Medo dos americanos pode levar EUA para uma recessão, diz Nobel de economia Robert Shiller
Economista afirma que já quem enxergue que o país está entrando em uma nova bolha imobiliária
A ideia de que, no mercado financeiro - e na economia de, uma forma geral -, as coisas acontecem com base na crença dos investidores (ou seja, na especulação) não é nova. Para Robert Shiller, economista ganhador do Prêmio Nobel e professor da Universidade de Yale, no entanto, essa máxima tem de ser levada mais a sério no atual contexto macroeconômico dos Estados Unidos.
Em um período de inflação em alta, chegando aos maiores patamares em mais de 40 anos, política monetária mais contracionista e muitos fatores externos que elevam a incerteza do mercado, como a guerra na Ucrânia, Shiller considera que uma recessão no país norte-americano é bastante provável e ocorre como uma "profecia autorrealizável".
Em entrevista à Bloomberg dos EUA, o economista disse que há 50% de chance de que o país passe por um período de contração econômica em algum momento nos próximos dois anos, um percentual "muito acima do normal".
Os motivos? Apesar dos vários fatores que adicionam volatilidade para os mercados e projeções dos especialistas, a principal causa para essa possível recessão, na visão do professor, é justamente o medo dos consumidores e investidores de que a situação na principal economia do mundo se deteriore.
'O medo pode levar à realidade'
Shiller, que se tornou conhecido por antecipar, em 2005, a crise do setor imobiliários nos EUA - que levou a uma das maiores crises econômicas globais entre 2008 e 2009 - afirma que a preocupação com uma possível contração vem crescendo nos últimos tempos, à medida em que a inflação acelera e o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) intensifica seus esforços para controlá-la.
"O medo pode levar à realidade", disse ele, que é autor do livro "Narrative Economics: How Stories Go Viral and Drive Major Economic Events" (na tradução, Narrativas Econômicas: Como Histórias se Tornam Virais e Impulsionam Grandes Acontecimentos Econômicos).
E o medo, nos EUA, já vem sendo percebido. Com a maior inflação em mais de 40 anos, o sentimento do consumidor americano caiu para o nível mais baixo em uma década no último mês, segundo pesquisa realizada pela Universidade de Michigan, indicando um pessimismo em relação aos rumos da economia do país.
Confira, na tabela abaixo, o índice de confiança dos consumidores nos Estados Unidos no decorrer dos últimos 10 anos:
Período | Índice de confiança |
Dezembro de 2012 | 72,9 |
Dezembro de 2013 | 82,5 |
Dezembro de 2014 | 93,6 |
Dezembro de 2015 | 92,6 |
Dezembro de 2016 | 98,2 |
Dezembro de 2017 | 95,9 |
Dezembro de 2018 | 98,3 |
Dezembro de 2019 | 99,3 |
Dezembro de 2020 | 80,7 |
Dezembro de 2021 | 70,6 |
Maio de 2022 | 58,4 |
Aumento dos juros e a bolha imobiliária
Robert Shiller destaca que uma parte importante dessa narrativa de recessão econômica e do medo dos consumidores é consequência da política adotada pelo Fed para conter a escalada dos preços com a elevação das taxas de juros americanas, que atualmente estão entre 0,75% e 1,00%, as mais altas desde o início da pandemia.
O presidente do Fed, Jerome Powell, e outros dirigentes já afirmaram em diversas ocasiões que na próxima reunião de política monetária devem elevar as taxas em mais meio ponto percentual. Outros aumentos ainda são possíveis, caso a inflação não arrefeça.
Com os juros subindo, o economista afirma que a preocupação com o surgimento de uma nova bolha imobiliário pode aparecer. "A ideia de que estamos em uma bolha imobiliária ainda não é muito comentada, mas está começando a voltar", comenta.
O professor explica que a perspectiva de um caminho mais longo do que o projetado para a subida das taxas de juros pode levar os americanos a uma "corrida de compras de casa", com o objetivo de aproveitar o momento antes de que as taxas de hipoteca fiquem mais altas. Situação semelhante ao que aconteceu em 2008, antes da crise estourar.
'Estresse pós-traumático'
Robert Shiller pontua que a pandemia também teve um impacto muito forte sobre a psique da população dos EUA. Afinal, mais de um milhão de americanos morreram em decorrência da Covid-19. Neste contexto, o economista ressalta que as pessoas estão mais propensas a sucumbir a profecia autorrealizável da recessão econômica, porque o país está "sofrendo coletivamente um transtorno de estresse pós-traumático".
Ainda, a polarização política observada naquele país também pode afetar a sociedade, que passa a enxergar o outro, cuja opiniões são diferentes, como um rival, um mal. E isso, segundo Shiller, aumenta o risco de o medo conduzir a realidade.