos tão ambiciosos.  O BRICS possui os seus próprios clones do FMI e do Banco Mundial, citados anteriormente.  No primeiro, foi capaz de criar um mecanismo (“swap”) onde os bancos centrais garantem acesso a moedas fortes no caso de crises em balanços de pagamentos.  Além disso, empresta, desde que o FMI (original) também tenha emprestado.

Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), por sua vez, já concede crédito para países como Bangladesh, dado que não é preciso ser um país membro para ter acesso a financiamento.  Ainda assim, os empréstimos são feitos em dólares norte-americanos ou euros, minando qualquer esforço de diminuir a dependência dessas moedas.

Tudo indica o desejo de apenas trocar de lado na mesa de negociações.  Os cinco membros originais possuem 55% do poder de voto no banco.  Os seis restantes, que serão membros a partir de 2024, aportarão recursos, com pouca margem para decidir sobre o seu destino.

Conclusão

Qualquer ordem global que predomine daqui pra frente não surgirá do nada.  Ela é o resultado de anos de trabalho de política externa.  Da mesma forma, não se mantém por inércia, exigindo dinheiro e esforços contínuos.

Acertar a fórmula não é das tarefas mais fáceis.  O poder para dar as cartas (influência geopolítica) depende essencialmente da força econômica.  Manter esse “status” ao longo do tempo pode ser um problema quando se leva em conta a natureza cíclica da economia.

Simbolismo

A adesão de novos membros terá um efeito mais simbólico do que prático, dado que a China precisa endereçar os seus próprios problemas.  

No campo externo, seu grande projeto (Belt and Road Initiative) esbarra em alguns fatores, como o veto pelas populações locais, receosas com os impactos ambientais, o custo político de se empregar chineses, em detrimento da mão de obra disponível, além do fato da China não se ver obrigada a conversar com outros credores internacionais nas renegociações de dívida externa.  

Para os demais, resta saber quais vantagens obterão, sejam elas em termos de novos investimentos (acesso a novas tecnologias) ou na forma de novos financiamentos (dinheiro em melhores condições, haja vista as altas taxas de juros no mundo).

Independentemente do empenho de cada um, a verdade é que o desenvolvimento econômico vem acompanhado de reformas, o que implica em deixar para trás o antigo modus operandi (jeito de funcionar) e fazer escolhas, pelo líder (no caso das monarquias e dos regimes autoritários) ou pela sociedade (no caso das democracias).  

Com tantos interesses em jogo, escolher um nome mais adequado para o grupo já seria um bom começo.
 

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.
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