Economia

Japão: do estouro da bolha à baixa inflação  

Mesmo com juro zero, inflação japonesa tem se mostrado bem comportada

Data de publicação:25/10/2022 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Ao se apontar para os preços mais altos de todos os tempos, muitos culpam o cenário externo pela inflação “importada”.  Como resposta, os bancos centrais têm elevados os juros, ainda que em intensidades diferentes. Mas esse não é o caso do Japão, onde a inflação tem se mostrado bem comportada, ao contrário dos seus pares do G7

Atitivade econômica no Japão teve recuperação mais lenta no pós-pandemia - Foto: Reprodução

Expectativas inflacionárias

Alguns fatores explicam porque os preços não sofrem tantas alterações ali, começando por sua população, que não só envelheceu antes, mas também encolheu mais rápido. 

Adicionalmente, a natureza mais cautelosa dos japoneses não permitiu que a atividade econômica se recuperasse no mesmo ritmo do resto do mundo no pós-pandemia. 

Além disso, não há qualquer expectativa de grandes aumentos salariais. O Japão trabalha com um sistema de negociação salarial, chamado de “shunto”, onde as grandes empresas estabelecem as regras para empregos que são praticamente vitalícios, funcionando como uma referência para o resto do país.

Quando a demanda por bens e serviços aumenta, trabalhos em meio-período são oferecidos. Dado o controle que possuem sobre essa variável, companhias são menos propensas a repassar os aumentos de custos aos consumidores.

Nesse contexto, as pessoas não esperam que os preços se movam para cima. Mas para entender o principal motivo da baixa inflação no Japão, é preciso voltar no tempo.

O estouro da bolha

Durante a década de 80, o Japão crescia a largos passos via o seu setor exportador, para desespero dos norte-americanos. Ao longo dos anos, uma combinação de crédito barato e desregulamentação financeira (exigências do presidente dos EUA, Ronald Reagan, para endereçar os desequilíbrios externos) aumentou a especulação dentro do país, já com a economia bastante aquecida.

Com o estouro da bolha no início da década de 90, tanto os ativos financeiros como os imobiliários se desvalorizaram, mas as dívidas usadas para adquiri-los permaneceram. O processo de desalavancagem coletiva, ainda que representasse a coisa certa a ser fazer individualmente, jogou a economia no buraco.

Bancos problemáticos

O sistema bancário japonês, principal responsável pela concessão de crédito às empesas, a exemplo da Europa, era pouco regulamentado, o que impedia a rápida eliminação dos créditos podres de suas carteiras. Conforme sofria crises sucessivas, maiores eram os danos à economia.

As autoridades relutaram durante muito tempo em usar recursos públicos para sanar os bancos, dada a impopularidade da medida.   

Experimentos macroeconômicos

Nos anos seguintes, o país se tornou um grande laboratório para experimentos macroeconômicos, sendo o “Abenomics” o mais conhecido.

Plano econômico implementado por Shinzo Abe (assassinado há poucos meses atrás), quando voltou a ocupar o cargo de primeiro ministro em 2012, ele se baseava em 3 premissas:

  1. Política monetária expansionista, com o banco central (BoJ, na sigla em inglês) comprando grandes quantidades de ativos para combater a deflação crônica no país;
  2. Política fiscal com mais flexibilidade, para conter os gastos públicos quando necessário, mas sem comprometer o crescimento econômico;
  3. Reformas para impulsionar a produtividade. 

A dívida do governo japonês superou inacreditáveis 230% do PIB, sem que houvesse uma crise econômica de grandes proporções. Tudo para estimular os agentes econômicos a gastar novamente.

Sem inflação

Trabalhando a favor dessa política, o fato das taxas de juros terem permanecido abaixo da taxa de crescimento do país o que, juntamente com a emissão em moeda local (iene) e a capacidade para aumentar impostos rapidamente, permitiu ao BoJ ficar com grande parte da dívida.

O iene se desvalorizou ao longo do tempo, mas a inflação não veio. 

Em 2016, o banco central impôs o juro negativo e adotou o controle da curva de juros (“yield-curve control”) para manter os estímulos na economia, enquanto reduzia o programa de compras de ativos iniciado 3 anos antes.

O Japão quebrou alguns tabus monetários, mas não conseguiu mudar a dinâmica da sua moeda.

O iene japonês

A moeda japonesa já serviu de “moeda de refúgio”.  Isso quer dizer que toda vez que uma crise internacional batia à porta, o iene se valorizava.

Não porque pagava altos juros, mas por características próprias de sua economia. O Japão é o maior país credor do mundo, com investimentos não só em fábricas e imóveis, mas também em ativos financeiros como títulos de renda fixa e ações.

Para entender a ordem de grandeza, a diferença líquida entre os ativos detidos pelos japoneses no exterior e os ativos de estrangeiros no mercado local é equivalente a aproximadamente 70% de toda a riqueza que o país gera em um ano.

No Japão, pequenos poupadores alocam as suas reservas conforme as oportunidades, sejam elas as de um país que precisa financiar a infraestrutura para uma Copa do Mundo ou até mesmo as de uma empresa que decide vender a sua sede em Manhattan para uma gestora de ativos imobiliários, com o intuito de reduzir o seu endividamento.

Assim, na primeira turbulência fora de casa, é comum que os recursos voltem ao país, o que gera a valorização do iene frente às principais moedas negociadas no mercado internacional, abortando, portanto, qualquer processo inflacionário. 

Conclusão

Enquanto os principais bancos centrais do mundo (Fed, BCE e BoE, no Reino Unido) revertem os seus programas de compras de ativos e elevam os juros, o banco central japonês mantém os seus títulos de 10 anos pagando “zero”.

Não por outro motivo, a forte desvalorização sofrida pelo iene, o que em princípio poderia aumentar a competitividade internacional do Japão, não fosse a grande representatividade de bens de maior valor agregado na sua pauta de exportações.

Tal como em outras partes do mundo, o problema do baixo crescimento só será resolvido via maior produtividade, o que implica em se mudar as rígidas leis trabalhistas do país, além de atacar alguns privilégios.

Nesse ínterim, nada indica que o sereno mercado de bonds japoneses sofrerá algum revés em função de mudanças na política monetária, o que exige atuações no câmbio. Um “hard landing” nos EUA, decorrente de um erro na calibragem dos juros, é algo que os banqueiros centrais samurais acompanham atentamente, motivo pelo qual sempre deixam as suas armas ao alcance da mão.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.