Economia

Você sabe como funciona a dinâmica dos juros internacionais? Veja aqui

O mundo hoje está às voltas com o avanço da inflação após vários anos, o que mexe com o comportamento dos juros

Data de publicação:09/02/2022 às 12:30 - Atualizado 2 anos atrás
Compartilhe:

A Selic dominou as discussões após a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada.  Peculiaridades à parte, o quanto a taxa de juros subirá é o que literalmente todo o mundo quer saber. Na ata divulgada nesta terça-feira, 8, o Banco Central sinalizou que haverá novos ajustes para cima, porém não apontou qual será a magnitude deles. Mas, de fato, como funciona a dinâmica dos juros internacionais?

Globalmente falando, depois de tantos anos de inflação baixa, os preços dispararam, ainda que não haja um fato isolado para isso.  A verdade é que hoje se convive com o efeito acumulado de fatores que se sobrepõem, como a falta de produtos, a energia mais cara e as rotas logísticas ainda desajustadas.

Copom sinalizou novos ajustes dos juros, mas não especificou o tamanho deles - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Estado

Independentemente de estarmos próximos do fim da pandemia, como muitos alegam, o aumento nos juros necessário para se combater a escalada de preços precisa ser avaliado dentro de um contexto onde existem duas grandes forças, atuando em direções opostas.

Endividamento global alto

Em aproximadamente duas décadas, o estoque de dívida global saltou de US$ 83 trilhões para US$ 295 trilhões.  Dito de outra forma, o endividamento cresceu duas vezes mais que a economia, mesmo antes da pandemia.

Esse estoque de grandes proporções não é consequência do consumo desenfreado, fomentado pelo capitalismo, como muitos podem imaginar.  Sua origem é muito mais simples: um custo muito baixo para se financiar. Se há 20 anos os títulos de 10 anos do governo dos EUA pagavam juros de 6,5%, hoje sua remuneração mal alcança os 2%.

O efeito prático disso é que, ao longo do tempo, essa redução foi repassada para o mercado de crédito, o que favoreceu a alavancagem pois, por mais que o estoque de dívida crescesse, seu custo era menor como proporção do PIB.

Reversão

Quando um ciclo de aumento de juros se inicia, esse processo se reverte, ainda que o impacto na atividade econômica não seja imediato. 

Primeiro, porque muitos financiamentos são a juros fixos e, segundo, porque não se sabe de antemão o grau de aperto necessário.  Considerando um aumento de 1% nos juros globais, o custo em relação ao PIB sobe para 15%.  Para qualquer valor acima disso, a conta pode chegar a 20% do PIB. 

Portanto, quanto maior o juro e, consequentemente, o percentual sobre o PIB, maior a dificuldade da sociedade como um todo em honrar as suas dívidas.

Poupança global

Mesmo antes da crise de 2008, já se observava um excesso de poupança global (“global saving glut”).  Por mais que isso pudesse ser considerado benéfico em um primeiro momento, havia algumas preocupações: mais dinheiro guardado no mundo do que ativos para serem comprados. 

Entre os grupos responsáveis por esse aumento:

  • Países que precisavam endereçar suas fragilidades internas;
  • Desigualdade e concentração de riqueza e;
  • Empresas que, sendo dominantes em seus setores, elevaram as suas margens de lucros.

Considerando o mesmo período de 20 anos, trata-se de uma riqueza acumulada que triplicou. 

Reservas internacionais altas

No início dos anos 2000, muitos países incrementaram as suas reservas internacionais, seja porque temiam novos ataques especulativos ou porque se aproveitavam dos altos preços do petróleo.

Esse montante, quase que integralmente investido nos títulos mais seguros do mundo, cresceu de 5,2% do PIB mundial para algo em torno de 11,5% do PIB mundial. Essa demanda por si só reduziu os juros pagos pelos Treasuries em 0,8%.  

Apesar desses agentes terem mudado o foco durante a crise de 2008, o processo foi retomado logo depois.  Não por outro motivo, essas reservas terem alcançado um percentual de 15,2% do PIB mundial 5 anos depois.

Concentração de riqueza

O segundo grupo responsável pelo excesso de poupança é fruto do aumento da desigualdade, um fenômeno que se intensificou a partir da década de 70. É fato que a porção mais rica da sociedade poupa mais e, com a riqueza se concentrando cada vez mais no topo, estima-se que isso tenha retirado mais 0,6% do rendimento dos Treasuries.

Essa elite global fez o mesmo com as suas próprias empresas. Se antes elas poupavam menos de 10% do PIB global, hoje isso está mais próximo de 15%, muito em função dos estímulos implementados durante a pandemia, o que as colocou em um cenário bem diferente daquele enfrentado em 2008.

Limitações

Apesar de atuarem conjuntamente, cada um desses grupos se desenvolveu diante de uma dinâmica própria. Assim, dada a contribuição de cada um na redução dos juros, tornou-se cada vez mais difícil gerar crescimento econômico exclusivamente via política monetária.

Teria a pandemia alterado essa tendência?  Excluindo-se problemas geopolíticos, de produtividade, de tributação ou de regulamentação, a resposta pode estar na análise do fator demográfico.

População idosa

Atualmente, 25% da população mundial tem mais de 50 anos.  Acredita-se que isso tenha reduzido os juros em mais 1%.

O fato das economias emergentes também já terem passado pelo processo de redução das taxas de mortalidade e de natalidade, em uma velocidade superior à observada inicialmente nos países do G7, explica esse impacto adicional.

Trata-se de uma população que poupa mais e que inclusive investe no exterior graças à proliferação dos Exchange Traded Funds (ETFs) de renda fixa internacional, o que contribui para que os juros permaneçam baixos.

Conclusão

Uma vez iniciado o ciclo de aumento de juros, o que acontece depois?  Será a atividade prejudicada pelo custo maior da grande quantidade de dívidas detida por governos, empresas e indivíduos? 

As evidências indicam que o nível de juros é limitado pela poupança global acumulada nos últimos 20 anos, o que tem preocupado os principais banqueiros centrais.

Muitos países perceberam que as amplas reservas internacionais permitem navegar qualquer cenário, especialmente quando se trata de economias emergentes. 

Entretanto, no caso dos grandes países exportadores de petróleo, existem dúvidas se continuarão alimentando os seus gigantescos fundos soberanos, dados os vários anos em que deixaram de investir em novos projetos de exploração.

Com a população vivendo mais, também é pouco provável que as reservas individuais sejam gastas rapidamente, principalmente quando se leva em conta questões como sucessão e herança.  Isso por si só tende a reduzir a taxa de juros global em mais 0,5% no futuro.

Talvez a pergunta não seja mais qual o valor máximo para a taxa e sim como estabelecer um novo equilíbrio entre devedores e poupadores, nem que para isso tenhamos que usar como nobre pretexto os investimentos necessários para endereçar as mudanças climáticas.

*Este artigo não reproduz necessariamente a opinião do portal Mais Retorno.

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.