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Economia

Entenda o que é a crise energética mundial e como ela afeta o Brasil, em entrevista com Adriano Pires

Países como China e Reino Unido já enfrentam problemas de energia; o preço do petróleo e do gás natural dispararam

Data de publicação:01/10/2021 às 05:47 -
Atualizado 2 anos atrás
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A crise energética, que vem ganhando as manchetes e preocupando o mundo, é resultado de duas situações: uma decorrente da pandemia, que travou a economia no ano passado, e agora a retomada requer mais energia; e outra ligada a uma transição de matrizes de energia mais sujas para as renováveis e mais limpas.

Isso é o que afirma Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de InfraEstrutura (CBIE), e doutor em Economia Industrial pela Universidade de Paris, em entrevista exclusiva ao portal Mais Retorno.

Preço do petróleo subiu a mais de US$ 80 o barril, e do gás natural está explodindo na Europa - Foto: Agência Brasil

Essa crise já vem afetando países como a China e o Reino Unido, e atinge também o Brasil, que conta com matrizes que são reféns do clima e dependem ora da chuva, ora do vento ou do sol para a produção de energia. "A energia vai ser cada vez mais cara, porque a oferta será menor do que a demanda É preciso ter racionalidade no consumo", esse é o seu recado.

Mais Retorno - O que é essa crise energética mundial? Vai faltar combustível? Vai faltar energia elétrica? O que vai faltar, e em qual lugar do mundo?

Adriano Pires - Estamos vivendo uma situação muito interessante que tem duas explicações: uma mais conjuntural e outra, mais estrutural. Elas podem esclarecer essa espécie de colapso que o mercado de energia está vivendo de umas duas ou três semanas para cá. Com o petróleo indo a mais de US$ 80, (o barril), o preço do gás natural explodindo na Europa, problemas de oferta de energia na China, enfim...

MR - Qual é a explicação conjuntural?

AP - ´É muito simples. No ano passado, houve uma grande redução de crescimento econômico no mundo todo em função da pandemia. Na hora em que isso ocorre, automaticamente, o consumo de energia é reduzido. O consumo de energia no ano passado foi muito ruim, principalmente em função dos lockdowns que ocorreram no mundo inteiro. Quando ocorre uma diminuição de consumo de energia, para recuperar esse consumo leva algum tempo, porque a energia volta mais devagar. Por exemplo, o petróleo, a Opep e a Rússia conseguem aumentar a produção mais rapidamente, por exemplo - o petróleo é extraído no mar - porque são dois grandes produtores que conseguem reagir com agilidade.

MR - E o que está ocorrendo este ano?

AP - Com a vacinação contra a covid-19, o mundo voltou a crescer outra vez. Consequentemente, a demanda de energia começou a aumentar mais rapidamente do que a oferta, em função da queda ocorrida em 2020. Para ajustar essa curva de oferta e demanda, os preços tiveram de aumentar bastante. E aí, as coisas vão se ajeitando - a oferta vai voltar a crescer para haver outra vez um certo equilíbrio físico entre oferta e demanda, e que não seja determinado por aumentos muito fortes nos preços, como ocorreu nessas últimas semanas. Portanto, essa questão conjuntural está ligada à pandemia, que levou à uma redução no consumo de energia, e a oferta teve de se adaptar ao novo consumo. A oferta volta em velocidade menor que a demanda.

MR - Qual é a segunda explicação?

AP - A segunda é mais estrutural, sobre a qual temos de refletir. Mesmo que essa oferta volte, meu receio é que ela não retorne em volume suficiente para impedir que se tenha preços muito elevados ou até falta de energia pelo planeta afora. Por que eu tenho esse receio? O que aconteceu nos últimos anos, e também foi muito impulsionado na pandemia, foi um movimento da chamada transição energética, que consiste em trocar energias mais sujas por mais limpas. Esse movimento criou um grande lobby das energias renováveis, acusando as energias fósseis de serem as grandes culpadas pelas mudanças climáticas, e pela piora cada dia maior do ar que a gente respira em função das emissões de gás carbônico. Esse lobby acelerou muito a transição energética no sentido dessa demonização. Na prática, independente da queda de oferta de energia causada pela pandemia, a oferta de energia pode ser menor do que a demanda, porque não se pode mais usar carvão, óleo, gás natural, e mesmo energia nuclear, que não é fóssil, que também está meio que demonizada.

MR - A demanda por energia é crescente?

AP - O que a gente vê no mundo hoje é uma eletrificação cada vez maior. O consumo de eletricidade está cada vez mais intenso. Eu brinco que um objeto que ninguém consegue viver sem é uma tomada. Se a eletrificação está crescendo e o mercado dando cortes em oferta de energia porque essas energias estão demonizadas, então vou continuar tendo um gap entre oferta e demanda, que vai ter de ser equacionado, ou via preço ou faltando energia mesmo.

MR - Quais as consequências do descompasso?

