Mercado Financeiro

Gestores contam como defendem as carteiras de investimentos em cenário macro deteriorado; confira

Títulos públicos que pagam correção monetária mais juros e ações defensivas são opções para a proteção

Data de publicação:27/10/2021 às 05:00 - Atualizado 3 anos atrás
Compartilhe:

A crescente instabilidade e deterioração do cenário macroeconômico, com seguidas revisões para cima de seus dois principais indicadores - a inflação e a taxa de juros - tem estimulado rebalanceamentos de estratégias de gestores. Uma remodelação dos portfólios que procura ajustar a carteira de ativos ao cenário de expectativas em contínuas mudanças.

O pano de fundo dessas frenéticas calibragem nas estimativas de indicadores é a rápida deterioração do cenário fiscal, pela percepção dos agentes econômicos de que as manobras do governo para emplacar o Auxílio Brasil com valor maior leva ao desmonte da regra do teto de gastos. Uma iniciativa que gerou preocupação e turbulências no mercado financeiro, com ajustes nas previsões de inflação e taxas de juro.

Mercado teme ajuste mais acentuado na Selic

As estimativas de alta da taxa básica de juros, a Selic, foram revistas seguidamente nos últimos dias. Partiu da base sinalizada anteriormente pelo Banco Central, de um ponto porcentual, para algo entre 1,25 e 1,50 ponto porcentual. A decisão será anunciada pelo Comitê de Política Monetária (Copom)nesta quarta-feira, após o fechamento dos mercados.

Levantamento feito pelo Projeções Broadcast na segunda-feira apontou que, das 43 instituições consultadas, 18 esperam uma alta de 1,50 ponto porcentual na Selic, para 7,75% ao ano; outras 18, uma elevação de 1,25 ponto porcentual, para 7,50%, e sete apostavam ainda em uma alta de um ponto porcentual, para 7,25%.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de 1,20% em outubro, acima das previsões dos analistas, divulgado pelo IBGE ontem, acentuou o pessimismo com a inflação. O IPCA-15 mais elevado, em dia que os combustíveis tiveram novo reajuste, fez disparar os juros futuros, que passaram a indicar uma alta maior, de até 1,75%ponto, na Selic.

O economista da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti, que prevê uma alta de 1,50 ponto na Selic, afirma que o Banco Central deve aumentar a dose de ajuste, “mas tem que ter cuidado para que o aumento na Selic não vá além do adequado”.

Posições táticas de curto prazo em títulos públicos

O cenário de incertezas macroeconômicas e de volatilidade no mercado financeiro tem levado a reposicionamento nos portfólios de ativos. O analista de Investimentos Leon Abdalla, da Rio Bravo Investimentos, diz que vê, na estratégia de gestores, uma opção por posições táticas de curto prazo na renda fixa, em detrimento de posições estruturais, de longo prazo. Em geral, de carona nas oportunidades que aparecem na curva de juros, que estão pressionadas pela piora de expectativas com o fiscal.

Um nicho bastante demandado pelos gestores é o de títulos públicos, em especial de Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), que estão com juros bastante atraentes. Os papeis que rendem juro real e correção monetária pelo IPCA passaram a atrair até os fundos institucionais, como os fundos de pensão, para o cumprimento de meta atual – um benchmark de desempenho assumido perante os cotistas.

Um rendimento que chama a atenção não apenas em títulos de prazo longo. Papeis de vencimento curto, para maio de 2023, oferecem juro acima de 5% ao ano, além de uma correção monetária robusta por uma inflação alta prevista para 2022, considerados uma das melhores oportunidades da renda fixa, no momento.

Os títulos privados também têm vez na carteira de fundos de crédito privado. O gestor com caixa tem optado por essa modalidade de fundo, voltado ao mercado de infraestrutura. A rentabilidade depende do risco, mas no mercado secundário de debêntures as taxas vêm em alta, de IPCA mais 6% ao ano, IPCA mais 7% ao ano para IPCA mais 7% ao ano.

Cenário macro leva à renda variável defensiva

A bolsa de valores também tem sido alvo de escolha seletiva de ações, embora a maioria delas esteja descontada, baratas, segundo analistas. As preferidas de gestores têm sido as consideradas defensivas, para a proteção de carteira, como as ações de companhias exportadoras com receitas em dólar, e as small caps de empresas com bom fluxo de caixa, com boa gestão e sem dívidas.

“As ações de empresas exportadoras que têm faturamento em dólar são mais defensivas”, afirma Bertotti, da Messem Investimentos. Além de uma fonte de receita que não depende do mercado doméstico, as empresas exportadoras de commodities – como as de petróleo, minério de ferro, celulose, grãos e carne – têm o faturamento turbinado pela valorização do dólar, uma trajetória recorrente em períodos de crise.

As opiniões se dividem em relação à atratividade das ações de bancos. Lembrados quase sempre como os principais beneficiários do cenário de inflação e juros altos, o setor financeiro não é mais unanimidade. Os papeis dos bancos tradicionais estão muito baratos, mas uma parcela de gestores teme que a concorrência das fintechs e dos bancos digitais, além do crescimento de operações com o Pix, achate o faturamento. 

O head de Renda Variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno, avalia, contudo, que as fintechs podem ficar em desvantagem em ambiente de juros elevados e crédito mais caro.

Parte dos especialistas entende que a deterioração do cenário macroeconômico, com a escalada da inflação e dos juros, não deve afetar negativamente o mercado de ações como um todo. Gestores de fundos de ações passaram a avaliar mais o cenário microeconômico, os resultados de cada empresa, que o macroeconômico ruim para fazer suas escolhas.

Cenário micro das empresas é positivo

‘O cenário macro está deteriorado, mas o micro, a situação específica de determinadas empresas, vai bem, avalia Felipe Leão, analista da Valor Investimentos. Como os fundos de ações devem cumprir o limite de até 67% de ações na carteira, o gestor está fazendo a realocação de ativos dentro do próprio portfólio.

Um processo de substituição em que as ações de empresas small caps, que sofrem no atual cenário porque demandam crédito mais caro, cedem lugar na carteira aos papeis de companhias com receitas dolarizadas, como os de exportadoras, e de empresas de varejo, como os supermercados, que conseguem repassar a inflação aos preços.

“O gestor de fundo de ações está de olho principalmente no cenário micro, em empresas menos endividadas, com mais geração de caixa e entrega futura de mais resultados”, explica Leão. É um trabalho de mapeamento de oportunidades em ações que, com a melhora do mercado, ganharão impulso e serão destaques do mercado.

O analista de Soluções Financeiras da Ativa Investimentos, Rodrigo Beresca, corrobora com a avaliação de que os fundamentos das ações, como o fluxo de caixa das empresas, não mudam. “O que muda com a alta dos juros é o cenário macroeconômico, o que pode levar a uma desvalorização das ações em um movimento geral de queda da bolsa.”

Sobre o autor
Tom MorookaColaborador do Portal Mais Retorno.