Dólar bateu R$ 5,75 com aumento do risco fiscal e desfalque na equipe econômica; e agora, o que pode acontecer?
Especialistas esperam por estabilidade da moeda, mas em níveis elevados
Na última semana, o mercado financeiro brasileiro viveu dias de muita tensão e volatilidade com os mais recentes capítulos do cenário fiscal do País e saída de integrantes da equipe econômica. Durante as negociações na última sexta-feira, o dólar chegou a ser negociado a R$ 5,75. Especialistas acreditam em estabilidade da moeda nesses próximos dias, mas em níveis mais elevados.
O presidente Jair Bolsonaro comunicou que as parcelas do Auxílio Brasil, o novo programa social que substituirá o Bolsa Família, serão de, no mínimo, R$ 400. Para conseguir incluir o projeto dentro do orçamento, a solução encontrada pelo governo foi mudar a fórmula do teto de gastos.
A reformulação passa a corrigir o valor do teto pela inflação dos últimos 12 meses, o que abre espaço de cerca de R$ 83 bilhões para gastos extras. O mercado desaprovou as medidas, que flertam com a irresponsabilidade fiscal, e integrantes do Ministério da Economia pediram demissão de seus cargos. Como consequência, o preço do dólar disparou 3,44% na semana, chegando aos maiores patamares desde março deste ano, a R$ 5,83, pior momento da pandemia no Brasil.
No fechamento da última sexta-feira, 22, a moeda americana era cotada a R$ 5,65. No entanto, o pregão foi marcado pela volatilidade e o dólar chegou à máxima de R$ 5,75. A moeda só devolveu parte da alta após um pronunciamento de Bolsonaro ao lado de Paulo Guedes, ministro da Economia, diminuindo as especulações de que o chefe da pasta também deixaria seu cargo.
Além das notícias sobre o Auxílio Brasil, o presidente prometeu também, sem informar a fonte para custear o projeto, um benefício aos caminhoneiros, que são uma das principais bases de apoio do governo. A categoria ameaça realizar paralisações pelo País em protesto ao preço do combustível.
Por que o dólar subiu?
De acordo com Alexandre Almeida, economista da CM Capital, toda essa situação "coloca em xeque o rigor fiscal do governo, que já está relativamente estrangulado por conta dos gastos excessivos com a pandemia".
Embora a proposta de Bolsonaro de mudar o teto amplie o limite de gastos, isso não muda a principal das preocupações dos analistas e investidores: a dívida do governo deve subir cada vez mais com as novas contas.
Com mais gastos, Almeida explica que a tendência é que haja maior pressão inflacionária para 2022 e 2023, o que, consequentemente, deve levar o Banco Central (BC) a adotar uma postura mais firme na hora de elevar a Selic, taxa básica de juros.
Tal cenário aumenta os riscos e torna menos atrativos os investimentos do Brasil, espantando os investidores, nacionais e estrangeiros. Dessa forma, a moeda americana se torna uma das principais opções para quem buscar proteger seu patrimônio de um ambiente de incertezas, em um momento de aversão aos riscos com a economia global desacelerando.
"O dólar é uma moeda de um país desenvolvido, que é líder global na economia, portanto quando os investidores se sentem com medo das aplicações em lugares mais arriscados, eles tendem a fugir para ativos mais seguros em que sofram menos", explica o economista. Assim, a demanda pelo dólar aumenta, depreciando o preço da moeda brasileira, o real.
Perspectivas
Para Alexandre Almeida, o "grande choque" do mercado já passou e o dólar deve se estabilizar nos próximos dias, porém em patamar elevado. O economista afirma que o BC deve intervir com novos leilões de dólar. "Isso significa que ele (o Banco Central) irá ofertar mais dólares na economia, diminuindo a pressão sobre a moeda nacional", explica.
"Se a aversão a risco aumenta a demanda por dólares depreciando a moeda nacional, quando o BC aumenta a oferta da moeda no mercado, a cotação do real tende a se apreciar", complementa o especialista, lembrando que, nas últimas semanas, o BC econômica já fez essa mesma movimentação, na tentativa de frear a valorização da moeda americana.
Almeida destaca ainda que, nesta semana, a agenda econômica brasileira conta com eventos importantes, que também podem impactar no preço do dólar. O primeiro deles é a divulgação, na terça-feira, 26, do IPCA-15, considerado a prévia oficial da inflação. Na sequência, na quarta-feira, o mercado conhecerá a nova taxa de juros brasileira, com o fim de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).
Atualmente, a Selic está no patamar de 6,25% ao ano e, de acordo com o economista, boa parte do mercado já espera uma nova de alta de 125 pontos-base, com a taxa chegando ao nível de 7,50% como forma de tentar conter o avanço mais acentuado da inflação.
O especialista finaliza dizendo que, se a elevação caminhar dentro do que o mercado espera, o real pode ganhar um fôlego a mais frente ao dólar. Entretanto, com o atual cenário de incertezas e perspectivas de risco fiscal, Almeida ressalta, uma vez mais, que a moeda americana deve continuar cara por algum tempo.