Transição: Novo governo Lula deverá ser marcado por política econômica responsável, apontam gestores
Reação positiva dos mercados no dia seguinte às eleições surpreendeu investidores
O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva não deve ser catastrófico para a economia. Ao contrário, seja qual for a nova equipe, deve se apresentar com propostas de responsabilidade fiscal, manutenção de algumas diretrizes econômicas, e sem radicalismos. Essa é a crença dos gestores Ciro Aliperti, da SFA Investimentos, e Fábio Motta, da Dao Capital.
Os dois participaram de uma live promovida pelo escritório SVN Investimentos, com a mediação do também gestor Leo Morales. Segundo os profissionais, a percepção de um ciclo econômica sem grandes sobressaltos, parece já estar sendo repassada aos preços dos ativos desde o dia seguinte às eleições.
Durante o encontro, os gestores traçaram cenários e destacaram perspectivas para os juros, inflação, atividade econômica, ambiente internacional e como o mercado financeiro deve reagir a tudo isso nesse período de troca de governo.
Reação positiva dos mercados surpreende
Em relação à reação positiva e surpreendente dos mercados já no dia seguinte após as eleições, Motta tem a sua tese: “O mercado, correta ou incorretamente, está começando a tentar botar nos preços um cenário de governo Lula com uma boa condução da política econômica”. Quer dizer, “com responsabilidade fiscal, manutenção dos principais pilares econômicos, e não um governo mais radicalizado, mais forte em gastos assistenciais em desrespeito a teto de gastos. Será um governo mais responsável”.
Nas semanas que antecederam as eleições, lembra Motta, quando as pesquisas indicavam maior probabilidade de Lula vencer, o mercado se mostrava mais receoso e nervoso diante da falta de transparência em relação à equipe e à agenda econômica do governo do petista.
Por isso, era esperada uma reação mais negativa dos mercados, como de fato aconteceu com queda de ADRs, índices futuros lá fora, além da valorização do dólar. A B3 abriu com 3% de queda e o dólar com alta de 2,5%. No entanto, ao longo do dia, os mercados se normalizaram e reverteram, para no fechamento ter uma alta da bolsa e recuo da moeda norte-americana para surpresa dos gestores.
Aliperti, da SFA, lembra que muitos investidores devem ter virado o fim de semana da eleição 'vendidos', esperando por quedas expressivas do mercado, e com apenas uma hora de pregão o mercado já ensaiava a virada. Para ele, o atual nível de preços dos ativos na Bolsa, baixo e atraente, também justifica em parte a alta do Ibovespa com Lula eleito presidente.
Por que estatais ficaram pelo caminho
Mesmo com a reação da Bolsa, papeis de estatais não tiveram força para virar junto com o Ibovespa, ficaram pelo caminho e fecharam com quedas expressivas logo dia seguinte às eleições. Comportamento diretamente ligado ao receio de uma política mais intervencionista do governo Lula sobre essas empresas.
E a expectativa dos gestores é de que existe sim a possibilidade de que esses papeis sejam afetados, independentemente se o mercado vai subir ou cair no governo Lula. “Acho que o novo governo não fará grandes loucuras, deve atender a demandas sociais, mas sem colocar o País em uma rota de insolvência fiscal. É preciso olhar com calma quem vai entrar no Ministério da Fazenda, na Casa Civil, e qual será o direcionamento”, diz Aliperti, que acredita que a performance das estatais será pior do que a do resto do mercado.
Motta acredita que a queda das estatais está ligada mais às incertezas sobre o tratamento a ser dispensado às estatais, à falta de informação, e o mercado se ressente disso. Ao mesmo tempo, pelo histórico com os programas do Fies, o gestor entende que empresas de educação do setor privado podem vir a ser beneficiadas.
Questão fiscal é prioridade
Ambos os gestores concordam que a questão fiscal é o principal foco de preocupação e, por isso, uma das primeiras a ser tratada. A situação não é tranquila, mas também não é desesperadora.
Embora os gastos tenham crescido com Bolsonaro na corrida eleitoral, relata Aliperti, houve reforço na arrecadação do governo e a própria Petrobras acabou gerando dividendos generosos. Isso acabou acomodando boa parte desses gastos, segundo ele.
Só que os discursos do candidato eleito vêm com viés de expansão fiscal, o que acaba por se tornar um ponto de tensão diante de incógnitas sobre qual o direcionamento e o nome de quem vai comandar a economia no próximo governo.
Inflação, juros e atividade
Há espaço para a queda dos juros no próximo ano concordam os especialistas.
Os juros reais nesse momento estão muito altos, destaca Aliperti. Considerando a Selic de 13,75% e a projeção de inflação do boletim Focus, entre 4,95% e 5%, o juro real é de quase 9%, um dos maiores do mundo. “Não parece razoável ter esse nível de juro real com a atividade já desacelerando. E se tivermos uma política fiscal razoável, sem fazer loucura, há espaço para o juro cair”.