AP - O que está acontecendo, por exemplo, na China? Ela é hoje o país que mais consome carvão no mundo. Mas como também está sendo pressionada pelos ambientalistas para reduzir o uso do carvão, ela está reduzindo essa prática. Com a retomada do crescimento econômico, as energias renováveis que iriam substituir o carvão não estão dando do recado - não estão sendo suficientes para atender a demanda de energia. Qual é a consequência disso? A China pode crescer menos no ano que vem e algumas localidades já estão com problema de falta de energia. E o que está acontecendo na Europa? No Reino Unido, o gás explodiu de preço, porque o vento diminuiu de intensidade, a geração eólica não atendeu a demanda e o gás não está sendo suficiente para substituir a perda do vento. O preço subiu e o pessoal está preocupado não só no Reino Unido, mas na Europa toda, com o fato de não ter gás suficiente para atender o inverno europeu.

MR - A que conclusão chegamos diante dessa quadro?

AP - Essa transição está sendo feita rápida demais. Está se abrindo mão de fontes de energia mais baratas e confiáveis, como se as outras pudessem suprir essa ausência. E outra coisa interessante é que a acusação de que o fóssil está provocando mudança climática também vale para as renováveis. Como o clima está cada vez mais difícil de prever, há seca no Brasil, inverno intenso nos Estados Unidos, e em janeiro de 2021, problema de vento na Europa. É isso o que se está olhando. E dentro desse contexto, se a transição energética significa falta de energia e preços elevados, podemos começar a ter uma impopularidade das teses ambientalistas, porque esse ambientalismo estaria trazendo um padrão de vida pior com falta de energia e inflação.

MR - Então a questão estrutural preocupa mais que a conjuntural?

AP - A conjuntural vai se resolver como sempre se solucionou. Sempre que há uma crise e depois uma retomada do crescimento, ocorre o que se chama boom das commodities, porque a oferta delas não cresce na mesma velocidade da demanda. As coisas vão se ajeitando lá pelo segundo ou terceiro ano. O problema, hoje, que eu acho que a gente pode não ajeitar é em função dessa questão do açodamento da transição energética. Eu não quero dizer com isso que sou contra a transição energética. Ela é um fato, a gente vai ter de caminhar para ter matrizes energética e elétrica cada vez mais limpas. A discussão é em torno do ritmo com que ela acontece.

MR - Como o Brasil se insere nesse contexto de crise energética mundial?

AP - O Brasil também está sendo afetado. Também houve um grande lobby das fonte renováveis, e o País tem uma  matriz limpa, porém ainda muito refém do clima. Quando houve o apagão no governo de Fernando Henrique Cardoso, com racionamento em 2001 e 2002, e se precisava de geração de energia elétrica, 80% eram geradas com água, porque não havia térmicas e as linhas de transmissão não eram tão integradas quanto atualmente. Depois, no governo Lula, a ministra Marina Silva proibiu a construção de usinas hidrelétricas com reservatório. Com isso, se passou a fazer usinas com fio d'água - que só gera quando chove. Nossa matriz inda é muito refém de clima: a hidrelétrica fio d'água, as eólicas, que cresceram muito, e a solar, que está expandindo agora, que ficam dependendo da chuva, do vento, etc.

MR - Quais as consequências dessa dependência?

AP - Nós só não tivemos crises energéticas piores nos últimos 10 anos porque o Brasil não cresceu - a economia brasileira expande menos de 1% nos últimos 10 anos - e o consumo de energia está ligado ao crescimento econômico. Esse ano, por exemplo, estávamos em uma condição bem complicada, porque, além de não chover, tinha a expectativa de crescimento econômico em função do sucesso da vacina. Por isso, houve a preocupação com a possibilidade de racionamento. Estamos conseguindo driblar um pouco isso, porque estamos chegando em outubro e vai começar a chuva outra vez. Porém, tenho certeza de que essa crise energética vai se alongar para 2022 - pode ser que tenhamos um 2022 pior do que um 2021. O Brasil tem o desafio de construir uma matriz com maior confiabilidade, e nesse aspecto temos uma vantagem comparativa em relação ao mundo, porque temos uma grande diversidade de fontes primárias - temos sol, vento, agua, biomassa, gás natural e biogás. Nosso dever de casa é fazer um planejamento energético que traga mais confiabilidade à matriz elétrica brasileira, e temos tudo para isso.

MR - E o que você acha desse bônus do governo para quem economizar energia?

AP - O que a sociedade brasileira, e até global, tem de entender é que a energia é uma coisa que será cada mais cara. Como o consumo cada vez é maior, há dificuldade de a oferta acompanhar esse consumo. Daqui para frente, temos que ter muito cuidado no uso da energia e ter muita racionalidade no consumo. Um dos caminhos é premiar quem é racional. É o que o governo está tentando agora na crise, mas foi uma tentativa diante da possibilidade de faltar energia, isso não é o problema. A questão agora é passar por esse período e adotar programas de racionalização do uso de energia.

Sobre o autor
Regina Pitoscia
Editora do Portal Mais Retorno.

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