Logo Mais Retorno

Siga nossas redes

  • Instagram Mais Retorno
  • Youtube Mais Retorno
  • Twitter Mais Retorno
  • Facebook Mais Retorno
  • Tiktok Mais Retorno
  • Linkedin Mais Retorno
Finanças Pessoais

Porque uma blogueira fitness não pode escolher os seus investimentos

O título desse artigo é uma provocação. Nada contra pessoas que gostam de seguir outras na internet, como uma blogueira e influencers. Porém, cabe aqui uma…

Data de publicação:10/09/2020 às 08:29 -
Atualizado 4 anos atrás
Compartilhe:

O título desse artigo é uma provocação. Nada contra pessoas que gostam de seguir outras na internet, como uma blogueira e influencers. Porém, cabe aqui uma reflexão. Com mais ou menos conhecimento de finanças, estariam os influenciadores digitais aptos a nortear as decisões de investimento de pessoas comuns?

Como já ficou claro nos últimos meses, enfrentamos uma situação extraordinária, para dizer o mínimo. Por conta disso, quais os elementos que todos deveriam atentar quando investem?

Desvalorização

Pouco tempo depois da pandemia se espalhar pelo mundo, algo bastante incomum na última década aconteceu: uma queda de 4% do dólar norte-americano frente as principais moedas internacionais em um único mês.

Parte desse movimento pode ser atribuído aos imensos programas de auxílio implementados pelos EUA e à promessa do Federal Reserve (Fed) de juros baixos por muito tempo, mas não explica tudo. A utilidade de uma moeda de reserva (status atual do dólar desde o acordo de Bretton Woods) está diretamente relacionada com a representatividade do país que a emite.

No que diz respeito ao comércio global, a China já ultrapassou os EUA, mas substituir o dólar não é uma tarefa tão simples assim. O yuan ainda está longe de ser uma moeda facilmente convertida em outras.

A geopolítica também desempenha um papel importante. Atualmente, a política norte-americana não demonstra muito compromisso com a ordem mundial que ela mesma criou. É nesse vácuo que circulam as criptomoedas, cada vez mais confundidas com as moedas digitais emitidas pelos bancos centrais.

Com a China também um pouco mais avançada nesse assunto, seu intuito está longe de ser especulativo:

  • Controlar a propagação do vírus (retirando notas de dinheiro de circulação);
  • Combater a lavagem de dinheiro;
  • Funcionar como instrumento de política monetária;
  • Facilitar a transferência de renda dos programas assistenciais.

Mercados emergentes

O motivo dos mercados emergentes não refletirem de imediato essa dinâmica do mercado de moedas é o fato desses países estarem restritos, de uma forma ou de outra, aos seus próprios mercados financeiros. Dito de outra forma, a regulamentação aplicável a cada um deles determina o seu grau de atratividade para o investidor global.

Não é segredo que essas economias possuem falhas estruturais. Quando precisam implantar programas de apoio (dessa vez, em função de uma pandemia), seus custos atingem níveis extremamente altos, dado que o fluxo financeiro opta por títulos de mercados mais seguros.

Ainda assim, esse grupo de países implementou suas próprias versões de “flexibilização quantitativa”, ou simplesmente QE. Obviamente, em uma proporção menor do PIB quando comparados aos países ricos.

Risco fiscal

O Brasil passou mais de 30 anos aumentando os gastos públicos para expandir a economia e, para manter isso em funcionamento, aumentou a carga tributária, ainda que não na mesma proporção.

Isso só mudou quando os entes públicos (estados, municípios e o governo federal) “quebraram”, inviabilizando inclusive a estratégia do BNDES (outro agente público) de emprestar dinheiro barato às grandes empresas. Para entender o impacto na economia, basta pensar que o Estado brasileiro representava 40% do PIB.

Hoje, com os programas de socorro implementados, essa participação aumentou. Um desdobramento visível disso é a taxa de longo prazo “empinada” (inclinada para cima), dada a conta mais alta a ser paga no futuro, para um país que já tinha pouca margem para tal.

Ao se contemplar a possibilidade de se “furar ou flexibilizar o teto”, elimina-se então a única medida de contenção acatada pelo mercado financeiro. Não se pode negar a sua função social ou até mesmo a popularidade de tais programas (o chamado “dividendo político”), mas esses gastos só são viáveis de ponto de vista fiscal se mantiverem o seu caráter transitório.

Assim, não deveriam extrapolar o ano de 2021, sendo que ainda precisariam da aprovação de reformas que ficaram pendentes, algo que, no final das contas, exigirá uma grande coordenação política em um momento em que muito provavelmente estaremos batendo à porta da eleição presidencial de 2022.

Curva empinada

Dada tamanha incerteza, qual a probabilidade de alguma empresa investir para gerar crescimento mais à frente? Um país com pouca margem de manobra fica exposto a uma infinidade de choques.

