Japão: do estouro da bolha à baixa inflação
Mesmo com juro zero, inflação japonesa tem se mostrado bem comportada
Ao se apontar para os preços mais altos de todos os tempos, muitos culpam o cenário externo pela inflação “importada”. Como resposta, os bancos centrais têm elevados os juros, ainda que em intensidades diferentes. Mas esse não é o caso do Japão, onde a inflação tem se mostrado bem comportada, ao contrário dos seus pares do G7.
Expectativas inflacionárias
Alguns fatores explicam porque os preços não sofrem tantas alterações ali, começando por sua população, que não só envelheceu antes, mas também encolheu mais rápido.
Adicionalmente, a natureza mais cautelosa dos japoneses não permitiu que a atividade econômica se recuperasse no mesmo ritmo do resto do mundo no pós-pandemia.
Além disso, não há qualquer expectativa de grandes aumentos salariais. O Japão trabalha com um sistema de negociação salarial, chamado de “shunto”, onde as grandes empresas estabelecem as regras para empregos que são praticamente vitalícios, funcionando como uma referência para o resto do país.
Quando a demanda por bens e serviços aumenta, trabalhos em meio-período são oferecidos. Dado o controle que possuem sobre essa variável, companhias são menos propensas a repassar os aumentos de custos aos consumidores.
Nesse contexto, as pessoas não esperam que os preços se movam para cima. Mas para entender o principal motivo da baixa inflação no Japão, é preciso voltar no tempo.
O estouro da bolha
Durante a década de 80, o Japão crescia a largos passos via o seu setor exportador, para desespero dos norte-americanos. Ao longo dos anos, uma combinação de crédito barato e desregulamentação financeira (exigências do presidente dos EUA, Ronald Reagan, para endereçar os desequilíbrios externos) aumentou a especulação dentro do país, já com a economia bastante aquecida.
Com o estouro da bolha no início da década de 90, tanto os ativos financeiros como os imobiliários se desvalorizaram, mas as dívidas usadas para adquiri-los permaneceram. O processo de desalavancagem coletiva, ainda que representasse a coisa certa a ser fazer individualmente, jogou a economia no buraco.
Bancos problemáticos
O sistema bancário japonês, principal responsável pela concessão de crédito às empesas, a exemplo da Europa, era pouco regulamentado, o que impedia a rápida eliminação dos créditos podres de suas carteiras. Conforme sofria crises sucessivas, maiores eram os danos à economia.
As autoridades relutaram durante muito tempo em usar recursos públicos para sanar os bancos, dada a impopularidade da medida.
Experimentos macroeconômicos
Nos anos seguintes, o país se tornou um grande laboratório para experimentos macroeconômicos, sendo o “Abenomics” o mais conhecido.
Plano econômico implementado por Shinzo Abe (assassinado há poucos meses atrás), quando voltou a ocupar o cargo de primeiro ministro em 2012, ele se baseava em 3 premissas:
- Política monetária expansionista, com o banco central (BoJ, na sigla em inglês) comprando grandes quantidades de ativos para combater a deflação crônica no país;
- Política fiscal com mais flexibilidade, para conter os gastos públicos quando necessário, mas sem comprometer o crescimento econômico;
- Reformas para impulsionar a produtividade.
A dívida do governo japonês superou inacreditáveis 230% do PIB, sem que houvesse uma crise econômica de grandes proporções. Tudo para estimular os agentes econômicos a gastar novamente.
Sem inflação
Trabalhando a favor dessa política, o fato das taxas de juros terem permanecido abaixo da taxa de crescimento do país o que, juntamente com a emissão em moeda local (iene) e a capacidade para aumentar impostos rapidamente, permitiu ao BoJ ficar com grande parte da dívida.
O iene se desvalorizou ao longo do tempo, mas a inflação não veio.
Em 2016, o banco central impôs o juro negativo e adotou o controle da curva de juros (“yield-curve control”) para manter os estímulos na economia, enquanto reduzia o programa de compras de ativos iniciado 3 anos antes.
O Japão quebrou alguns tabus monetários, mas não conseguiu mudar a dinâmica da sua moeda.
O iene japonês
A moeda japonesa já serviu de “moeda de refúgio”. Isso quer dizer que toda vez que uma crise internacional batia à porta, o iene se valorizava.
Não porque pagava altos juros, mas por características próprias de sua economia. O Japão é o maior país credor do mundo, com investimentos não só em fábricas e imóveis, mas também em ativos financeiros como títulos de renda fixa e ações.
Para entender a ordem de grandeza, a diferença líquida entre os ativos detidos pelos japoneses no exterior e os ativos de estrangeiros no mercado local é equivalente a aproximadamente 70% de toda a riqueza que o país gera em um ano.
No Japão, pequenos poupadores alocam as suas reservas conforme as oportunidades, sejam elas as de um país que precisa financiar a infraestrutura para uma Copa do Mundo ou até mesmo as de uma empresa que decide vender a sua sede em Manhattan para uma gestora de ativos imobiliários, com o intuito de reduzir o seu endividamento.
Assim, na primeira turbulência fora de casa, é comum que os recursos voltem ao país, o que gera a valorização do iene frente às principais moedas negociadas no mercado internacional, abortando, portanto, qualquer processo inflacionário.
Conclusão
Enquanto os principais bancos centrais do mundo (Fed, BCE e BoE, no Reino Unido) revertem os seus programas de compras de ativos e elevam os juros, o banco central japonês mantém os seus títulos de 10 anos pagando “zero”.
Não por outro motivo, a forte desvalorização sofrida pelo iene, o que em princípio poderia aumentar a competitividade internacional do Japão, não fosse a grande representatividade de bens de maior valor agregado na sua pauta de exportações.
Tal como em outras partes do mundo, o problema do baixo crescimento só será resolvido via maior produtividade, o que implica em se mudar as rígidas leis trabalhistas do país, além de atacar alguns privilégios.
Nesse ínterim, nada indica que o sereno mercado de bonds japoneses sofrerá algum revés em função de mudanças na política monetária, o que exige atuações no câmbio. Um “hard landing” nos EUA, decorrente de um erro na calibragem dos juros, é algo que os banqueiros centrais samurais acompanham atentamente, motivo pelo qual sempre deixam as suas armas ao alcance da mão.