"Quando você olha o juro real e a situação fiscal do Brasil e compara com o que está acontecendo no resto do mundo com juros, inflação e crise de todo o tipo, no relativo o Brasil está bem posicionado", ressalta Motta.
O que mais intriga o gestor da SFA, no entanto, é a inflação implícita. Ele explica que há sinais indicando que a inflação pode cair no ano que vem com uma atividade econômica mais fraca. O que não faz sentido é o mercado apostar na queda dos juros, mas, ao mesmo tempo, estar negociando uma inflação embutida de 6%, nível muito acima do centro ou teto da meta fixada pelo BC. Uma projeção contradiz a outra. Mas o gestor prefere apostar que a inflação implícita é que está equivocada, e que os juros vão mesmo cair.
Nesse sentido, Aliperti pontua que a economia se mostrou este ano mais forte do que o previsto, apoiada em um grande estímulo fiscal e é natural pensar que ela desacelera em 2023. Os juros elevados devem esfriar o consumo ligado a crédito, mas o consumo ligado à renda continua firme, com a queda do desemprego, consistência da massa salarial, do salário real. “Se a atividade não desacelerar a inflação não vai cair”.
Motta diverge de seu colega de mercado nesse aspecto. Ele acredita que “a atividade econômica está saudável. Passamos por um período horroroso na pandemia, o governo tomou atitudes, a economia tende a ir bem em termos relativos e se não houver problemas na condução da política econômica, o Brasil vai atrair muito capital, tanto de investimento direto como para formação de portfólio. Não vejo por que a atividade econômica deveria cair”.
Mercado internacional pressionado pela inflação
O ambiente global está pressionado pela maior inflação dos últimos 40 anos, e o que se vê são os bancos centrais manejando os juros para cima de modo a combater a alta dos preços, mas o medo é que no rastro venha a recessão.
A percepção de Aliperti é de que a inflação está muito perto de alcançar o seu pico, o que acaba refletindo de forma expressiva na dinâmica de preços dos ativos de risco. “A parte de energia já vem contribuindo com inflações negativas mensais, está desacelerando com a queda no preço do petróleo, as commodities, que caem como um todo, os preços de bens caindo fortemente, enquanto as cadeias de produção parecem estar se normalizando e os preços de frete voltando a níveis pré-pandemia”.
O gestor da SFA conta que a preocupação com o mercado externo vem desde o ano passado, já prevendo um movimento de reprecificação de juros e com o valuation dos papeis esticado. “A bolsa (americana, a S&P) corrigiu bastante, caiu aos 3.500 e já recuperou para 3.900. O problema nos Estados Unidos não acabou, mas vamos ver a inflação cair."
Com a condução de políticas monetárias restritivas, Aliperti ressalta que nenhuma empresa está imune aos efeitos de uma recessão ou forte desaceleração econômica. Mesmo diante dessa perspectiva, alguns papeis não perderam seus atrativos e cita como exemplo, os do Google. Segundo ele, a empresa mantém suas vantagens competitivas intactas, continua gerando caixa, e com preços interessantes, o que abre possibilidades para o posicionamento de carteiras.
As estratégias de cada gestor
Embora Motta e Aliperti sejam gestores de fundos de ações, com perspectivas no longo prazo, as estratégias adotadas são bem distintas.
Motta vem de uma casa com gestão 100% sistemática, que atua com base em sistemas e muitos dados, a partir da metodologia 'factor investing', capaz de identificar as ações com potencial de ganhos no longo prazo. Nela, se consideram características como ser barata, de alta qualidade, com tendência positiva de preço, balanços sólidos, lucro mais previsível, menos endividadas, entre outros fatores de qualidade da empresa.
Além deles, há também preferência por empresas com menos volatilidade (fator baseado essencialmente na variação de preço do papel).
Empresas com essas características tendem a performar melhor em momentos de tensão, de crise e aversão ao risco. Mais do que isso, uma carteira dessas tende a contar com alto nível de proteção.
Ao contrário, quando o mercado se mostra mais otimista, as empresas de maior crescimento de lucro, e não necessariamente baratas, são beneficiadas.
“São fatores que procuramos em todas as ações listadas na Bolsa. Empresa boa, rentável, barata, com tendência positiva de preço e crescimento de lucro, e com menos volatilidade.” Com esses critérios, Motta recheia a carteira dos fundos e usa os fatores macro mais para controle de risco.
Ciro Aliperti da SFA Investimentos é gestor de casa 'super fundamentalista', busca fazer investimentos de longo prazo em negócios que vão gerar valor, vão continuar crescendo, independentemente de cenários específicos. Por isso, as carteiras na SFA não foram alteradas em razão dessas eleições.
"A principal fonte de retorno para nós é escolher bons negócios, esse é o coração da SFA", afirma Aliperti, "mas é extremamente importante fazer uma gestão de portfólio eficiente". Ele explica que isso compreende criar poder de compra, é ter os recursos para aproveitar os momento de volatilidade dos mercados para compor retorno.
A ideia é poder ser sócio dos melhores negócios independentemente da geografia, a SFA analisa papeis de empresas globais.