Mercado ingressa em outubro em meio a pressões políticas e crise econômica
Ajuste fiscal, alta da inflação e dos juros em nível local; tapering nos EUA e caso Evergrande na China, em nível global
O mercado financeiro dá largada ao novo mês e ao quarto trimestre do ano nesta sexta-feira, 1º de outubro, em clima de cautela e guarda levantada, dada à manutenção do cenário de incertezas que pressionaram os mercados, global e local, ao longo do mês que acabou ontem.
A Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, fechou setembro com desvalorização de 6,57%, queda mensal mais elástica desde a de 29,9% de março de 2020, quando o início da pandemia do coronavírus levou a uma derrocada do mercado de ações. O dólar subiu 5,34% e ocupou a ponta da lista do ranking, que posicionou a Bolsa em último lugar.
Especialistas não veem um cenário animador que leve a uma reviravolta dos mercados em outubro. Senão, por outros motivos, pela falta de fatores e expectativas alentadoras e pela persistência das fontes de pressão que deram o tom negativo aos mercados em setembro.
Em um quadro doméstico que as preocupações com o ajuste fiscal devem permanecer no foco das atenções, o mercado financeiro estará atento às negociações do governo com o Congresso para o arredondamento do Orçamento de 2022.
Uma equação que para ser fechada sem maiores sobressaltos para a questão fiscal exige critérios de pagamento de precatórios e do novo programa social sem risco para o teto de gastos.
Ajuste fiscal e inflação são riscos para o mercado
O assunto ganha relevância em um momento que a inflação mostra força e o Banco Central sinaliza uma política monetária contracionista, levando a taxa básica de juro acima da inflação no término do atual ciclo de elevação da Selic.
A elevação de mais um ponto porcentual do juro básico, para 7,25% na reunião do Copom no fim de outubro, é uma das poucas certezas que o mercado tem para o mês que começa, segundo analistas.
Se existe essa quase convicção, sobram dúvidas sobre a tendência de inflação, que até agora não deu sinais de trégua, apesar das seguidas elevações da Selic, e a crise energética, que, para especialistas, tende a se agravar pela falta de chuva nos rios que abastecem reservatórios.
O cenário externo também continuará atraindo a atenção de investidores, sobretudo os desdobramentos do caso Evergrande, construtora chinesa que passa por dificuldades, que têm gerado temor de calote e respingado negativamente também na economia chinesa.
Uma incerteza que pode permanecer influenciando o mercado de commodities, especialmente minério de ferro e aço, que afetam exportadoras como a Vale, empresa que tem forte peso na carteira do Ibovespa.
Preocupações com a crise energética global e com mudanças na política monetária americana, relacionadas à redução da recompra de títulos pelo Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), o chamado tapering, também estarão na agenda do mercado em outubro.
Petrobras, Desconto Gás e inflação
O capítulo sobre o presidente Jair Bolsonaro e os combustíveis ainda segue sendo escrito. Na véspera, o chefe do Executivo citou, em transmissão ao vivo nas redes sociais, a possibilidade de repassar dividendos da Petrobras a um fundo regulador que possa modular a alta dos combustíveis, hoje um dos vilões da inflação.
Segundo Bolsonaro, ele discutiu a possibilidade com o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano. “Temos de buscar solução para isso”, enfatizou.
A possibilidade de criar um fundo regulador que amenize o impacto de oscilações do mercado internacional sobre o preço dos combustíveis já tinha sido sugerido na quarta-feira, 29, pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.
O parlamentar disse que a medida não alteraria a política de preços da Petrobras, explicada pelo presidente a seus apoiadores durante a live.
"Vocês ficam indagando, como a gente pode ser autossuficiente (em petróleo) e pagar o preço do mercado internacional? É uma coisa acertada lá atrás", afirmou o presidente, que ainda citou o combate ao desperdício com contratos de aluguéis como forma de reduzir o valor dos combustíveis. "Com Silva e Luna, estamos atacando em outra frente: o desperdício da Petrobras."
Sobre o programa Desconto Gás, que envolve subsídios para famílias carentes adquirirem botijão de gás, Bolsonaro disse que espera que a política da petroleira “se concretize”. A empresa liberou R$ 300 milhões para subsidiar o programa, o que deve atingir 2% dos beneficiários do Bolsa Família.
Segundo o presidente, a Petrobras vai entregar um botijão de gás a cada dois meses aos inscritos no programa. "É uma ajuda, é um alento", afirmou em transmissão ao vivo nas redes sociais.
