O ambiente de risco global para as bolsas, com aumento de inflação e juros, requer mais cautela do investidor, diz Garde Asset
No Brasil, aumento de juros também se deve à degradação do cenário fiscal
Na última edição de sua carta mensal aos investidores, a Garde Asset destaca as perspectivas globais de aumento de juros nos países, principalmente os desenvolvidos, além de como a inflação crescente no mundo todo impacta as decisões de política monetária nos diferentes territórios. A gestora considera que, atualmente, "a bola está com os bancos centrais" e isso mexe com o ânimo dos investidores.
"Alertamos para o risco para as bolsas globais, de um lado enfrentando pressões de custos e salários que comprimem suas margens e, de outro, passando pela iminência de expectativas de ciclos mais tempestivos de altas de juros, prejudicando as condições de financiamento das empresas. Concluímos, então, que o ambiente de risco global hoje preza por cautela", afirma.
No texto, a Garde explica que as expectativas para a trajetória de política monetária dos Bancos Centrais ao redor do mundo tiveram grande reprecificação em outubro, na esteira de um cenário inflacionário global que ainda não apresentou sinais de alívio.
A adoção de um tom mais duro nas últimas reuniões de política monetária de países como Canadá, Austrália, Colômbia e Polônia contribuiu para o aumento da volatilidade nos mercados de juros globais nas últimas semanas. "No entanto, parte desse movimento foi devolvido na medida em que outras autoridades monetárias sinalizaram uma postura menos agressiva", comenta a gestora.
Na Zona do Euro, por exemplo, o Banco Central Europeu não deve subir juros até o fim de 2023. Já nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) poderá iniciar o processo de ajuste dos juros antes, em 2022.
"Acreditamos que, sujeito a um mercado de trabalho que pode atingir seu pleno emprego na metade de 2022, o Fed cumprirá sua promessa de ajuste gradual no grau de estímulos e implementará apenas uma alta de juros no ano que vem. Entretanto, reconhecemos que o risco de um processo mais tempestivo é latente e assim permanecerá enquanto a inflação corrente continuar pressionada, o que, por sua vez, mantém em cheque as expectativas de inflação".
Em relação à China, a Garde ressalta que apesar de alguns sinais positivos em outubro quanto à resolução da crise energética, a gestora continua pessimista com o cenário de crescimento econômico de médio prazo, que deve apresentar moderação, principalmente devido ao setor imobiliário.
A gestora conclui suas perspectivas para o cenário global dizendo que não prevê melhora no curto prazo. "As cadeias produtivas e logísticas seguem sem dar sinais de melhora, e o risco de um inverno mais intenso que o normal pode intensificar a crise energética pela qual diversas regiões passam. Assim, o ambiente de juros pressionados e de alta volatilidade nos mercados deve continuar enquanto essas incertezas perdurarem", pontua.
Cenário doméstico: a ruína do teto
Aqui no Brasil, as perspectivas para a taxa básica de juros, a Selic, também toma conta dos mercados. No entanto, conforme destaca a carta da Garde, a maior preocupação dos investidores com o cenário doméstico vem dos problemas fiscais do País.
"A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que modula o pagamento dos precatórios para 2022 trouxe consigo a alteração do indexador do teto de gastos, de maneira a acomodar mais gastos sociais e com emendas parlamentares. Essa proposta casuística revela o enfraquecimento da âncora fiscal e o ímpeto populista do governo em tempos de baixa popularidade", explica a gestora.
De acordo com o texto, a mudança das regras no teto de gastos, além de indicar que novos gastos e medidas populistas estão no radar do governo e do Congresso nas vésperas do ano eleitoral, sinalizam um distanciamento, cada vez mais evidente, do presidente Jair Bolsonaro da agenda liberal, que o ajudou a se eleger em 2018 e do rigor fiscal do País.
"Como resultado dessa mudança no direcionamento fiscal espera-se um provável aumento da taxa de juros neutra da economia e, consequentemente, piora da trajetória de dívida pública", afirma a Garde. A expectativa da gestora é que o Brasil migre de uma taxa de juros neutra próxima de 3% para 4%, o que levaria a trajetória de dívida pública para quase 10% na próxima década.
A carta, que ressalta que as mudanças no teto geram incertezas sobre o futuro da âncora fiscal, simula a trajetória de dívida para um cenário hipotético de flexibilização da regra do teto de gastos que tenha como indexador o IPCA + 2%. Essa condição, segundo a gestora, revela uma caminhada crescente da dívida pública, que teria de ser compensada por um aumento da carga tributária.
"Essa elevação seria especialmente danosa num país que já parte de elevados níveis de impostos. Portanto, seguimos pessimistas com a evolução das contas fiscais e do ambiente político conforme entramos em 2022", destaca.
Perspectivas macroeconômicas
"Do lado da inflação, revisamos novamente a projeção do IPCA de 2022 para cima, chegando a 5,3%. Além dos dados de curto prazo mostrarem a intensificação do cenário de tempestade perfeita que temos chamado a atenção, novos choques de preços de commodities em reais deverão ter impacto na inflação do ano que vem, tanto pela defasagem temporal do pass-through como pela inércia da inflação alta deste ano para o seguinte", comenta a gestora.
A Garde projeta, ainda, que a Selic deve chegar a 11,75% em março de 2022 e permanecer neste patamar até o o fim do ano, com o Banco Central encerrando o ciclo de aperto monetário.
"Ainda que não seja suficiente para convergir a inflação de 2022, tarefa ingrata dado que vários fatores inflacionários estão alheios à condução da política monetária, como problemas nas cadeias produtivas e o processo de reabertura e recomposição de preços no setor de serviços, o nível da Selic final deverá ser suficientemente alto para navegar o período eleitoral e convergir a inflação para horizontes mais longos", explica a carta.
Como resultado da pressão inflacionária e um cenário de juros altos, o crescimento do País deve desacelerar e as expectativas da gestora são de um Produto Interno Bruto (PIB) de 0,7% no próximo ano, e não mais de 1% projetado anteriormente.
Para a Garde, há um conjunto de fatores que deve evitar uma desaceleração mais acentuada, como a melhora no mercado de trabalho, a recomposição de estoques na indústria e as boas perspectivas para o setor agropecuário.