Economia

O conflito geopolítico e seus efeitos colaterais na economia

Por enquanto, escassez de produtos no mundo se reflete em telas de negociações em bolsa de commodities

Data de publicação:16/03/2022 às 01:03 - Atualizado 3 anos atrás
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Em 1979, durante a revolução iraniana, seis diplomatas norte-americanos escapam de uma invasão à embaixada dos EUA em Teerã e são mantidos sob sigilo durante meses na casa do embaixador canadense.

Crédito: Deutsche Presse-Agentur GmBH

Para resgatá-los, os agentes da CIA bolam o seguinte plano: montar uma equipe de produção de filmes e entrar no país com o pretexto de que precisam gravar cenas para um roteiro de ficção científica.
Intitulado de “Argo”, o filme mostra não só todos os contratempos enfrentados até a saída dos diplomatas com identidades falsas impressas em passaportes canadenses, mas também coloca como pano de fundo a ocasião em que o presidente norte-americano Jimmy Carter ordenou o embargo ao petróleo iraniano, além do congelamento de ativos do Irã nos EUA.

Aquilo provocou o que ficou conhecido como o segundo choque do petróleo da década de 70.
No que diz respeito à geopolítica, fica evidente que a aplicação de sanções onde um país fica incapacitado de acessar suas reservas em moeda forte restringe de forma considerável o que ele pode fazer para defender a sua moeda e, consequentemente, a sua economia.

Levando em conta o mais recente conflito na Europa, quais seriam as alternativas para a Rússia, agora sob duras e generalizadas sanções?

China

Parte da resposta pode estar no parceiro de longa data do próprio Irã.

A China compra petróleo iraniano por meio de uma logística sofisticada, de forma que ele é reclassificado como sendo de origem da Malásia, de Omã ou até mesmo dos Emirados Árabes Unidos. A moeda de negociação é normalmente o yuan ou o dirham, atrelado ao dólar, mas sem o risco de sanções.

O fato de dividir fronteiras terrestres com a China e com outros países, dada a sua extensão territorial, também ajuda a diversificar a sua pauta de exportações, altamente dependente de commodities.

Porém, para acessar os meios de pagamento para transações internacionais, existem limites para o que a China pode oferecer. Apesar de a Rússia ter algo em torno de US$ 90 bilhões junto ao banco central chinês, ela só poderá comprar de quem estiver disposto a receber em yuans.

Ainda que conte com uma alternativa ao SWIFT, chamada de CIPS, ela permite a conexão de bancos russos apenas indiretamente, visto que a China mantém o controle sobre o fluxo de dinheiro que entra e sai do país, o que não elimina totalmente a dependência do sistema de mensageria europeu.

Choque de realidade

Estratégias militares e financeiras à parte, a verdade é que muita da escassez prevista no mundo ainda é representada como um número na tela de uma bolsa de commodities. O problema é o que acontecerá quando esses preços chegarem na economia real.

Voltando ao exemplo do Irã, os preços do petróleo permaneceram altos até 1986. Ainda que os EUA, graças à tecnologia de extração do xisto, e a Opep decidam por aumentar a oferta, não existe uma fórmula mágica que contemple todas as variáveis de um cenário de guerra.

Uma verdade incontestável é que a atividade econômica atual conta com uma participação maior do setor de serviços, o que teoricamente exigiria um consumo menor de energia quando comparado com a economia preponderantemente industrial de cinquenta anos atrás.

Adicionalmente, muitos governos aprenderam com os erros da época. Entre as políticas públicas contempladas, já se sabe que o controle de preços de combustíveis apenas agrava um quadro já bastante difícil.

Resta saber se o mundo cripto, altamente dependente de energia, continuaria funcionando ininterruptamente diante de tanta volatilidade.

Guerra alimentar

Uma peculiaridade do conflito europeu é a alta abrupta dos preços das commodities agrícolas. Tanto a Ucrânia com a Rússia são grandes exportadoras de alimentos. Em um período de 2 semanas, o preço do trigo subiu 30%. Para plantá-lo, já se pagou mais caro pelo gás natural utilizado na fabricação do fertilizante.

No atual contexto, a produção da Ucrânia já não é mais acessível enquanto a produção da Rússia se encontra indisponível.

Não porque há sanções diretas contra alimentos vindos da Rússia, mas porque empresas do setor temem sofrer sanções secundárias por fazer negócios com o país ou perder uma mercadoria essencial para toda a cadeia alimentícia e que, nessas circunstâncias, é transportada sem seguro.

Para garantir a segurança alimentar, é muito comum que outros países destinem toda a sua produção para abastecer o mercado interno, cientes de que poderão ter perdas em função das mudanças climáticas nas safras futuras.

Conclusão

A Rússia tem avançado militarmente, ainda que a um grande custo. Isso quer dizer que os impactos da guerra na economia mundial serão sentidos por bastante tempo.

No front econômico, a estratégia de congelamento de ativos no exterior traz alguns desafios para o sistema financeiro internacional. Formadas para dar uma certa segurança contra choques externos, agora questiona-se se as reservas em moeda forte teriam alguma utilidade, dado que ficam indisponíveis no exato momento em que deveriam ser utilizadas.

Entretanto, é fato que não há outra moeda que exerça o papel do dólar como reserva mundial. Indivíduos e empresas podem converter suas riquezas em criptomoedas, mas é pouquíssimo provável que países o façam, se submetendo a uma lista adicional de fatores que não controlam, principalmente quando se leva em conta que não existe uma moeda digital soberana para funcionar como lastro.

O ajuste mundial, portanto, não será feito via um reset na forma como o dinheiro circula no planeta, mas via uma redução forçada da demanda na economia, o que implica em se fazer escolhas.

No passado, altos preços de alimentos levaram a protestos no norte da África e no Oriente Médio, região que importa grande parte dos alimentos que consome e que inevitavelmente se utiliza de subsídios para amortecer os impactos da inflação que vem de fora.

Movimento chamado de Primavera Árabe, ele propiciou a derrubada de vários governos. Quase doze anos depois, suas consequências estão por todos os lados. Basta olhar para o rastro de destruição deixado na Líbia, no Yemen e na Síria.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.