Nas contas de Bolsonaro, é possível diminuir à metade o preço do gás de cozinha a partir de políticas como a venda direta ao consumidor e redução de impostos estaduais, como o ICMS, uma das principais fontes de receita dos Estados. Contudo, mais uma vez, o presidente não apresentou estudos para justificar as afirmações.
Além disso, o chefe do Executivo voltou a reconhecer a escalada inflacionária, mas disse que o Brasil é o país que menos sofre nesse quesito.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) subiu 1,14% em setembro, a maior alta para o mês desde 1994. Com o resultado, o IPCA-15 acumulou aumento de 7,02% no ano.
"O Brasil é um país que tem muita coisa cara, mas não está faltando nada como no Reino Unido", tentou justificar o presidente.
De olho também no impacto da crise hídrica na inflação, devido à elevação dos preços nas contas de energia, o chefe do Executivo voltou a pedir à população que desligue um ponto de luz. Na semana passada, ele havia pedido aos brasileiros para tomar banho frio.
Bolsonaro ainda criticou a metodologia do IBGE para a contabilização do desemprego. "Por que crescem desempregados no Brasil? Fica uma contradição, você cria empregos e aumenta o desemprego. É que a metodologia do IBGE leva em conta apenas de estar desempregado quem procura emprego e não acha", justificou o presidente, que convive com a marca de 14,1 milhões de desempregados em seu governo, como informado pelo instituto.
Nova York e o mundo
O último trimestre do ano começa no vermelho para os mercados internacionais: os futuros em Wall Street e os recém-abertos mercados europeus começam outubro com o pé esquerdo.
O S&P 500 fechou no nível mais baixo desde julho, estendendo suas perdas de setembro para quase 5%. Empresas economicamente sensíveis, como indústrias e empresas do setor financeiro, estiveram entre os piores desempenhos.
Na véspera, a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou uma medida chamada de "resolução contínua", que evita o shutdown do governo, ou seja, a paralisação da máquina pública. Foram 254 votos favoráveis e 175 contrários. O projeto, que já havia recebido o aval do Senado, vai agora para a mesa do presidente norte-americano, Joe Biden.
O texto prevê recursos para o financiamento do governo até o dia 3 de dezembro. Para que o shutdown não ocorra, Biden precisa assinar a medida até às 00h59 desta sexta-feira, horário de Brasília.
Em meio a uma disputa política entre democratas e republicanos, um projeto anterior que evitaria o shutdown havia sido rejeitado no Senado no começo da semana. Isso ocorreu porque os governistas atrelaram a medida à suspensão do teto da dívida, que a oposição decidiu não apoiar.
O pacote de infraestrutura do governo Biden também segue no radar. No dia anterior, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou que as negociações pela aprovação dos investimentos nos Estados Unidos seguem e que “todos os lados devem ter que ceder um pouco”.
Na véspera terminou o prazo para a votação dos pacotes no Congresso. A representante apontou, em coletiva de imprensa, que houve progressos no tema nos últimos dias, e que ainda acredita em uma aprovação.
Segundo Psaki, a questão é uma prioridade para o presidente dos EUA, Joe Biden, que vem se engajando em conversas com legisladores, como o senador democrata moderado Joe Manchin, um crítico dos valores envolvidos nos pacotes.
Sobre uma das questões levantadas por Manchin, o risco inflacionário, a porta-voz afirmou que, no longo prazo, ele será combatido com os projetos, e que "se você está preocupado com inflação, deve apoiar os pacotes".
Do outro lado do mundo, o tom azedo também permeou o desempenho das bolsas. Na Ásia, fecharam em baixa. Na China e em Hong Kong, os mercados não operaram devido a feriados.
O índice japonês Nikkei liderou as perdas na Ásia, com queda de 2,31% em Tóquio, aos 28.771,07 pontos, enquanto o sul-coreano Kospi caiu 1,62% em Seul, aos 3.019,18 pontos, e o Taiex recuou 2,15% em Taiwan, aos 16.570,89 pontos.
Na China continental, as bolsas estão fechadas por causa do feriado da Semana Dourada, que começou hoje e se estende até 7 de outubro. Em Hong Kong, também não houve negócios nesta sexta em razão de um feriado.
Na Oceania, a bolsa australiana também ficou no vermelho hoje, com queda de 2% do S&P/ASX 200 em Sydney, aos 7.185,50 pontos, influenciada principalmente pelo setor financeiro (-2,8%). / com Júlia Zillig e Agência Estado