Mesmo que a Selic fosse reduzida hipoteticamente para “zero”, a taxa de juros de longo prazo, usada para mensurar o valor dos ativos em bolsa, é definida pelos próprios agentes do mercado.

Afinal, é para eles que o governo vende os seus títulos, que são comprados de acordo com o nível de risco (juros) que estão dispostos a correr.

Isso traz outros desdobramentos. Quando o Tesouro percebe que as taxas estão subindo, reduz o prazo dos seus papéis. Ao acessar o mercado com mais frequência, surge o chamado “risco de rolagem”; ou seja, a cada nova emissão de dívida, o custo para tomar dinheiro aumenta.

Reverter isso requer atacar pontos tais como:

  • Deficiência de infraestrutura, o que exige investidores privados para projetos de longuíssimo prazo, dado que o governo não possui mais capacidade financeira;
  • Inserção do país nas grandes cadeias globais, o que passa pela educação e aperfeiçoamento da mão de obra;
  • Outros elementos que complementam o “kit de melhorias”: aumento da produtividade, eficiência tributária, facilidade de se fazer negócios, etc.

O fato dessa “agenda” não avançar se reflete no mercado de bolsa, cujos preços não se sustentam sem fundamentos (capacidade das empresas de gerar retornos no longo prazo), independentemente da popularidade dos influenciadores digitais.  

Um ambiente de juros muito baixos, por um longo período de tempo, significa que o crescimento econômico não vem tão cedo, o que por si só nunca é bom. Além disso, os investimentos internacionais já são uma realidade hoje, de forma que ninguém está preso ao mercado doméstico, o que nos leva ao próximo grande tema.

Mundo digital

De acordo com as regras internacionais, são tributadas as empresas domiciliadas ou com presença física dentro de um país.

Todavia, não é o que ocorre com as companhias de internet, uma vez que podem registrar sua propriedade intelectual em jurisdições que oferecem incentivos fiscais. Isso permitiu que elas destinassem, apenas no ano de 2017, 40% de seus lucros para países com tributação mais favorável.

Os números somam algo em torno de 200 bilhões de dólares, uma quantia suficientemente representativa para ajudar nas finanças públicas de vários países, cujos pacotes de estímulo chegam a mais de 5 trilhões de dólares. Por conta disso, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) debate sobre a viabilidade de se implementar o imposto sobre negócios digitais, com base em 2 propostas em análise.

A primeira tributa de acordo com a localização dos clientes da empresa, enquanto a segunda impõe um valor mínimo a ser pago, independentemente da localização. Por enquanto, as perspectivas de um imposto mínimo são mais promissoras, visto que cada país tem liberdade para adotá-la.

Mas, não havendo um consenso, cada país vai definir as suas próprias regras, causando impactos negativos relevantes nos Exchange Traded Funds (ETFs) que fazem parte das carteiras oferecidas aos pequenos investidores pelo seu baixo custo, diversificação e simplicidade.

Isso sem mencionar um tributo em estudo pelo próprio Brasil, muito mais abrangente por incluir todos os pagamentos que circulam pelos meios digitais.

Conclusão

Por mais que os estímulos monetários tenham sido implementados rapidamente em 2020, não se pode negligenciar os seus efeitos sobre os mercados. Dito isso, cabe um pouco de racionalidade quando influenciadores compartilham suas opiniões. Admirar o estilo de vida de alguém nas redes sociais não chancela suas escolhas em relação ao dinheiro.

Tal como o processo vivenciado por uma pessoa debilitada quando toma cortisona, não se pode esperar que a melhora substancial dos mercados seja perene. Muitas incertezas rondam os cenários possíveis para uma vacina, o que determinará a intensidade e a recuperação das economias de um modo geral.

Como demonstrado nesse artigo, a desvalorização do dólar não implica na sua substituição por uma criptomoeda. Da mesma forma, não se pode supor que os emergentes possuem o mesmo poder de fogo dos países desenvolvidos (tal como mostra a curva de juros de longo prazo).

Acreditar que a tecnologia vai “salvar o mundo” pode até ser uma excelente isca para ganhar novos seguidores entre os atuais 2,8 milhões de investidores da bolsa, desde que os países, cada vez mais endividados e restritos pelas suas próprias disputas internas, levem mais tempo para taxar os negócios que circulam pela sua infraestrutura digital.

“Corrupção, peculato, fraude, todas estas são características que existem por todo o lado. É lamentavelmente a forma como a natureza humana funciona, quer queiramos ou não.”

Alan Greenspan
Sobre o autor
Nohad Harati
Possui MBA em Finanças e LLM em Direito do Mercado Financeiro (ambos pelo Insper/SP). É gestora de uma carteira proprietária, além de ser responsável por um Family Office.