Economia

Big techs: vícios corporativos alavancados com crédito barato, uma trilha para as dificuldades

Retorno sobre o capital investido nas empresas de tecnologia deixou de ser acima de 60% para cair para menos da metade, 26%

Data de publicação:08/11/2022 às 05:00 - Atualizado 2 anos atrás
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Ações de empresas de alto crescimento sofrem quando os juros sobem. Essa dinâmica já era conhecida no início do ano, antes mesmo dos impactos inflacionários causados pela invasão da Rússia na Ucrânia. Mas, considerando a digitalização dos últimos 2 anos, o que explica os resultados desanimadores das grandes empresas de tecnologia, ou big techs?

Olhando-se mais atentamente, percebe-se que elas passaram a funcionar de forma mais parecida com outros setores tradicionais. Conforme suas receitas diminuíram, procuraram por novos nichos para turbinar a rentabilidade.

Com dinheiro farto, as big techs se transformaram em estruturas grandes e inchadas - Foto: iStock

Com o dinheiro farto, se transformaram em estruturas grandes e inchadas, contendo áreas de negócios nem sempre viáveis, o que dificulta inclusive a distribuição de dividendos. Em um período de 5 anos, é fato que as coisas pioraram. O retorno sobre o capital investido deixou de ser acima de 60% para cair para menos da metade (26%).

Alguns fatores contribuíram para tirar essas empresas da estratosfera.

Governança

A popularização das empresas de tecnologia de capital aberto se deu às custas de uma estrutura societária onde o fundador, pela sua capacidade visionária, mantinha para si o poder decisório. 

Com o passar dos anos, isso propiciou uma cultura de excessos. Primeiro, pela ausência de um órgão interno com força suficiente para representar os anseios de seus acionistas. Segundo, pela crença generalizada de que um fundador pode repetir a mesma fórmula de sucesso (como é o caso de Facebook e Meta).

Modelo de negócios

Genialidade à parte, a verdade é que essas empresas possuem algumas amarras, o que limita qualquer salto de crescimento futuro, começando pelo efeito de rede. 

O valor percebido de um bem ou serviço aumenta conforme atrai mais usuários, o que explica porque se gasta tanto nos estágios iniciais (algo que só foi possível graças aos juros baixos da última década).

A baixa barreira de entrada, segundo elemento desse modelo de negócios, é consequência da gratuidade e da simplicidade que norteiam toda e qualquer ideia desenvolvida por uma startup. Basta um modismo qualquer dentro das redes sociais para que a posição das demais seja ameaçada, forçando-as também a gastar.

Considerando o terceiro aspecto, a necessidade de estarem inseridas em uma infraestrutura maior fornecida por terceiros, faz com que fiquem atadas às regras impostas por outros agentes, entre eles, as próprias autoridades.

Techglomerados

As partes isoladamente valem mais que todo o negócio? São bastante conhecidas as estórias de grupos empresariais que perderam o foco e a rentabilidade ao se espalharem para outros setores de atuação.

Os investimentos feitos pelas big techs tornaram-nas tão representativas quanto as empresas industriais de antes. Tal como elas, identificaram o benefício marginal decrescente de suas maiores fontes de renda. Não por outro motivo, colocaram seu dinheiro para trabalhar em outros lugares.

O exemplo da Amazon é bastante ilustrativo: a companhia apostou na computação em nuvem para dar suporte ao seu e-commerce. Hoje, é ela que financia suas aquisições em setores tão distintos como entretenimento (pagou US$ 8,5 bilhões pela MGM) e saúde (US$ 3,9 bilhões aportados na One Medical).

Até mesmo empresas menores se aventuraram na missão de abraçar o mundo, se associando ao não menos importante agente de financiamento.

Private equity

O private equity entrou nas techs adaptando para o venture capital o que já fazia com empresas de médio porte. Tudo para incrementar a gama de possibilidades dentro dos ecossistemas onde dados e produtos conversam entre si, propulsionando a escala necessária e encantando o consumidor.

Com o tempo, se tornou o shopping center do crédito. Consequentemente, as startups passaram a adiar os planos para abrir o capital. Se na década de 80 uma empresa nascente esperava 8 anos para ir às bolsas de valores norte-americanas, esse prazo aumentou para 11 anos duas décadas depois, mantendo dentro desse grupo de participantes a maior parte dos ganhos.

Ativos alternativos

Um mundo de juros baixos também beneficiou esse tipo de atividade, conforme a categoria de “ativos alternativos” abarcou um grupo cada vez maior de ativos. Saiu a expertise em um determinado tipo de operação e entrou a engenharia financeira, mais pontual e oportunista.

No private equity, os fundos não são utilizados apenas para se comprar participações em empresas. Muitas vezes, fundos concorrentes fazem transações entre si, o que não necessariamente fomenta a criação de novos produtos ou serviços.

No foco dos reguladores

Nos EUA especificamente, trata-se de um mercado que facilmente supera o de IPO, forma pela qual normalmente se monetiza o investimento feito em uma empresa de capital fechado. Isso tem atraído a atenção dos reguladores, receosos com os riscos que podem estar se acumulando entre agentes financeiros não bancários.

Se essas transações se transformarão em pó, conforme os mercados se ajustam à dura realidade dos juros mais altos no mundo, é algo a se observar.  Como são fundos que precisam distribuir os retornos aos seus investidores em algum momento, serão forçados a vender os ativos pelos valores de mercado, que podem ser substancialmente menores que os praticados no passado.

Conclusão

Companhias estruturadas com um modelo de governança mais justo (uma ação, um voto) e com uma gestão profissionalizada tendem a se sair melhor, como mostram a Apple e a Microsoft.

Além disso, o setor como um todo não está imune ao mundo que cerca os seus usuários: preços e custos de financiamento mais altos, o que reduz de forma substancial o quanto podem gastar discricionariamente. Por mais que as techs sejam empresas invejadas e disputadas, a verdade é que um dia a conta chega. 

A General Electric, case de conglomerado de sucesso em muitas escolas de primeira linha, foi desmembrada em 3 companhias distintas no ano passado. Não se trata de uma exceção: empresas alemãs (Siemens), japonesas (Toshiba) e chinesas (Fosun) encontram opções semelhantes. Até mesmo a 3M, símbolo de inovação, não escapou.

O setor de private equity, sempre visto como cruel pelo seu modelo implacável de corte de custos e demissões em massa, ganhou adeptos. No caso das big techs, apenas a forma de se fazer isso é que mudou. 

Sobre o autor
Nohad HaratiPossui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.