Economia

Economia: pagamentos digitais como indutores do crescimento

Por mais que as operações financeiras feitas via internet estejam relacionadas às fintechs, outros agentes, como governos e bancos, favoreceram o uso da tecnologia

Data de publicação:24/05/2023 às 08:00 - Atualizado um ano atrás
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“Uma vez que você começa a pensar em crescimento, é difícil pensar em qualquer outra coisa.” Frase de um empreendedor de startup em uma rodada de investimentos? Não necessariamente. 

Frase de Robert Lucas, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1995 e que faleceu recentemente. 

Entre as suas principais contribuições às ciências econômicas, seus trabalhos sobre como se formam as “expectativas racionais”, fundamentais para quem quer entender como funciona a dinâmica inflacionária.

Uso de pagamentos digitais facilita a cobrança de impostos pelos governos - Foto: Reprodução

Dúvidas sobre o crescimento 

De um modo geral, pode-se afirmar que os economistas ainda não dominam totalmente o assunto, por falta de evidências concretas. No meio acadêmico, sabe-se que o crescimento do PIB per capita, de forma mais perene, só começou no século XVIII. 

Além disso, admite-se que os países sobem no ranking da prosperidade apenas crescendo consistentemente no longo prazo, em um arranjo que envolve tanto novas tecnologias como conhecimento (ideias). 

No mais, algumas teses fundamentam como ocorre esse processo de desenvolvimento.

Acúmulo de capital

Na década de 50, os economistas Robert Solow e Trevor Swan argumentavam que países mais pobres alcançariam os mais ricos desde que acumulassem capital, ao mesmo tempo em que estimulassem a divulgação do conhecimento.

Por mais esclarecedor que esse conceito pudesse ser para a época, ele não explicava porque alguns países avançavam ao incorporar tecnologias de ponta enquanto outros encontravam obstáculos de toda sorte.

Análise de dados históricos

Partiu-se então para a análise dos dados macroeconômicos para se tentar encontrar algumas pistas. 

Para a frustração de muitos, havia uma infinidade de variáveis, o que quer dizer que não se podia identificar claramente quais características, em termos políticos e econômicos, estavam mais relacionadas com o crescimento propriamente dito. 

Da mesma forma, fatores culturais não podiam ser explicados via fórmulas matemáticas. 

Mas isso pode estar mudando, e por um único motivo: pagamentos feitos digitalmente, algo que a pandemia “turbinou”.

Meios de pagamento digitais 

Por mais que as operações financeiras feitas via internet estejam relacionadas às fintechs, outros agentes, como governos e bancos, bastante conservadores e tradicionais, também favoreceram o uso da tecnologia.

Mundialmente falando, isso permitiu o desenvolvimento de 3 modelos distintos:

  • A digitalização da conta corrente e dos cartões de bancos (predominante nos países ricos);
  • “Super app” com funções de pagamento, oferecido por grandes empresas de tecnologia (comum na China);
  • Sistema de pagamentos para substituir o uso do dinheiro em espécie (escolhido por países emergentes como Índia, com o UPI, e Brasil, via o Pix).

A análise do último modelo talvez mereça mais destaque, pela sua simplicidade e pelos notáveis resultados alcançados, principalmente quando se leva em conta que esse grupo (“emergentes”) contém economias que literalmente saíram dos trilhos (Argentina e Turquia) e onde a volatilidade das criptomoedas é o único refúgio para a instabilidade e a inflação fora de controle.

M-PESA

O M-PESA, criado em 2007 no Quênia, serviu de inspiração para o que veio depois. Ele tinha por objetivo permitir que qualquer usuário enviasse dinheiro via mensagens de SMS, dada a baixa bancarização no país.

Observando a sua evolução, pode-se dizer que esses sistemas são concebidos com alguns princípios. Primeiramente, são estimulados pelo governo e não possuem a finalidade de lucro. 

Uma outra característica é que são abertos, ou seja, outros participantes podem ingressar, fomentando a competição.

Uma terceira peculiaridade é que são usados em qualquer lugar (basta um QR Code impresso e um telefone celular com câmera para que o pagamento seja efetuado rapidamente). 

Considerando que se tornaram parte da rotina de um contingente cada vez maior de pessoas, o que se pode esperar para os próximos anos?

Regulamentação

Umas das principais queixas é que esses sistemas não são tão completos a ponto de incluir medidas de proteção (seguros) por falhas operacionais. 

Dito isso, o mais provável é que os custos de adequação a novas leis sejam repassados aos usuários, inclusive se elas já preverem as moedas digitais emitidas por bancos centrais (CBDCs, na sigla em inglês).

Moedas digitais dos bancos centrais

Até as grandes empresas de tecnologia (“Big techs”) anunciarem a intenção de criar suas próprias moedas, nenhum governo tinha se sentido ameaçado com a ideia de perder o controle sobre seu próprio sistema financeiro. 

Desde então, 114 países (portanto, emergentes inclusive), estão se debruçando sobre o tema. Em comum, o estabelecimento de algumas regras como o limite de valor por conta e a ausência de qualquer remuneração, mantendo os bancos comerciais no jogo.

Entretanto, nos locais onde o sistema de pagamentos é eficiente e abrangente, não se observa nenhuma vantagem adicional nas moedas digitais soberanas. 

A elas, restaria a opção do “dinheiro programável” com outros propósitos, como impor as condições para o seu uso, em uma etapa posterior à mera coleta de dados para se assimilar o funcionamento da economia.

Conclusão

Independentemente da riqueza de dados para a elaboração de políticas públicas mais acertadas, é inegável que qualquer país tem todo o interesse do mundo nos sistemas de pagamentos digitais por razões um tanto óbvias: eles facilitam a cobrança de impostos. 

Um outro objetivo bastante louvável seria a estabilidade financeira. Se a transferência de uma grande quantidade de recursos é motivada por rumores em redes sociais (como na mais recente crise bancária), é de se esperar que sejam impostas algumas regras para se evitar esse tipo de risco.

Afinal, uma economia só se desenvolve se houver um leque maior de serviços financeiros. Os dados coletados por meios digitais geram uma infinidade de informações (tanto de negócios como de consumidores), sem as quais operações de seguros ou de empréstimos dificilmente seriam disponibilizadas.

Pagamentos digitais internacionais

Ainda que em formatos diferentes, existe uma preocupação em construir sistemas que futuramente “conversem” entre si, já com o intuito de depender menos da infraestrutura que utiliza o dólar norte-americano para as transações internacionais (e todos os contratempos que ela pode causar por conta de sanções).

Como qualquer nova tecnologia, todos tem muito a ganhar em termos de agilidade e de eficiência, mas para que o dinheiro se mova com facilidade pelo mundo e gere o tão desejado crescimento, é preciso se recordar de alguns princípios básicos de economia

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Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.