Moeda comum para o Mercosul? Conheça as barreiras para adoção dessa política
Diferença entre os juros dos países, dificuldades para a criação de um Banco Central único e controle de capitais na Argentina são impecilhos para uma moeda única
Robert Mundell, PhD pelo Massachussetts Institute of Technology (MIT), recebeu o Nobel de Economia no mesmo ano do lançamento da moeda comum europeia (1999). Não por outro motivo, é popularmente chamado de “pai intelectual do euro”.
Falecido em abril de 2021, Mundell era canadense e seu interesse por economia internacional não foi por acaso. Durante a década de 60, prevalecia o câmbio fixo imposto pelo sistema de Bretton Woods.
Como os fluxos entre fronteiras eram controlados, os países conseguiam, ao mesmo tempo, definir a sua política monetária (juros) e manter a cotação em relação ao dólar norte-americano. Mas, isso não se aplicava ao Canadá, que tinha o câmbio flutuante e relações de comércio muito estreitas com os EUA. Ali, era impraticável o controle de capitais.
Essa peculiaridade de sua terra natal o ajudou a desenvolver, juntamente com o economista Marcus Fleming, do departamento de pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI), o chamado “trilema de Mundell-Fleming”.
Áreas monetárias ótimas
Em 1961, Mundell publicou um paper sobre áreas monetárias ótimas.
De acordo com ele, se os fatores de produção (capital e mão de obra) podem se mover facilmente entre fronteiras, então todos os países poderiam utilizar a mesma moeda, reduzindo assim os custos de transações.
Do contrário, especialmente em relação ao segundo fator, cada um deveria ficar com a sua, mantendo assim o poder para acomodar choques externos.
Esse trabalho foi complementado por outros, que tratavam da importância das relações de comércio, da flexibilidade dos salários e da existência de um ente responsável pelo lado fiscal. Como resultado, boa parte dessas contribuições serviu de subsídio para a formação da União Europeia (UE).
Mundell se destacou também em outras áreas da economia, com os seus estudos de políticas de redução de impostos para fomentar o investimento (“Reaganomics“).
Crise da dívida externa
Antes mesmo da crise da dívida externa, já existia a ideia de uma moeda que substituísse o cruzado (Brasil) e o austral (Argentina). Além de permitir a utilização de outras reservas, ela tinha o intuito de facilitar o comércio. Dito isso, o conceito de uma moeda regional para a América Latina não é necessariamente novo.
Considerando os tempos atuais, seria oportuno avaliar a proposta de união monetária sob os critérios definidos por Mundell, começando pela política monetária, que deveria ser comum a todos. A diferença entre os juros praticados no Brasil e na Argentina é de 61%, sendo que os seus ciclos econômicos sequer são coincidentes.
Além disso, quais as chances de se estabelecer um único banco central, a exemplo do Banco Central Europeu (BCE)? Enquanto o Banco Central do Brasil goza de autonomia, o Banco Central de la República Argentina emite papel para cobrir o endividamento de seu governo.
No que diz respeito à livre movimentação de capital e de mão de obra, o controle de capitais imposto pela Argentina impossibilita que qualquer um pague o que seja fora de suas fronteiras. O mesmo pode ser dito sobre a precariedade da infraestrutura regional, elemento limitante para a mobilidade de pessoas.
Preços europeus
Com uma inflação de quase 100% ao ano e negociações para evitar o 10º calote junto ao FMI, as reservas Argentinas são insuficientes para pagar empréstimos em moeda estrangeira ou até mesmo importações. Ou seja, trata-se de um país muito diferente do Brasil.
Uma forma simples de se observar tamanha discrepância é o Índice Big Mac.
Fazendo a conta em dólares, um Big Mac custa US$ 4,44 no Brasil enquanto o valor é de US$ 5,31 na Argentina. A título de comparação, o preço é mais alto que o praticado na zona do euro (US$ 5,27).
O leste europeu como inspiração
Não é difícil de associar a intenção dos países latinos com o leste europeu. Também considerados “emergentes” com a queda da União Soviética, sofriam com a volatilidade de suas moedas.
A cada desvalorização cambial, maior a dificuldade para honrar compromissos externos. Consequentemente, fazia todo o sentido do mundo renunciar suas respectivas moedas e, portanto, abrir mão da capacidade de estabelecer a sua própria política monetária.
Mesmo antes de concluir o árduo trabalho que antecedia a adoção do euro, muitos já tinham atrelado as suas moedas a ele. Ainda assim, nem tudo estava resolvido, haja vista os “critérios de convergência” que precisavam atender.
Entre eles, metas para a inflação e para os gastos públicos, o que trazem novos desafios. No caso da zona do euro, mesmo que todos estejam enfrentando índices de inflação mais altos, a UE utiliza como referência a média dos 3 países com a menor inflação no bloco.
No que tange o corte de gastos públicos, são várias as complicações quando o cenário é de pouco crescimento, como o atual. Mesmo assim, são mínimas as chances de flexibilização nesse quesito, muito em função da reação negativa dos demais países.
Conclusão
Enquanto a ideia não sai do papel, o real brasileiro e o peso argentino continuam como estão.
Em tese, moedas se ajustam conforme buscam o equilíbrio. Na prática, elas se deslocam para muito além de onde deveriam se fixar, causando mais instabilidade. Pode-se dizer então que não servem como mecanismos de compensação para preços e/ou salários fora do lugar.
A verdade é que não existe uma relação estável entre níveis de atividade econômica e flutuações cambiais, como o Índice Big Mac mostra. Entretanto, evidências apontam que qualquer moeda se valoriza quando há ganhos de produtividade, o que ajuda a manter a inflação baixa e as exportações competitivas.
Leis locais (trabalhistas e/ou do inquilinato) não necessariamente causam o mesmo efeito. Além disso, compartilhar uma moeda faria com que o Brasil tivesse que fiscalizar os gastos do país vizinho, para não ter que socorrê-lo toda vez que o projeto comum estivesse em risco.
A Europa, mesmo com tantas regras, viu o euro romper a paridade com o dólar também em função da flexibilização dos seus limites de déficit e de endividamento público, tal como definidos no Tratado de Maastricht.
Passados 24 anos do lançamento do euro, a união monetária europeia ainda é um projeto em construção.